Os governos tucanos de Mario Covas, Geraldo Alckmin e José Serra nada fizeram para conter o esquema de corrupção
O esquema que saiu dos trilhos
Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos
trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São
Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de
empresas de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas, em ISTOÉ, sugestão dos leitores H.92 e Mariano
Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um
milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos
do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos
trens metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e
seus executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se
articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações
públicas na área de transporte sobre trilhos.
Para vencerem concorrências, com preços superfaturados, para
manutenção, aquisição de trens, construção de linhas férreas e metrôs
durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da
multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e
corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores
públicos de alto escalão.
O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições
pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já
era alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma
providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse.
Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeiras investigações,
tanto na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a
vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São
Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a
personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que
compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia –
em contrapartida a contratos obtidos.
Somente o MP de São Paulo abriu 15 inquéritos sobre o tema. Agora,
diante deste novo fato, é possível detalhar como age esta rede criminosa
com conexões em paraísos fiscais e que teria drenado, pelo menos, US$
50 milhões do erário paulista para abastecer o propinoduto tucano,
segundo as investigações concluídas na Europa.
As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são
contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no
Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ
teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que
prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como
funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece
os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar
uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os
serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que
aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando
a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da
série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos).
À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ,
a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse
total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por
representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da
CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os
saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o
Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem
subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.
“A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de
propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a
propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério
Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha.
Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o
diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no
mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o
pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli,
respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz
Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni,
ex-gerente de manutenção do metrô paulista.
Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez
anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de
reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O
encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às
autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram
repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos
aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE
Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo
relato do funcionário da Siemens.
Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli,
Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega
a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as
investigações.
Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte
para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina
durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações
internacionais.
Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e
servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e
jurídicas em paraísos fiscais.
Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do
ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur
Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint
E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e
Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a
propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das
integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para
implementação da linha G da CPTM.
O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho.
“A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um
contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento
da comissão”, afirma o delator.
As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina
eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam
participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF,
Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki,
guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços
a serem praticados por empresa na licitação.
Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio de
dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior.
Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e
bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por
suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática
de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre
eles, o Brasil.
Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos
promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado (TCE), nomeado pelo então governador tucano Mário Covas.
No período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho
trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca
na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José
dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994
e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997.
Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles
identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido
abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão
depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele
não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que
estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” –
por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em
negociatas que beneficiaram a Alstom.
Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade
está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a
canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se
durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos
na área de transporte sobre trilhos.
Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da
Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos
trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo.
Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para
reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de
concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão
de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e
serviços complementares.
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e
condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação
também superfaturada.
Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o
certame previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha
era a desfaçatez dos negócios que os acordos por diversas vezes foram
celebrados em reuniões nos escritórios das empresas e referendados por
correspondência eletrônica.
No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e
apreensão nas sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada
da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas cidades em
São Paulo e Brasília.
Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas
coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de
leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção
caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e
criminal integral é assegurada quando um participante do esquema
denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações.
Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a
até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem
sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de
preços em licitações.
Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo,
duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e
Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões.
“Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos
denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de
improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o
deputado estadual do PT João Paulo Rillo.
Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos
governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do
País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das
empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de
depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo
menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração
profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São
Paulo.
No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que
espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido
desviado dos cofres públicos.
Extraído do Viomundo
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