Mídia brasileira distorce artigo de Lula publicado no New York Times
17/07/2013 - CUT
Leia aqui o texto original, em português, do ex-presidente, que tem uma coluna mensal no maior jornal dos EUA. Sob o título Novas Vozes no Brasil, o texto analisa as recentes manifestações no país
Escrito por:
Novas vozes no Brasil
Por Luiz Inácio Lula da Silva
A juventude, conectada nas redes sociais e com os dedos
ágeis em seus celulares, tem saído às ruas para protestar em diversas
regiões do mundo.
Parecia mais fácil explicar as razões de tais protestos quando eles
aconteciam em países sem democracia, como o Egito e a Tunísia em 2011,
ou onde a crise econômica levou o desemprego juvenil a níveis
assustadores, como na Espanha e na Grécia, por exemplo. Mas a chegada
dessa onda a países com governos democráticos e populares, como o
Brasil, quando temos as menores taxas de desemprego da nossa história e
uma inédita expansão dos direitos econômicos e sociais, exige de todos
nós, líderes políticos, uma reflexão mais profunda.
Muitos acham que esses movimentos significam a negação da política. Eu
acho que é justamente o contrario: eles indicam a necessidade de se
ampliar ainda mais a democracia e a participação cidadã. De renovar a
política, aproximando-a das pessoas e de suas aspirações cotidianas.
Eu só posso falar com mais propriedade sobre o Brasil. Há uma ávida
nova geração em meu país, e eu creio que os movimentos recentes são, em
larga medida, resultado das conquistas sociais, econômicas e políticas
obtidas nos últimos anos. O Brasil conseguiu na última década mais que
dobrar o número de estudantes universitários, muitos deles vindos de
famílias pobres. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. São
grandes feitos, mas é também absolutamente natural que os jovens,
especialmente aqueles que estão obtendo o que seus pais nunca tiveram,
desejem mais.
Estes jovens tinham 8, 10,12 anos quando o partido que eu
ajudei a criar, o PT, junto com seus aliados, chegou ao poder. Não
viveram a repressão da ditadura nos anos 60 e 70. Não viveram a inflação
dos anos 80, quando a primeira coisa que fazíamos ao receber um salário
era correr para um supermercado e comprar tudo o que fosse possível
antes que os preços subissem no dia seguinte. Também tem poucas
lembranças dos anos 90, quando a estagnação e o desemprego deprimiam o
nosso país. Eles querem mais. E é compreensível que seja assim. Tiveram
acesso ao ensino superior, e agora querem empregos qualificados, onde
possam aplicar o que aprenderam nas universidades. Passaram a contar com
serviços públicos de que antes não dispunham, e agora querem melhorar a
sua qualidade. Milhões de brasileiros, inclusive das classes populares,
puderam comprar o seu primeiro carro e hoje também viajam de avião. A
contrapartida, no entanto, deve ser um transporte público eficiente e
digno, que facilite a mobilidade urbana, tornando menos penosa e
estressante a vida nas grandes cidades.
Os anseios dos jovens, por outro lado, não são apenas materiais. Também
querem maior acesso ao lazer e à cultura. E, sobretudo, reclamam
instituições politicas mais transparentes e limpas, sem as distorções do
anacrônico sistema partidário e eleitoral brasileiro, que até hoje não
se conseguiu reformar. É impossível negar a legitimidade de tais
demandas, mesmo que não seja viável atendê-las todas de imediato. É
preciso encontrar fontes de financiamento, estabelecer metas e planejar
como elas serão gradativamente alcançadas.
A democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em
movimento, discutindo e definindo suas prioridades e desafios, almejando
sempre novas conquistas. E a minha fé é que somente na democracia, com
muito dialogo e construção coletiva, esses objetivos podem ser
alcançados. Só na democracia um índio poderia ser eleito Presidente da
Bolívia, e um negro Presidente dos Estados Unidos. Só na democracia um
operário e uma mulher poderiam tornar-se Presidentes do Brasil.
A história mostra que, sempre que se negou a política e os
partidos, e se buscou uma solução de força, os resultados foram
desastrosos: guerras, ditaduras e perseguições de minorias. Todos
sabemos que, sem partidos, não pode haver verdadeira democracia. Mas
cada vez fica mais evidente que as nossas populações não querem apenas
votar de quatro em quatro anos, delegando o seu destino aos governantes.
Querem interagir no dia a dia com os governos, tanto locais quanto
nacionais, participando da definição das políticas públicas, opinando
sobre as principais decisões que lhes dizem respeito.
Em suma: não querem apenas votar, querem ser ouvidas. E isso constitui
um tremendo desafio para os partidos e os lideres políticos. Supõe
ampliar as formas de escuta e de consulta, e os partidos precisam
dialogar permanentemente com a sociedade, nas redes e nas ruas, nos
locais de trabalho e de estudo, reforçando a sua interlocução com as
organizações dos trabalhadores, as entidades civis, os intelectuais e os
dirigentes comunitários, mas também com os setores ditos
desorganizados, que nem por isso tem carências e desejos menos
respeitáveis.
E não só em períodos eleitorais. Já se disse, e com razão, que a
sociedade entrou na era digital e a política permaneceu analógica. Se as
instituições democráticas souberem utilizar criativamente as novas
tecnologias de comunicação, como instrumentos de dialogo e participação,
e não de mera propaganda, poderão oxigenar – e muito – o seu
funcionamento, sintonizando-se de modo mais efetivo com a juventude e
todos os setores sociais.
No caso do PT, que tanto contribuiu para modernizar e democratizar a
política brasileira e que há dez anos governa o meu país, estou
convencido de que ele também precisa renovar-se profundamente,
recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais. Dando
respostas novas a problemas novos. E sem tratar os jovens com
paternalismo.
A boa noticia é que os jovens não são conformistas,
apáticos, indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que hoje acham que
odeiam a política, estão começando a fazer política muito antes do que
eu comecei. Na idade deles, não imaginava tornar-me um militante
político. E acabamos criando um partido, quando descobrimos que no
Congresso Nacional praticamente não havia representantes dos
trabalhadores. Inicialmente não pensava em me candidatar a nada. E
terminei sendo Presidente da República. Conseguimos, pela política,
reconquistar a democracia, consolidar a estabilidade econômica, retomar o
crescimento, criar milhões de novos empregos e reduzir a desigualdade
no meu país. Mas claro que ainda há muito a ser feito. E que bom que os
jovens queiram lutar para que a mudança social continue e num ritmo mais
intenso.
Outra boa notícia é que a Presidente Dilma Rousseff soube
ouvir a voz das ruas e deu respostas corajosas e inovadoras aos seus
anseios. Propôs, antes de mais nada, a convocação de um plebiscito
popular para fazer a tão necessária reforma política. E lançou um pacto
nacional pela educação, a saúde e o transporte público, no qual o
governo federal dará grande apoio financeiro e técnico aos estados e
municípios.
Quando falo com a juventude brasileira e de outros países,
costumo dizer a cada jovem: mesmo quando você estiver irritado com a
situação da sua cidade, do seu estado, do seu país, desanimado de tudo e
de todos, não negue a política. Ao contrário, participe! Porque o
político que você deseja, se não estiver nos outros, pode estar dentro
de você.
Artigo publicado no New York Times de terça-feira (16.07)
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