Em entrevista a CartaCapital, o
ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defende o programa Mais Médicos,
lançado pelo governo federal para sanar a falta de profissionais.
“Todos passarão por uma avaliação
pelas universidades públicas, mas não ganharão o direito pleno de
exercer a medicina no País, para não disputar o mercado de trabalho com
médicos brasileiros”, afirma. Confira, abaixo, os principais trechos da
conversa.
CartaCapital: O maior problema é a falta de médicos ou a má distribuição deles? Adianta recrutar estrangeiros?
Alexandre Padilha: Um primeiro problema é a infraestrutura e a
manutenção dos serviços. O Ministério da Saúde está investindo 13
bilhões de reais em mais de 16 mil unidades básicas de saúde, quase 900
unidades de pronto-atendimento e mais de 800 hospitais. Outro problema
crítico: Precisamos de mais médicos e mais perto da população. Isso
exige enfrentamento imediato.
Quando você cria vagas de medicina, essa
formação demora de 6 a 10 anos. E é preciso distribuir estimular a
distribuição dos médicos. Para que os profissionais tenham mais
segurança, o ministério pagará a renumeração, vai garantir o salário,
isso não ficará a cargo das prefeituras ou dos estados. Haverá
acompanhamento das universidades. E, caso as vagas não sejam preenchidas
por brasileiros, o ministério vai fazer como outros países: atrair
médicos estrangeiros para trabalhar exclusivamente na periferia das
grandes cidades e nos municípios do interior.
CC: EUA e Inglaterra têm um porcentual maior de médicos estrangeiros. Mas eles exigem a revalidação do diploma, não?
AP: Tais países têm duas formas de atração do médico estrangeiro. Uma
por meio da revalidação do diploma. Só que quando se faz isso, esse
profissional pode atuar em qualquer lugar e disputar mercado de trabalho
com o médico brasileiro. Queremos um programa que não leve a perda de
emprego de nenhum médico brasileiro. A ideia é trazer estrangeiros para
atender nos municípios do interior, na periferia, nas vagas não
preenchidas por médicos brasileiros. Esses países também têm mecanismos
de atração de médicos dando autorização exclusiva para trabalhar em
algumas regiões após uma avaliação.
CC: Quem adota?
AP: Portugal, que tem 4 médicos por mil habitantes, tem um programa
de atração de médicos cubanos, hondurenhos e costa-riquenhos para
atender nas regiões rurais. Dezessete por cento dos médicos que atuam no
Canadá são estrangeiros, e em algumas províncias o número é de 60%. Lá
se atrai o médico sem a validação do diploma. Aqui se dará o mesmo.
Todos passarão por uma avaliação pelas universidades públicas, mas não
ganham o direito pleno de exercer a medicina no País.
CC: As entidades médicas acusam o governo de instituir uma forma de
trabalho civil compulsório com esses dois anos a mais de formação,
dedicados à prestação de serviços no SUS.
AP: Esse debate vem sendo feito no governo desde 2011, inspirado pelo
professor Adib Jatene. Mas uma coisa tem que ficar claro: não tem
paralelo com serviço social obrigatório, quando o Estado pega
profissionais e leva para regiões distantes do seu local de formação,
para que ele trabalhe e devolva à população o serviço que fez. Há um
debate sobre isso no Congresso. Teremos um treinamento em serviço por
dois anos como parte da formação, exclusivamente na atenção básica e na
urgência e emergência. O estudante vai ficar ligado à instituição onde
ele cursa medicina. Inclusive na região que essa faculdade acompanha.
Haverá, por exemplo, estágios no SAMU. Porque muitos estudantes se
formam sem nunca ter entrado num SAMU, sem nunca ter entrado numa
unidade de urgência e emergência. É como se fosse a residência médica
hoje.
CC: É uma resposta à especialização médica precoce?
AP: Também. Não queremos médicos que olhem o paciente em pedaços.
Queremos um médico que olhe o paciente como um todo. Às vezes, o
estudante de medicina só tem contato com o paciente dentro do hospital
de altíssima complexidade. Não conhece aquele paciente onde ele vive.
Não tem a experiência. Imagine como vai ser bom para um médico, para a
nossa população, se ele tiver a experiência de acompanhar por dois anos
uma pessoa hipertensa, os nove meses toda gestação de uma mulher. Uma
atenção básica bem feita resolve 80% dos problemas de saúde. Nós
precisamos mudar a mentalidade do SUS para termos um sistema menos
doente.
CC: Parece justo exigir que o estudante de uma universidade pública
preste serviços ao SUS, até pelo investimento que o Estado fez na sua
formação. Mas a medida também vale para alunos de instituições
particulares. Não seria mais conveniente criar uma forma baseada no
incentivo e não na obrigatoriedade, por exemplo, com bônus na disputa
para residência médica?
AP: Esse treinamento é justo com a população. E o profissional será
remunerado. Não pagará mensalidade se estiver em uma faculdade
particular. Será supervisionado por preceptores e supervisores da
instituição em que se formou. E esses preceptores serão remunerados pelo
Ministério da Saúde também. Estamos falando de formar um médico. Todo
mundo defende residência médica. O que nós estamos propondo com o
treinamento em serviços? É que ele faça os dois anos não para adquirir
uma superespecialidade. Antes de se tornar um especialista, ele será
treinado em serviço para ver o paciente como um todo.
CC: Esse é o grande nó da saúde hoje? Muitos especialistas insistem
que o problema continua sendo o subfinanciamento do SUS. O Brasil
universalizou o acesso à saúde há 25 anos, mas parece ainda não ter
resolvido o problema do custeio.
AP: Temos quatro grandes desafios para a saúde no País. Um, muito
importante, é o financiamento. Aumentamos quatro vezes os recursos per
capita nos últimos 10 anos na saúde, mas ainda estamos muito atrás de
outros países. Precisamos discutir com a sociedade, com o Congresso,
como garantir um financiamento crescente para a saúde. Dois: temos
problemas graves de gestão. Precisamos aprimorar, combater o
desperdício. Recentemente divulgamos um relatório no qual identificamos
graves irregularidades e crimes.
Em Campo Grande, por exemplo, havia desvio de recursos públicos na
compra de medicamentos para tratar o câncer. Então precisamos aprimorar
muito a gestão. Terceiro: não se cumpre o objetivo ousado que o Brasil
tem de possuir um sistema de saúde único, público, universal e gratuito
sem construir no nosso País uma forte base de produção em inovação
tecnológica, produção de medicamentos. Exemplo: a introdução da vacina
contra o HPV. Isso só foi possível porque conseguimos a transferência de
tecnologia de um laboratório internacional para um laboratório público
nacional [o Instituto Butantã]. Vamos colocar para a população de graça,
uma vacina que custa cerca de mil reais nas clínicas privadas hoje. E
outro desafio é termos profissionais com formação humanizada em
quantidade suficiente, bem distribuídos pelo País, para dar conta do
SUS.
CC: Inicialmente, o governo defendia a destinação de 100% dos
royalties do petróleo para a educação. Agora, admite reservar 25% para a
saúde? É justo? É o suficiente?
AP: Foi um passo importante, precisamos de mais recursos para a
saúde. Vamos continuar discutindo. Primeiro, como investir melhor os
recursos que temos, como fazer mais com o que há disponível. Mas
precisamos de mais recursos. Sabemos que nós temos um longo caminho
ainda para garantir um financiamento sustentável para os desafios que
temos na saúde pública.
CC: O senhor é apontado como pré-candidato do PT ao governo de São
Paulo. O programa Mais Médicos gerou forte repercussão nas últimas
semanas. Nesse momento, este debate mais contribui ou atrapalha para
esse projeto de 2014?
AP: Quem estiver pensando em 2014 agora está fora da casinha. Não
está compreendendo a importância de melhorar os serviços públicos no
País. É nisso que eu estou concentrado, estou muito animado por estar no
Ministério da Saúde. Esse tema da formação médica, de como o País
planejar melhor o número de médicos, aonde formar esses médicos, a
formação desses médicos é um tema que me apaixona há mais de 20 anos.
Desde quando se criou a primeira comissão nacional de avaliação do
ensino médico. O Brasil está vivendo um momento histórico, de muito
debate, e isso é bom. Debate democrático, com diálogo respeitoso. E a
proposta que encaminhamos ao Congresso está pautada única e
exclusivamente pelas necessidades de saúde da população.
De: Carta Capital
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