publicado em 27 de julho de 2013 às 19:48 - Viomundo
Só o UOL acha que ninguém notou o tratamento desigual dado a iguais (arte do tuiteiro Lux Rei)
N° Edição: 2280 | 26.Jul.13 – 20:40 | Atualizado em 27.Jul.13 – 18:59
Trens e Metrô superfaturados em 30%
Ao analisar documentos da Siemens, empresa integrante do cartel que
drenou recursos do Metrô e trens de São Paulo, o Cade e o MP concluíram
que os cofres paulistas foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões
Segundo integrantes do MP e do Cade, seis projetos de
trem e metrô investigados apresentaram sobrepreço de 30%
Na
última semana, ISTOÉ publicou documentos inéditos e trouxe à tona o
depoimento voluntário de um ex-funcionário da multinacional alemã
Siemens ao Ministério Público. Segundo as revelações, o
esquema montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São
Paulo para vencer e lucrar com licitações públicas durante os sucessivos
governos do PSDB nos últimos 20 anos contou com a participação de
autoridades e servidores públicos e abasteceu um propinoduto milionário
que desviou dinheiro das obras para políticos tucanos.
Toda a documentação, inclusive um relatório do que foi revelado pelo
ex-funcionário da empresa alemã, está em poder do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para quem a Siemens – ré
confessa por formação de cartel – vem denunciando desde maio de 2012 as
falcatruas no Metrô e nos trens paulistas, em troca de imunidade civil e
criminal para si e seus executivos. Até semana passada, porém, não se
sabia quão rentável era este cartel.
Ao se aprofundarem, nos últimos dias, na análise da papelada e
depoimentos colhidos até agora, integrantes do Cade e do Ministério
Público se surpreenderam com a quantidade de irregularidades encontradas
nos acordos firmados entre os governos tucanos de São Paulo e as
companhias encarregadas da manutenção e aquisição de trens e da
construção de linhas do Metrô e de trens.
Uma das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao
esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num
enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles
diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, os principais
beneficiários da tramoia.
Durante a apuração, ficou evidente que o desenlace dessa trama é
amargo para os contribuintes paulistas. A investigação revela que o
cartel superfaturou cada obra em 30%.
É o mesmo que dizer que os governantes tucanos jogaram nos trilhos R$
3 de cada R$ 10 desembolsado com o dinheiro arrecadado dos impostos.
Foram analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De
acordo com o MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente
nesses negócios chegaram a RS 425,1 milhões.
Os valores, dizem fontes ligadas à investigação ouvidas por ISTOÉ,
ainda devem se ampliar com o detalhamento de outros certames vencidos em
São Paulo pelas empresas integrantes do cartel nesses e em outros
projetos.
Entre os contratos em que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o
de fornecimento e instalação de sistemas para transporte sobre trilhos
da fase 1 da Linha 5 Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida
pelo consórcio Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã
Siemens juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a
espanhola CAF.
Os serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com
testemunhos oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato
rendeu uma comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal.
Isso significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina.
“A Alstom coordenou um grande acordo entre várias empresas,
possibilitando dessa forma um superfaturamento do projeto”, revelou um
funcionário da Siemens ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a
CAF, a Siemens, a TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o
maior lucro possível. As companhias que se associaram para a prática
criminosa são as principais detentoras da tecnologia dos serviços
contratados.
O responsável por estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a
serem praticados pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao
Suzuki, da Mitsui. Sua empresa, no entanto, não foi a principal
beneficiária do certame.
Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da
fase 1 da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a
ação do cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram
no caixa da propina.
Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a comissão combinada
com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do delator e
ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última edição.
Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a alemã
Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio
Teixeira.
Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada mostraram que
eles operam por meio de duas offshores localizadas no Uruguai, a Leraway
Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não deixar rastro do
suborno, ambos também se valem de contas em bancos na Suíça, de acordo a
investigação.
No contrato da Linha 2 do Metrô, o superfaturamento identificado até
agora causou um prejuízo estimado em R$ 67,5 milhões ao erário paulista.
As licitações investigadas foram vencidas pela dupla Alstom/Siemens e
pelo consórcio Metrosist, do qual a Alstom também fez parte. O contrato
executado previa a prestação de serviços de engenharia, o fornecimento, a
montagem e a instalação de sistemas destinados à extensão oeste da
Linha 2 Verde.
Orçado inicialmente em R$ 81,7 milhões, só esse contrato recebeu 13
reajustes desde que foi assinado, em outubro de 1997. As multinacionais
francesa e alemã ficaram responsáveis pelo projeto executivo para
fornecimento e implantação de sistemas para o trecho Ana Rosa/ Ipiranga.
A Asltom e a Siemens receberam pelo menos R$ 143,6 milhões para
executar esse serviço.
O sobrepreço de 30% foi estabelecido também em contratos celebrados
entre as empresas pertencentes ao cartel e à estatal paulista CPTM.
Entre eles, o firmado em 2002 para prestação de serviços de manutenção
preventiva e corretiva de dez trens da série 3000.
A Siemens ganhou o certame por um valor original de R$ 33,7 milhões.
Em seguida, o conglomerado alemão subcontratou a MGE Transportes para
serviços que nunca foram realizados. A MGE, na verdade, serviu de ponte
para que a Siemens pudesse efetuar o pagamento da propina de 5% acertada
com autoridades e dirigentes do Metrô e da CPTM.
O dinheiro da comissão – cerca de R$ 1,7 milhão só nessa negociata,
segundo os investigadores – mais uma vez tinha como destino final a alta
cúpula da estatal e políticos ligados ao PSDB. A propina seria
distribuída, segundo depoimento ao Cade ao qual ISTOÉ teve acesso, pelo
diretor da CPTM, Luiz Lavorente.
Além da MGE, a Siemens também recorreu à companhia japonesa Mitsui
para intermediar pagamentos de propina em outras transações. O que mais
uma vez demonstra o quão próxima eram as relações das empresas do cartel
que, na teoria, deveriam concorrer entre si pelos milionários contratos
públicos no setor de transportes sobre trilhos.
O resultado da parceria criminosa entre as gigantes do setor pareceu
claro em outros 12 contratos celebrados com a CPTM referentes às
manutenções dos trens das séries 2000 e 2100 e o Projeto Boa Viagem, que
já foram analisados pelo CADE.
Neles, foi contabilizado um sobrepreço de aproximadamente R$ 163
milhões.
Não é por acaso que as autoridades responsáveis por investigar
o caso referem-se ao esquema dos governos do PSDB em São Paulo como uma
“fabulosa história”.
O superfaturamento constatado nos contratos de serviços e oferta de
produtos às estatais paulistanas Metrô e a Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos [CPTM] supera até mesmo os índices médios calculados
internacionalmente durante a prática deste crime.
Cálculos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico –
OCDE, por exemplo, apontam que os cartéis ocasionam um prejuízo aos
cofres públicos de 10% a 20%. No caso destes 16 contratos, a combinação
de preços e direcionamentos realizados pelas companhias participantes da
prática criminosa levaram a um surpreendente rombo de 30% aos cofres
paulistas.
Diante das denúncias, na última semana o PT e outros partidos
oposicionistas em São Paulo passaram a se movimentar para tentar aprovar
a instalação de uma CPI.
“O governador Geraldo Alckmin diz querer que as denúncias do Metrô e
da CPTM sejam apuradas. Então, que oriente a sua bancada a protocolar o
pedido de CPI, pelo menos, desta vez”, propôs o líder do PT na
Assembleia paulista, Luiz Cláudio Marcolino.
“É flagrante que os contratos precisam ser revisados. Temos de ter
transparência com o dinheiro público independente de partido”, diz ele.
Caso a bancada estadual do PT não consiga aprovar o pedido, por ter
minoria, a sigla tentará abrir uma investigação na Câmara Federal.
“Não podemos deixar um assunto desta gravidade sem esclarecimentos.
Ainda mais quando se trato de acusações tão contundentes de desvios de
verbas públicas”, afirmou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP).
O que se sabe até agora já é suficiente para ensejar um inquérito.
Afinal, trata-se de um desvio milionário de uma das principais obras da
cidade mais populosa do País e onde se concentra o maior orçamento
nacional. Se investigada a fundo, a história do achaque de 30% aos
cofres públicos pode trazer ainda mais revelações fabulosas.
Queima de arquivo
Uma pasta amarela com cerca de 200 páginas guardada na 1ª Vara
Criminal do Fórum da cidade de Itu, interior paulista, expõe um lado
ainda mais sombrio das investigações que apuram o desvio milionário das
obras do metrô e trens metropolitanos durante governos do PSDB em São
Paulo nos últimos 20 anos.
Trata-se do processo judicial 9900.98.2012 que investiga um incêndio
criminoso que consumiu durante cinco horas 15.339 caixas de documentos e
3.001 tubos de desenhos técnicos.
A papelada fazia parte dos arquivos do metrô armazenados havia três
décadas. Entre os papeis que viraram cinzas estão contratos assinados
entre 1977 e 2011, laudos técnicos, processos de contratação, de
incidentes, propostas, empenhos, além de relatórios de acompanhamento de
contratos de 1968 até 2009. Sob segredo de Justiça, a investigação que
poderá ser reaberta pelo Ministério Público, diante das novas revelações
sobre o caso feitas por ISTOÉ, acrescenta novos ingredientes às já
contundentes denúncias feitas ao Cade pelos empresários da Siemens a
respeito do escândalo do metrô paulista.
Afinal, a ação dos bandidos pode ter acobertado a distribuição de
propina, superfaturamento das obras, serviços e a compra e manutenção de
equipamentos para o metrô paulista.
Segundo o processo, na madrugada do dia 9 de julho do ano passado,
nove homens encapuzados e armados invadiram o galpão da empresa PA
Arquivos Ltda, na cidade de Itu, distante 110 km da capital paulista,
renderam os dois vigias, roubaram 10 computadores usados, espalharam
gasolina pelo prédio de 5 mil m² e atearam fogo. Não sobrou nada.
Quatro meses depois de lavrado o boletim de ocorrência, nº 1435/2012,
a polícia paulista concluiu que o incêndio não passou de um crime
comum.
“As investigações não deram em nada”, admite a delegada de Policia
Civil Milena, que insistiu em se identificar apenas pelo primeiro nome.
“Os homens estavam encapuzados e não foram identificados”, diz a
policial.
Investigado basicamente como sumiço de papéis velhos, o incêndio
agora ganha ares de queima de arquivo. O incidente ocorreu 50 dias
depois de entrar em vigor a Lei do Acesso à Informação, que obriga os
órgãos públicos a fornecerem cópias a quem solicitar de qualquer
documento que não seja coberto por sigilo legal, e quatro meses depois
de começarem as negociações entre o Cade e a Siemens para a assinatura
do acordo de leniência, que vem denunciando as falcatruas no metrô e
trens paulistas.
“Não podemos descartar que a intenção desse crime era esconder provas
da corrupção”, entende o deputado Luiz Cláudio Marcolino, líder do PT
na Assembleia Legislativa do Estado.
Além das circunstâncias mais do que suspeitas do incêndio, documentos
oficiais do governo, elaborados pela gerência de Auditoria e Segurança
da Informação (GAD), nº 360, em 19 de setembro passado, deixam claro que
o galpão para onde foi levado todo o arquivo do metrô não tinha as
mínimas condições para a guarda do material.
Cravado em plena zona rural de Itu, entre uma criação de coelhos e um
pasto com cocheiras de gado, o galpão onde estavam armazenados os
documentos não tinha qualquer segurança.
Poderia ser facilmente acessado pelas laterais e fundos da
construção.
De acordo com os documentos aos quais ISTOÉ teve acesso, o
governo estadual sabia exatamente da precariedade da construção quando
transferiu os arquivos para o local.
O relatório de auditoria afirma que em 20 de abril de 2012 —
portanto, três dias depois da assinatura do contrato entre a PA Arquivos
e o governo de Geraldo Alckmin — o galpão permanecia em obras e “a
empresa não estava preparada para receber as caixas do Metrô”.
A comunicação interna do governo diz mais. Segundo o laudo técnico do
GAD, “a empresa não possuía instalações adequadas para garantir a
preservação do acervo documental”. Não havia sequer a climatização do
ambiente, item fundamental para serviços deste tipo.
O prédio foi incendiado poucos dias depois da migração do material
para o espaço. “Não quero falar sobre esse crime”, disse um dos
proprietários da empresa, na época do incêndio, Carlos Ulderico Botelho.
“Briguei com o meu sócio, sai da sociedade e tomei muito prejuízo.
Esse incêndio foi estranho. Por isso, prefiro ficar em silêncio”. Outra
excentricidade do crime é que o fato só foi confirmado oficialmente pelo
governo seis meses depois do ocorrido.
Em 16 páginas do Diário do Diário Oficial, falou-se em “sumiço” da
papelada. Logo depois da divulgação do sinistro, o deputado estadual do
PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo,
representou contra o Governo do Estado no Ministério Público Estadual.
“Acredita-se que os bandidos tenham provocado o incêndio devido o
lugar abrigar vários documentos”. Para o parlamentar, “esse fato sairia
da hipótese de crime de roubo com o agravante de causar incêndio, para
outro crime, de deliberada destruição de documentos públicos”, disse
Simão, em dezembro passado.
Procurados por ISTOÉ, dirigentes do Metrô de SP não quiseram se posicionar.
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