Déficit de médicos castiga moradores da periferia de São Paulo. Mesmo na
maior metrópole do país, a carência de profissionais atrasa
diagnósticos e tratamentos; atrair especialistas para longe do centro é o
maior desafio
Faltam 3 mil médicos na periferia de São Paulo
Postado em: 18 jul 2013 às 1:23
Sarah Fernandes e Julia Rabahie,
A distância, a dificuldade de locomoção e a carência de médicos
especialistas formados criam um quadro problemático nas periferias de
São Paulo: a população mais pobre não consegue passar por consultas
médicas e realizar exames no período adequado, aguardando meses pelo
atendimento. Nos rincões da maior metrópole do país falta a porta de
entrada no sistema público de saúde: ginecologistas, psicólogos,
psiquiatras, anestesistas e até clínicos gerais. Nos cálculos da
Secretaria Municipal de Saúde, o déficit é de 2.680 médicos.
“Temos três vagas de clínico geral e estamos sem nenhum. Dois estão
de licença, um foi embora e não há previsão de quando serão repostos.
Eles são a base”, lamenta o funcionário de um complexo de saúde no
extremo sul da capital paulista, que preferiu não se identificar.
Usuários reclamam que a falta de clínico geral já dura um ano.
“Atendemos aqui 25 mil pessoas e estamos tentando redirecionar para
outras unidades. Temos pediatra, psiquiatra, ginecologista e dentista. A
demanda por psiquiatra é muito grande, por isso atendemos todos os
pacientes, mesmo que não sejam da região.”
A psiquiatria é uma das especialidades prioritárias do Ministério da
Saúde no programa Mais Médicos, lançado este mês pelo governo federal. O
Centro de Atenção Psicossocial (Capes) Infantil Capela do Socorro,
também na zona sul, esperou 11 meses pelo especialista, que chegou à
unidade na última semana. “Tivemos dificuldade de conseguir médico, além
da psiquiatria infantil ser uma área bastante específica”, afirma o
supervisor do Capes, Paulo Cesar da Silva.
A unidade tem três psicólogos, três terapeutas ocupacionais, dois
assistentes sociais, dois enfermeiros, cinco auxiliares, um
farmacêutico, um assistente de farmácia, dois técnicos administrativos,
dois agentes operacionais e um motorista. “Por conta da equipe e do
trabalho multidisciplinar não suspendemos os atendimentos nem os
acolhimentos. Manejamos a situação”, relata.
Nos últimos dez anos, o Brasil criou 147 mil vagas para médicos,
36,7% a mais do que os 93 mil formados no período, o que totaliza uma
carência de 54 mil profissionais, segundo dados do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), divulgados em maio. Para tentar dar
conta do problema, o governo federal lançou mão, neste mês, do Programa
Mais Médicos, que prevê aumentar o ciclo de formação dos cursos de
Medicina para garantir dois anos de atendimento obrigatório no Sistema
Único de Saúde (SUS).
Os médicos que se integrarem ao programa, sempre nas unidades de
atenção básica, receberão uma bolsa de R$ 10 mil, além de uma ajuda de
custo que vai de três salários-extras para áreas remotas da Amazônia a
um salário-extra no caso da periferia das grandes cidades. As vagas que
não forem preenchidas por brasileiros serão destinadas a médicos
estrangeiros.
Em São Paulo, a prefeitura criou um um grupo de trabalho com
representantes das secretarias da Saúde, Planejamento e Finanças “para
debater um novo plano de carreira com o objetivo de manter os
profissionais na rede municipal e equalizar o desequilíbrio salarial
hoje existente quando se comparam os salários pagos pela administração
direta, pelas organizações sociais e pelo setor privado. Também será
aberto concurso público este ano para preenchimento das vagas
existentes”. Só no Hospital Municipal Professor Dr. Waldomiro de Paula,
na zona leste, há um déficit de 120 profissionais.
As entidades que representam médicos, como a Associação Médica
Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), rechaçam a
afirmação que faltam médicos para trabalhar nas periferias e nas regiões
isoladas do país. De acordo com as organizações, a carência de
profissionais nessas áreas deve-se à falta de infraestrutura e, por
isso, o Programa Mais Médicos não revolverá efetivamente o problema.
ESPERA
O principal problema da falta de médicos, segundo os usuários, é a
demora no atendimento. “Meu marido teve um ‘derrame’ em abril e ainda
não fez os exames. Ele está com a voz enrolada e fico com medo porque
dizem que o segundo é mais forte”, contou a diarista Andrea Rodrigues,
que mora no bairro Cocaia, na zona sul, enquanto aguardava para marcar
uma consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS) Cocaia, pensando em
prevenir que o marido sofra um novo acidente vascular cerebral.
No mesmo local, a dona de casa Cirlene dos Santos reclama que só
conseguiu realizar cinco dos nove exames pré-natais da gestação do seu
terceiro filho, hoje com três anos. “Depois do nascimento, ele deveria
vir mensalmente para acompanhamento, mas se consegui trazê-lo seis meses
foi muito, porque não tinha médico. Eles faltavam e éramos remarcados
para o mês seguinte.”
A falta de médicos se repete também na zona leste da capital
paulista. No Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, faltam cirurgião
geral, neurocirurgião, anestesista, ginecologista, neonatologista,
intensivista, reumatologista e “primeiro lugar e há tempo: clínico”,
como informou a assessoria de imprensa da entidade, por e-mail. “A maior
causa é salarial. Existe uma grande competição com outras instituições,
já que São Paulo não tem política única, e por causa da distância.”
Ainda em Itaquera, faltam médicos no Hospital e no centro de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Planalto. Por isso, alguns atendimentos são oferecidos apenas algumas vezes por semana. Para compensar, alguns médicos são convidados a fazer horas extras em plantões, segundo a assessoria de imprensa da entidade.
Ainda em Itaquera, faltam médicos no Hospital e no centro de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Planalto. Por isso, alguns atendimentos são oferecidos apenas algumas vezes por semana. Para compensar, alguns médicos são convidados a fazer horas extras em plantões, segundo a assessoria de imprensa da entidade.
“Não é todo dia que falta médico. Quando acontece, é feito o
remanejamento. Temos algumas referências, como o Hospital Ermelino
Matarazzo. Quando já se sabe que aqui em tal dia não tem uma
especialidade, os pacientes são encaminhados para essa unidade”,
informou a assessoria de imprensa. “A própria população é ciente disso. A
gente tenta fazer o possível, mas tem coisa que a gente sabe que não
vai ser 100%, devido à grande defasagem.”
A falta de médicos faz com que a vendedora Maria Fabiana dos Santos
Costa espere, desde outubro do ano passado, por uma ressonância
magnética nos joelhos, para acompanhar um problema nos ligamentos.
“Estou doente há quase três anos e só piora. Fico em cima da cama sem
poder andar”, conta. Antes disso, ela esperou mais dois anos para
conseguir a consulta com o ortopedista.
“Eu morava em Itaquera e conversei com a assistente social do posto
do Jardim Helian. Como eu não estava conseguindo nem mais tomar banho
sozinha, ela me passou na frente, pela urgência. Mas o médico mal me
atendeu e só falou que eu tinha de fazer a ressonância para depois
voltar”, conta.
“Eles falam que é muita gente e que tem de aguardar. Há um mês eu
liguei (no posto) e disseram que estavam chamando quem tinha passado com
o médico em junho do ano passado. Se eu fui em outubro, vou passar
quando?”, questiona. “Enquanto isso o caso só piora, não ando mais e
estou com depressão porque não posso nem sair da cama sem ajuda.”
A falta de pediatras é um problema para a dona de casa Maria
Aparecida da Silva, que já por duas vezes tentou levar a filha de quatro
meses ao AMA Santa Marcelina, em Itaquera, e não encontrou o
especialista. “Disseram que era possível que eu encontrasse lá para os
lados do Belém”, lembra, referindo-se a outro bairro da zona leste
paulistana
“Tanto o Santa Marcelina quanto o AMA do Hospital Planalto não
atendem. Também já fui lá e não encontrei pediatra”, conta. “Todo mundo
que chegava voltava com as crianças, porque eles já iam avisando, da
porta mesmo, antes de a gente entrar, que não tinha pediatra e que não
tinha como atender.”
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