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domingo, 15 de junho de 2025

🌵 Crise Civilizacional, Infâncias Feridas e os Ecos do Semiárido: entre Violências e Esperanças


Por Luis Moreira de Oliveira Filho – Blog Olhos do Sertão

“A crise que vivemos não é apenas ecológica, mas de sentidos. Uma crise civilizacional.” Enrique Leff (2002) - Em Saber Ambiental. 

Vivemos tempos sombrios, marcados por uma crise que atravessa a pele da terra e a alma dos homens. Não é apenas uma crise ambiental ou econômica. É uma crise civilizacional, como nos alerta Enrique Leff, em Saber Ambiental. É o colapso de uma racionalidade que coisificou o ser humano, rompeu os vínculos comunitários e naturalizou as múltiplas formas de violência que recaem, sobretudo, sobre os mais vulneráveis: crianças e adolescentes.

Apesar de avanços importantes na legislação, como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente  e da difusão da Cultura de Paz como norte ético para as políticas públicas, a realidade insiste em nos mostrar feridas abertas. Violências físicas, simbólicas, institucionais, estruturais. A escola, muitas vezes, ao invés de curar, reproduz tais feridas.

A humanidade entre Hobbes e Rousseau

Os pensadores do contratualismo moderno oferecem chaves para pensar o tempo presente. Hobbes via o homem como um ser naturalmente competitivo e egoísta, necessitando de um Estado forte para impedir o caos. Rousseau, por outro lado, acreditava na bondade inata do ser humano, corrompido pela sociedade. Ambos nos provocam: que sociedade temos construído? Que modelo de educação temos praticado? Estamos formando cidadãos conscientes ou consumidores insaciáveis?

A lógica da competição, da fragmentação, do sucesso individual, parece ter colonizado a escola. O foco em resultados, em avaliações padronizadas, em metas quantitativas, esvazia o sentido profundo da educação como formação humana, ética, crítica e sensível.


Infâncias esquecidas, territórios degradados

A violência contra crianças e adolescentes não é apenas um problema jurídico, mas civilizacional. Num mundo que devasta o meio ambiente, esvazia os sentidos da vida e prioriza o lucro acima do cuidado, como esperar a proteção das infâncias?

No semiárido nordestino, essa crise se torna ainda mais aguda. O aumento das temperaturas, a desertificação e o abandono histórico do poder público agravam a insegurança alimentar, a migração forçada e a erosão dos saberes tradicionais. A infância sertaneja cresce entre a beleza da resistência e a dor da exclusão.

Desenvolvimento sustentável ou discurso camuflado?

Desde os anos 60, com a denúncia feita por Rachel Carson em Primavera Silenciosa, a crise ambiental começou a ser vista com seriedade. Na Conferência de Estocolmo (1972) e, depois, na Rio-92, surgiram tentativas de conciliar crescimento econômico com preservação ambiental. O conceito de “desenvolvimento sustentável” ganhou força, principalmente com o Relatório Brundtland (1987). Mas até que ponto esse discurso representa uma ruptura real?

Na prática, o discurso do desenvolvimento sustentável tem sido frequentemente cooptado pela lógica neoliberal, que transforma tudo em mercadoria, até mesmo a natureza. Como diz Leff,(2002) esse discurso muitas vezes dissolve a alteridade, a contradição e a resistência, convertendo a crítica ambiental em produto palatável para o capital.

Racionalidade econômica × racionalidade ambiental

A oposição entre racionalidade econômica e racionalidade ambiental está no cerne de muitos dilemas contemporâneos:

Tema

Racionalidade Econômica

Racionalidade Ambiental

Visão da natureza

Recurso explorável

Bem comum/sagrado

Tempo de decisão

Curto/médio prazo

Longo prazo, gerações futuras

Objetivo principal

Lucro e crescimento

Sustentabilidade e justiça

Política pública

Consumo e investimento

Planejamento ecológico

Lógica predominante

Competição

Cooperação

A racionalidade econômica trata os bens ambientais como externalidades. A racionalidade ambiental, por sua vez, nos obriga a repensar o próprio modelo civilizatório e a relação entre humanos e natureza.

Educação como resistência e reconstrução

A escola, diante desse cenário, não pode mais ser neutra, nem cega, nem cúmplice. É preciso reinventá-la como espaço de cuidado, de formação crítica, de escuta e acolhimento. Uma escola que promova uma Educação Ambiental crítica, enraizada na vida cotidiana, nos saberes locais, nas realidades do semiárido, no compromisso com a justiça socioambiental.

Uma educação que recupere a centralidade do humano, não apenas em sua dimensão física ou comportamental, mas espiritual, sensível, ética. Como nos ensinou Paulo Freire, educar é um ato de amor e coragem. É reencantar o mundo, dar sentido à existência, construir pontes onde antes havia muros.

Por uma nova aliança com a vida

A crise que vivemos é profunda. Mas também é uma chance. De ruptura. De mudança. De reencontro com a terra e com o outro. Que a escola seja sementeira de futuros. Que a infância seja protegida, respeitada, amada. Que o sertão, tantas vezes esquecido, nos ensine, mais uma vez, a resistir com dignidade e florar mesmo em tempos de seca.


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