Da Rede Brasil Atual
Mesmo na maior metrópole do país, a
carência de profissionais atrasa diagnósticos e tratamentos; atrair
especialistas para longe do centro é o maior desafio
por Sarah Fernandes e Julia Rabahie, da RBA publicado 17/07/2013 10:13, última modificação 17/07/2013 12:13
São Paulo – A distância, a
dificuldade de locomoção e a carência de médicos especialistas formados
criam um quadro problemático nas periferias de São Paulo: a população
mais pobre não consegue passar por consultas médicas e realizar exames
no período adequado, aguardando meses pelo atendimento. Nos rincões da
maior metrópole do país falta a porta de entrada no sistema público de
saúde: ginecologistas, psicólogos, psiquiatras, anestesistas e até
clínicos gerais. Nos cálculos da Secretaria Municipal de Saúde, o
déficit é de 2.680 médicos.
"Temos três vagas de clínico geral e
estamos sem nenhum. Dois estão de licença, um foi embora e não há
previsão de quando serão repostos. Eles são a base", lamenta o
funcionário de um complexo de saúde no extremo sul da capital paulista,
que preferiu não se identificar. Usuários reclamam que a falta de
clínico geral já dura um ano.
"Atendemos aqui 25 mil pessoas e
estamos tentando redirecionar para outras unidades. Temos pediatra,
psiquiatra, ginecologista e dentista. A demanda por psiquiatra é muito
grande, por isso atendemos todos os pacientes, mesmo que não sejam da
região."
A psiquiatria é uma das
especialidades prioritárias do Ministério da Saúde no programa Mais
Médicos, lançado este mês pelo governo federal. O Centro de Atenção
Psicossocial (Capes) Infantil Capela do Socorro, também na zona sul,
esperou 11 meses pelo especialista, que chegou à unidade na última
semana. "Tivemos dificuldade de conseguir médico, além da psiquiatria
infantil ser uma área bastante específica", afirma o supervisor do
Capes, Paulo Cesar da Silva.
A unidade tem três psicólogos, três
terapeutas ocupacionais, dois assistentes sociais, dois enfermeiros,
cinco auxiliares, um farmacêutico, um assistente de farmácia, dois
técnicos administrativos, dois agentes operacionais e um motorista. "Por
conta da equipe e do trabalho multidisciplinar não suspendemos os
atendimentos nem os acolhimentos. Manejamos a situação", relata.
Nos últimos dez anos, o Brasil
criou 147 mil vagas para médicos, 36,7% a mais do que os 93 mil formados
no período, o que totaliza uma carência de 54 mil profissionais,
segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged),
divulgados em maio. Para tentar dar conta do problema, o governo federal
lançou mão, neste mês, do Programa Mais Médicos, que prevê aumentar o
ciclo de formação dos cursos de Medicina para garantir dois anos de
atendimento obrigatório no Sistema Único de Saúde (SUS).
Os médicos que se integrarem ao
programa, sempre nas unidades de atenção básica, receberão uma bolsa de
R$ 10 mil, além de uma ajuda de custo que vai de três salários-extras
para áreas remotas da Amazônia a um salário-extra no caso da periferia
das grandes cidades. As vagas que não forem preenchidas por brasileiros
serão destinadas a médicos estrangeiros.
Em São Paulo, a prefeitura criou um
um grupo de trabalho com representantes das secretarias da Saúde,
Planejamento e Finanças "para debater um novo plano de carreira com o
objetivo de manter os profissionais na rede municipal e equalizar o
desequilíbrio salarial hoje existente quando se comparam os salários
pagos pela administração direta, pelas organizações sociais e pelo setor
privado. Também será aberto concurso público este ano para
preenchimento das vagas existentes". Só no Hospital Municipal Professor
Dr. Waldomiro de Paula, na zona leste, há um déficit de 120
profissionais.
As entidades que representam
médicos, como a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal
de Medicina (CFM), rechaçam a afirmação que faltam médicos para
trabalhar nas periferias e nas regiões isoladas do país. De acordo com
as organizações, a carência de profissionais nessas áreas deve-se à
falta de infraestrutura e, por isso, o Programa Mais Médicos não
revolverá efetivamente o problema.
Espera
O principal problema da falta de
médicos, segundo os usuários, é a demora no atendimento. “Meu marido
teve um 'derrame' em abril e ainda não fez os exames. Ele está com a voz
enrolada e fico com medo porque dizem que o segundo é mais forte”,
contou a diarista Andrea Rodrigues, que mora no bairro Cocaia, na zona
sul, enquanto aguardava para marcar uma consulta na Unidade Básica de
Saúde (UBS) Cocaia, pensando em prevenir que o marido sofra um novo
acidente vascular cerebral.
No mesmo local, a dona de casa
Cirlene dos Santos reclama que só conseguiu realizar cinco dos nove
exames pré-natais da gestação do seu terceiro filho, hoje com três anos.
“Depois do nascimento, ele deveria vir mensalmente para acompanhamento,
mas se consegui trazê-lo seis meses foi muito, porque não tinha médico.
Eles faltavam e éramos remarcados para o mês seguinte.”
A falta de médicos se repete também
na zona leste da capital paulista. No Hospital Santa Marcelina, em
Itaquera, faltam cirurgião geral, neurocirurgião, anestesista,
ginecologista, neonatologista, intensivista, reumatologista e “primeiro
lugar e há tempo: clínico”, como informou a assessoria de imprensa da
entidade, por e-mail. “A maior causa é salarial. Existe uma grande
competição com outras instituições, já que São Paulo não tem política
única, e por causa da distância.”
Ainda em Itaquera, faltam médicos
no Hospital e no centro de Assistência Médica Ambulatorial (AMA)
Planalto. Por isso, alguns atendimentos são oferecidos apenas algumas
vezes por semana. Para compensar, alguns médicos são convidados a fazer
horas extras em plantões, segundo a assessoria de imprensa da entidade.
“Não é todo dia que falta médico.
Quando acontece, é feito o remanejamento. Temos algumas referências,
como o Hospital Ermelino Matarazzo. Quando já se sabe que aqui em tal
dia não tem uma especialidade, os pacientes são encaminhados para essa
unidade”, informou a assessoria de imprensa. “A própria população é
ciente disso. A gente tenta fazer o possível, mas tem coisa que a gente
sabe que não vai ser 100%, devido à grande defasagem.”
A falta de médicos faz com que a
vendedora Maria Fabiana dos Santos Costa espere, desde outubro do ano
passado, por uma ressonância magnética nos joelhos, para acompanhar um
problema nos ligamentos. “Estou doente há quase três anos e só piora.
Fico em cima da cama sem poder andar”, conta. Antes disso, ela esperou
mais dois anos para conseguir a consulta com o ortopedista.
“Eu morava em Itaquera e conversei
com a assistente social do posto do Jardim Helian. Como eu não estava
conseguindo nem mais tomar banho sozinha, ela me passou na frente, pela
urgência. Mas o médico mal me atendeu e só falou que eu tinha de fazer a
ressonância para depois voltar”, conta.
"Eles falam que é muita gente e que
tem de aguardar. Há um mês eu liguei (no posto) e disseram que estavam
chamando quem tinha passado com o médico em junho do ano passado. Se eu
fui em outubro, vou passar quando?”, questiona. “Enquanto isso o caso só
piora, não ando mais e estou com depressão porque não posso nem sair da
cama sem ajuda.”
A falta de pediatras é um problema
para a dona de casa Maria Aparecida da Silva, que já por duas vezes
tentou levar a filha de quatro meses ao AMA Santa Marcelina, em
Itaquera, e não encontrou o especialista. "Disseram que era possível que
eu encontrasse lá para os lados do Belém”, lembra, referindo-se a outro
bairro da zona leste paulistana
“Tanto o Santa Marcelina quanto o
AMA do Hospital Planalto não atendem. Também já fui lá e não encontrei
pediatra”, conta. “Todo mundo que chegava voltava com as crianças,
porque eles já iam avisando, da porta mesmo, antes de a gente entrar,
que não tinha pediatra e que não tinha como atender.”
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