Da Folha de S. Paulo
Por Eliane Trindade
Companhia constante de políticos entre terças e quintas-feiras (a
tradicional semana parlamentar em Brasília), a loura de 36 anos, estilo
mignon e cabelos longos contabiliza entre os seus clientes um placar
unanimamente favorável ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
"Tenho quatro deputados da atual legislatura entre os meus clientes,
de diferentes partidos. Minha bancada é poderosa", gaba-se a garota de
programa, que oscila temporadas como acompanhante fixa de homens ricos e
poderosos na Capital da República.
"Todos votaram a favor do impeachment", conta ela, que foi
surpreendida, assim como governo, pela mudança de posição de última hora
de um deles.
O resultado caseiro reflete a votação (367 sim e 167 não) do domingo
(17), no plenário da Câmara dos Deputados, e está registrado em
mensagens de WhatsApp.
Sob condição de sigilo, a acompanhante de luxo abre o aplicativo do
celular e passa a exibir orgulhosa as inúmeras mensagens trocadas com um
parlamentar do PMDB, dois do PP e um quarto do PR, durante a votação do
impeachment e também no dia seguinte.
O conteúdo da intensa comunicação arquivada em seu iPhone 6,
protegido por uma capinha dourada, demonstra a intimidade cultivada ao
longo dos últimos quatro anos.
De um parlamentar do Rio de Janeiro, a loura recebeu um link no qual o
nobre deputado aparece dedicando o voto pelo "sim" ao impeachment à
família e fazendo uma ode à cidade onde tem sua base eleitoral.
"Parabéns, vi você agora", digitou ela em resposta. "Os bons vão
permanecer."
O texto enviado no início da noite de domingo, no calor da votação,
foi enfeitado com uma sequência de emojis, entre eles oito aplausos.
O deputado retribuiu dois minutos depois com a imagem de um coração solitário, encerrando temporariamente a comunicação.
Os dois se conheceram em uma festa de aniversário de um outro
parlamentar, na qual ela era uma das 20 mulheres convidadas para
entreter dez deputados amigos do dono da festa. "Era tudo muito cafona e
caro", recorda-se.
No reagabofe em 2014, ela se perfilou em um "corredor polonês" de
meninas. Foi uma das escolhidas pelo líder de uma bancada, com quem
dividiu uma suíte no hotel cinco estrelas, cuja ala presidencial foi
alugada para a festança.
"Ninguém fala em dinheiro nessas horas, mas os presentes e a grana
vêm naturalmente depois, ao virar a eleita de um cara desses", diz.
Ela não esconde a inveja de um amiga que ganhou um par de sandálias Christian Louboutin logo depois do primeiro encontro.
A brasiliense entrou no círculo íntimo do poder graças às conexões de
uma conhecida cafetina. Procurada pela Folha, a "promoter" desligou o
celular ao saber do teor da reportagem.
RESCALDO
Um dia depois da votação do impeachment, o WhatsApp da loura continua bombando com o rescaldo da votação.
Na segunda-feira, um parlamentar de São Paulo, o mais conhecido da
lista de clientes declarados dela –ou de amigos íntimos como prefere
defini-los– envia o link do YouTube que imortalizou seu voto "por amor
ao Brasil e à filha".
O deputado do PP está exultante com a repercussão do seu "sim" entre o
público que assistia à sessão em um telão na avenida Paulista, em São
Paulo.
A acompanhante de luxo brasiliense só não foi brindada com uma
justificativa de voto do seu amigo parlamentar que era tido como fiel ao
governo até o último momento. "Fiquei chocada quando soube que ele
mudou o voto. É o único da minha turma que é citado na Lava Jato."
Ela encerra o papo mostrando uma mensagem enviada também por um dos
nobres deputados de "sua bancada". O parlamentar entra no clima de
chacota que tomou as redes sociais, diante da enxurrada de dedicatórias
às mulheres durante a votação histórica.
O meme ironizando o discurso moralista e hipócrita de suas
excelências, listando o placar de esposas lisonjeadas (120), amantes
zangadas (200), filhos falando "ai que mico" (300).
LOVE BOAT
Com a presença rara em Brasília de mulheres e filhos no fim de semana
para acompanhar a sessão histórica, o circuito de festas privativas
promovidas por parlamentares ficou, digamos, mais familiar.
No fim de semana de impeachment, nada das tradicionais baladas
regadas a mulheres bonitas e muita bebida, que são definidas como
"plataformas de relações públicas e de exercício de poder" por um
lobista das antigas acostumado a frequentá-las.
São opções de lazer para políticos, empresários e a fauna que gira em torno do poder em Brasília.
Na atual legislatura, as festas mais famosas acontecem em um barco de
um senador goiano, apelidado de "love boat". O senador também costuma
emprestar o "barco do amor", que conta com uma única e luxuosa suíte,
para amigos.
Outro cenário de noitadas é a casa de um senador mineiro no Lago Sul,
que tem uma boate com um sugestivo palco de "pole dance". Periguetes
com crachá do Congresso Nacional e outras que cobram por hora costumam
disputar os convites para as baladas.
CAPITAL SEXY
Em outro circuito, Karina Sales, uma loura de 25 anos, 1m65 e 53 kg,
conforme anúncio do site de acompanhantes Capital Sexy, diz que o
impeachment foi frustrante em termos de movimento no já pouco aquecido
mercado de sexo brasiliense.
"Por conta da política, o povo sumiu. Tá todo mundo preso nas sessões no Congresso. Esse impeachment é muito brochante", diz.
Ela é pessimista com os rumos do país e do próprio negócio, em tempos
de crise política e econômica. "Gata, desce Dilma, sobe Temer, não vai
mudar nada."
Karina cobra R$ 500 por programa, aceita todos os cartões de crédito e
relata cenas de pechincha generalizada em tempos de Lava Jato: "Não
interessa se é senador, deputado ou político menor, como prefeitos e
vereadores que vêm atrás dos grandes, todos choram miséria na hora de
fechar programa."
O mercado não está bom nem para peixe famoso. "Uma estrela pornô da
produtora Brasileirinhas veio para Brasília para a temporada do
impeachment e foi embora dois dias antes da votação", relata Artur
Henrique, dono do site Capital Sexy, que promove os anúncios das
acompanhantes de luxo. "O dinheiro sumiu", resume ele.
Já o garoto de programa Franco, do site Bofes.com, diz que não tem do
que reclamar de Brasília. "Pra mim, crise não existe", garante ele,
nascido em Fortaleza.
Como discrição é a alma do negócio, Franco não entrega a clientela
VIP, disposta a pagar R$ 400 por um programa. "Se atendo político ou
famoso, eu nem sei. Não tenho televisão em casa, só vejo Netflix."
No fim de semana da votação do impeachment, o fã de "House of Cards"
diz ter sido sondado para uma "suruba" no Lago Sul. "Mas o cliente
acabou não contratando ninguém. Acontece muito."
Segundo ele, o que tem bombado mesmo é a sauna de um dos hotéis mais
tradicionais da Capital, ponto de encontro gay. "Os caras cobram muito
barato, R$ 50. Ganham por quilometragem e na pegação fazem dez programas
numa tarde", explica Franco.
Ele não se animou a tomar partido e se juntar à multidão dividida
pelo "muro da vergonha" para acompanhar a votação neste domingo, 17.
"Tendo ou não impeachment, nada muda. A máquina toda é corrompida."
Sua colega Karina também optou por outro programa para o domingão
decisivo para o governo Dilma Rousseff. "Preferi bronzear meu
corpitcho."
Com o bronzeado sempre em dia, a loura do WhatsApp passou o fim de
semana da votação do impeachment fora de Brasília. Afinal, "era o dia da
patroa ser homenageada".
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