A crise na campanha de Serra e a possibilidade de vitória de Dilma no primeiro turno provoca uma reviravolta política e transtorna as cabeças pensantes ligadas ao PSDB.
Por José Reinaldo Carvalho
Deve ser duro ser tucano nos dias que correm, inclusive quando é cientista político e professor. Um a um todos os planos do PSDB e seus adeptos estão a esvair-se vão transformando-se em pó e cinza. As desmedidas ambições de poder que acalentaram antes da campanha e ainda no início desta sofrem sucessivas adaptações. Do plano de recuperar o governo central perdido em 2002 com a primeira eleição de Lula, os tucanos discutem agora planos menores, com o que resta do antigo PFL, a direita mais reacionária, e do PPS, agremiação também em destroços, de linha política oportunista, mas com um sentido claro de caudatária do neoliberalismo e do neoconservadorismo. Querem salvar determinados redutos, confusamente falam em vencer em Goiás, São Paulo, Paraná e Minas Gerais, mas o sinal amarelo foi aceso com a pesquisa Datafolha que acaba de ser publicada, dando conta de que Dilma adentra em redutos antes considerados inexpugnáveis pelo tucanato e já virou o jogo em São Paulo. Previsões são sempre arriscadas, mas não restam dúvidas de que com a vantagem que a candidata da coligação Para o Brasil Seguir Mudando abre por toda a parte, é de supor que os candidatos tucanos de Minas e São Paulo vão enfrentar duros embates eleitorais. Muito embora as dificuldades de uma campanha para destronar uma corrente política no poder há quase 30 anos, se se toma como marco inicial a eleição de Franco Montoro em 1982, as chances de levar o embate entre Mercadante e Alckmin para o segundo turno começam a parecer reais. Pesa enormemente a favor do candidato petista a participação maciça do presidente Lula na campanha, do que se beneficiam também os candidatos ao Senado, Netinho de Paula (PCdoB) e Marta Suplicy (PT). Outra frente de adaptação da campanha tucana refere-se à batalha por cadeiras na Câmara dos Deputados e no Senado. Contas começam a ser refeitas e estratégias são reelaboradas num quadro de salve-se quem puder. Setores inteiros do PSDB pernambucano migram da candidatura de Jarbas Vasconcelos, seu aliado de primeira hora, para a do governador Eduardo Campos, do PSB, um dos esteios da candidatura de Dilma no Nordeste, com reeleição garantida. No Amazonas, em desesperada corrida para evitar a derrota perante a candidata comunista Vanessa Grazziotin, do PCdoB, o senador peessedebista Arthur Virgílio Neto, que num dos seus histriônicos arroubos declarara que ia dar uma “surra no Lula”, esconde o nome de Serra de sua campanha. Tudo isso para não falar do evidente corpo mole dos governadores Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), empenhados apenas em salvar os seus projetos pessoais e disputar depois a condução de “líder” da oposição a Dilma. O eleitor brasileiro parece já estar acostumado a esses vaivéns e compreende bem o “nó” que atou a campanha tucana. O curioso e inusitado são os “nós” nas cabeças pensantes de setores da academia brasileira ligados ao tucanato. Chegam a ser hilárias as explicações que alguns doutos senhores, cientistas políticos de escol, com diplomas de pós-graduação em universidades estrangeiras e titulares de cátedras de ciência política em nossas melhores universidades, tentam encontrar, em exercício de malabarismo mental, para o fenômeno que se acha em curso na formação da consciência política do povo brasileiro. Resistentes a concordar com que o Brasil mudou nos últimos 8 anos, alcançando importantes conquistas nos planos político, econômico, social e da política exterior, esses professores encontram explicação para a tendência do eleitorado de votar pela continuidade do governo Lula na “sensação de bem-estar” do povo. Fez lembrar um ex-governador tucano, que diante do aumento vertiginoso da criminalidade no Pará durante a sua gestão, dizia que havia uma “sensação de insegurança”. O professor falava da “sensação de bem-estar” do povo, durante uma entrevista radiofônica, seguida por um boletim meteorológico que avisava sobre a distância entre a temperatura e a sensação térmica. O ouvinte deve ter ficado um pouco transtornado entre saber se o povo estava vivendo melhor ou apenas se sentindo melhor e sobre que roupa pôr diante do hiato entre a temperatura real e a sensação térmica. Trivialidades à parte, o que se observa é que a onda avassaladora da campanha de Dilma, que ameaça esfarelar os planos da oposição conservadora e neoliberal, está levando um setor da ciência (!) política brasileira a retroceder três séculos e buscar inspiração no Bispo anglicano Berkeley, idealista subjetivo e empirista, talentoso escritor e filósofo do século 18. Ele não aceitava que as ideias representam alguma coisa diferente delas próprias. Berkeley achava que só existiam ideias e sensações. Ele não aceitava o fato tão natural de que as ideias e as sensações são representações da realidade. Assim, os nossos cientistas políticos tucanos estão tendo uma recaída ao idealismo subjetivo, retrocedendo três séculos, para encontrar explicações plausíveis aos fenômenos em curso na vida política brasileira, uma realidade que se impõe e que não querem aceitar nem aturar.
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