O mau jornalismo da Folha no caso dos médicos “desistentes”
publicado em 18 de julho de 2013 às 23:42 - Viomundo
O dr. Thomaz Srougi e Cesar Camara na frente da clínica médica
particular na favela do Heliópolis. Cesar atende lá com jaleco do
Sírio-Libanês, onde também trabalha
por Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes, a partir de leitora indignada da Folha
Há muitas críticas sinceras aos programas do governo Dilma no setor da Saúde, dentre os quais o Mais Médicos. O próprio Viomundo já publicou várias delas, aqui, aqui e aqui.
Porém, causa-nos estarrecimento ler nas redes sociais manifestações
de xenofobia, racismo e desrespeito aos médicos estrangeiros, para não
falar da completa piração direitista de que os médicos cubanos viriam ao
Brasil promover uma revolução comunista.
As entidades médicas, por razões corporativistas, dizem que não
faltam médicos no Brasil e que o problema seria a má distribuição. Não é
verdade. Faltam profissionais nas regiões mais distantes e nas
periferias das grandes cidades e eles também estão mal distribuídos. Nas
regiões Sul e Sudeste do País há maior concentração de médicos,
enquanto no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ela é menor.
A leitora indignada que nos procurou protestou contra a cobertura distorcida que, segundo ela, é dada pela Folha de S. Paulo ao assunto, especialmente no caso do programa Mais Médicos.
Ela aponta para a seguinte sequência de eventos:
Senhora presidente, mais um clamor, respeitoso. Assuma a determinação política de priorizar recursos para as áreas sociais. Atue na saúde com competência e sensatez, não com respostas transloucadas aos gritos indignados da nação. Para que os brasileiros possam vislumbrar o alvorecer com esperança. E combata com arrojo o grupo de ímprobos e incompetentes instalados no teu entorno. Sem esquecer o arcebispo Desmond Tutu: “Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”.
Difícil conseguir isso? Não, se reconhecermos entre nossos dirigentes aqueles dotados de sabedoria e integridade, capazes de transformar a sociedade, tornando-a mais justa para seus filhos. Com esses sentimentos, coloco-me ao lado de José Serra.Pode-se concordar ou não com sua forma de se relacionar, muitas vezes difícil, mas não há como ignorar algumas marcas incomparáveis da sua atuação política. Nos cargos públicos que ocupou, suas ações beneficiaram não apenas os mais desprotegidos, mas todos os estratos da nação. Na saúde, Serra opôs resistência quase solitária aos interesses indevidos que, com uma frequência além do razoável, rondam o setor.
Até aí, normal. Ter opinião é necessário e importante, diz a leitora.
Porém, hoje, a Folha deu na capa do caderno Cotidiano: “Médicos alegam falta de direitos e desistem de programa de Dilma”.
Leiam o subtítulo: “Profissionais recuam de inscrição ao saber que não há décimo-terceiro e FGTS” (grifo nosso).
É fato que este é um dos aspectos mais criticados do programa: a
falta de garantias trabalhistas para os profissionais. Bolsistas ou
contratados? É um debate justo e necessário.
Porém, dos 11.701 médicos inscritos no programa, a Folha só ouviu dois, ambos apresentados como desistentes.
Ambos disseram ter se inscrito e desistido do Mais Médicos por deficiência do programa.
Porém, é importante destacar que houve um movimento
de doutores no sentido de sabotar o programa. Como? Fazendo a inscrição e
desistindo posteriormente ”para atrapalhar o cronograma e o
recrutamento dos médicos estrangeiros”, segundo a própria Folha explicou.
Impossível dizer se os dois médicos ouvidos pela Folha
pretendiam desde o início participar do protesto. Eles se manifestaram
como se tivessem sinceramente desistido por objeções à iniciativa
posteriores à inscrição.
O fato é que a reportagem que motivou o protesto da leitora traz uma imensa foto do dr. Cesar Camara, com a frase:
“Não há direito algum. Fica complicado aceitar um trabalho nessas condições”, diz o urologista Cesar Camara, 38, de São Paulo, que fez a inscrição e desistiu de efetivá-la.
E quem é o dr. Camara?
Assistente do dr. Miguel Srougi, conforme ele próprio escreve em sua página no Facebook:
Na terça-feira que precedeu a reportagem (publicada quinta) ele pede
ajuda para encontrar médicos que tenham se inscrito e posteriormente
desistido do Mais Médicos.
Cesar
faz parte do corpo clínico do setor de Urologia do Hospital Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP, cujo professor titular é o dr. Miguel
Srougi. As áreas dele são litíase (cálculo renal) e endourologia (área endocrinológica da urologia).
As relações do dr. Cesar Camara com a família do chefe vão além. Ele
trabalha na clínica médica do dr. Thomaz Srougi, filho do dr. Miguel,
que fica na entrada da favela de Heliópolis e só realiza consultas
particulares, que custam de R$ 40 (clínica-geral) a R$ 60
(especialidades). Não vale convênio, tampouco cartão do SUS.
César também trabalha no Hospital Sírio-Libanês. Aliás, ele usa na
clínica de Heliópolis o jaleco que tem costurado o nome do
Sírio-Libanês. Segundo matéria publicada no Estadão, a sua consulta particular custa R$ 450.
César iria largar tudo isto — carreira promissora na Urologia da
USP, trabalho no Sírio-Libanês, um dos mais prestigiados hospitais do
Brasil, consultas de R$ 450 no seu consultório e a clínica com o filho
do chefe — para participar do programa Mais Médicos, para atender pacientes do SUS?
O programa Mais Médicos, vale lembrar, pagará uma
bolsa de R$ 10 mil por mês, mas os médicos terão de cumprir 40 horas
semanais de trabalho. Supondo que Cesar tivesse escolhido ir para a
periferia da cidade de São Paulo, onde encontraria tempo para as suas
outras atividades?
O jornal não sabia disso? Não questionou o médico para saber se ele
se inscreveu apenas para desistir e atrapalhar a implantação do
programa, cujo objetivo é atender de graça nas periferias, através do
SUS, pacientes como os que ele atende cobrando em Heliópolis?
Independentemente das respostas do doutor Cesar, de uma coisa estamos certos: a leitora indignada tem razão.
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