Por Luis Moreira de Oliveira Filho – Blog Olhos do Sertão
“A crise que vivemos não é apenas ecológica, mas de sentidos. Uma crise civilizacional.” Enrique Leff (2002) - Em Saber Ambiental.
Vivemos tempos sombrios, marcados por uma crise que atravessa a pele da
terra e a alma dos homens. Não é apenas uma crise ambiental ou econômica. É uma
crise civilizacional, como nos
alerta Enrique Leff, em Saber Ambiental. É o colapso de uma
racionalidade que coisificou o ser humano, rompeu os vínculos comunitários e
naturalizou as múltiplas formas de violência que recaem, sobretudo, sobre os
mais vulneráveis: crianças e adolescentes.
Apesar de avanços importantes na legislação, como a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente e da difusão da
Cultura de Paz como norte ético para as políticas públicas, a realidade insiste
em nos mostrar feridas abertas. Violências físicas, simbólicas, institucionais,
estruturais. A escola, muitas vezes, ao invés de curar, reproduz tais feridas.
A humanidade entre Hobbes
e Rousseau
Os pensadores do contratualismo moderno oferecem chaves para pensar o
tempo presente. Hobbes via o homem como um ser naturalmente competitivo e
egoísta, necessitando de um Estado forte para impedir o caos. Rousseau, por
outro lado, acreditava na bondade inata do ser humano, corrompido pela
sociedade. Ambos nos provocam: que
sociedade temos construído? Que modelo de educação temos praticado?
Estamos formando cidadãos conscientes ou consumidores insaciáveis?
A lógica da competição, da fragmentação, do sucesso individual, parece
ter colonizado a escola. O foco em resultados, em avaliações padronizadas, em
metas quantitativas, esvazia o sentido profundo da educação como formação
humana, ética, crítica e sensível.
Infâncias esquecidas,
territórios degradados
A violência contra crianças e adolescentes não é apenas um problema
jurídico, mas civilizacional. Num mundo
que devasta o meio ambiente, esvazia os sentidos da vida e prioriza o lucro
acima do cuidado, como esperar a proteção das infâncias?
No semiárido nordestino, essa crise se torna ainda mais aguda. O aumento
das temperaturas, a desertificação e o abandono histórico do poder público
agravam a insegurança alimentar, a migração forçada e a erosão dos saberes
tradicionais. A infância sertaneja cresce entre a beleza da resistência e a dor
da exclusão.
Desenvolvimento
sustentável ou discurso camuflado?
Desde os anos 60, com a denúncia feita por Rachel Carson em Primavera
Silenciosa, a crise ambiental começou a ser vista com seriedade. Na
Conferência de Estocolmo (1972) e, depois, na Rio-92, surgiram tentativas de
conciliar crescimento econômico com preservação ambiental. O conceito de
“desenvolvimento sustentável” ganhou força, principalmente com o Relatório
Brundtland (1987). Mas até que ponto esse discurso representa uma ruptura real?
Na prática, o discurso do
desenvolvimento sustentável tem sido frequentemente cooptado pela lógica
neoliberal, que transforma tudo em mercadoria, até mesmo a natureza.
Como diz Leff,(2002) esse discurso muitas vezes dissolve a alteridade, a contradição
e a resistência, convertendo a crítica ambiental em produto palatável para o
capital.
Racionalidade econômica ×
racionalidade ambiental
A oposição entre racionalidade econômica e racionalidade ambiental está
no cerne de muitos dilemas contemporâneos:
Tema |
Racionalidade Econômica |
Racionalidade Ambiental |
Visão da natureza |
Recurso explorável |
Bem comum/sagrado |
Tempo de decisão |
Curto/médio prazo |
Longo prazo, gerações futuras |
Objetivo principal |
Lucro e crescimento |
Sustentabilidade e justiça |
Política pública |
Consumo e investimento |
Planejamento ecológico |
Lógica predominante |
Competição |
Cooperação |
A racionalidade econômica trata os bens ambientais como externalidades.
A racionalidade ambiental, por sua vez, nos
obriga a repensar o próprio modelo civilizatório e a relação entre
humanos e natureza.
Educação como resistência
e reconstrução
A escola, diante desse cenário, não
pode mais ser neutra, nem cega, nem cúmplice. É preciso reinventá-la
como espaço de cuidado, de formação crítica, de escuta e acolhimento. Uma
escola que promova uma Educação
Ambiental crítica, enraizada na vida cotidiana, nos saberes locais, nas
realidades do semiárido, no compromisso com a justiça socioambiental.
Uma educação que recupere a centralidade do humano, não apenas em sua
dimensão física ou comportamental, mas espiritual, sensível, ética. Como nos
ensinou Paulo Freire, educar é um ato de amor e coragem. É reencantar o mundo, dar sentido à existência,
construir pontes onde antes havia muros.
Por uma nova aliança com a vida
A crise que vivemos é profunda. Mas também é uma chance. De ruptura. De
mudança. De reencontro com a terra e com o outro. Que a escola seja sementeira
de futuros. Que a infância seja protegida, respeitada, amada. Que o sertão,
tantas vezes esquecido, nos ensine, mais uma vez, a resistir com dignidade e
florar mesmo em tempos de seca.
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