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domingo, 16 de janeiro de 2011

Lalo: mídia trata a tragédia das enchentes como espetáculo

Todas as redes comerciais de televisão no Brasil têm as suas moças do tempo. São herdeiras, em São Paulo, do Narciso Vernizzi, o primeiro “homem do tempo” da rádio Jovem Pan. Elas surgem do nada, entre uma notícia e outra, aparecem no canto da tela e caminham para o centro, mostrando mais que o tempo as suas belas curvas.

Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Carta Maior

Em casa, o telespectador vê atrás das moças as indicações do clima e da temperatura em todo o Brasil. Com algumas variações, esse tipo de informação é universal. O canal mundial da BBC mostra o tempo em várias partes do mundo, sem as moças.

São informações úteis, mas limitadas. Ajudam a sair de guarda-chuva no dia seguinte ou, aos viajantes, a escolha do que colocar na mala. Não sei se informações tão superficiais e genéricas contribuem para decisões mais importantes, como dos agricultores, por exemplo.

Apesar do avanço da internet, o rádio e a televisão ainda são os mais eficientes e abrangentes serviços públicos de informação. Não há outro meio que consiga falar de forma tão rápida para milhões de pessoas ao mesmo tempo. Em momentos críticos tornam-se imprescindíveis. Pena que, por aqui, são pouco usados nesse tipo de prestação de serviços.

No caso de tragédias, como as deste início de ano, ao invés de moças desfilando à frente de ilustrações artísticas, deveríamos ter as programações interrompidas. Em seu lugar seriam formadas cadeias nacionais ou locais de rádio e TV, antes das catástrofes, dando orientações seguras para a população. Sem pânico, mas com precisão e firmeza. E não generalizando com frases do tipo “chove no litoral do nordeste”. 

Trata-se de um de trabalho que deve ser o mais localizado possível, com o envolvimento articulado dos serviços de meteorologia, da defesa civil e do jornalismo, na produção das informações. 

Quantas vidas não poderiam ter sido salvas se, em vez colocar no ar o Ratinho ou o Big Brother, as emissoras tivessem avisado à população de que fortes chuvas estavam previstas para a serra fluminense na noite anterior à tragédia, com instruções dos poderes públicos sobre como agir?!

Ou, no caso, de São Paulo que vias deveriam ser evitadas na iminência dos temporais, já que não há segredo nessa cidade sobre onde se localizam os eternos pontos de alagamento. Para obter mais eficiência, esse serviço deveria ter seu foco nas informações locais. 

Daí a importância da regionalização das programações de rádio e TV, tão combatida pelos concessionários do setor. No entanto, são elas que darão às emissoras regionais e locais experiência, tanto na produção como na técnica, para enfrentar com competência situações extraordinárias.

Nem todos se salvariam, é verdade. Mas, com certeza, os danos seriam menores. Furacões violentos que varrem o Caribe todos os anos causam grandes estragos materiais em Cuba, mas pouquíssimas vítimas. Simplesmente porque as autoridades estabelecem planos precisos para a retirada da população das áreas criticas e a orientam através do rádio e da TV, com razoável antecedência, sobre as medidas que devem ser tomadas.

Muitos navios não foram à pique na costa brasileira graças ao programa radiofônico “A Voz do Brasil”. A seção “Aviso aos navegantes” informava todos os dias, minuciosamente, as condições das bóias de luz, sinalizadoras dos perigos naturais existentes no mar. Era o rádio atuando como serviço público numa época de recursos eletrônicos muito limitados, se comparada aos hoje existentes.

Satélites transmitem informações meteorológicas com alto grau de precisão e as redes de rádio e TV cobrem todo o território nacional. Falta apenas articular esses dois serviços com planos nacionais e locais de prevenção à catástrofes naturais. 

No caso das enchentes no Sudeste e Centro-Oeste, trata-se de problema datado, de dezembro a março. Há todo o resto do ano para o trabalho de planejamento e articulação. Quem toma a iniciativa?
Extraído do Vermelho


Um comentário:

Augusto Ferreira disse...

A previsão do tempo no Jornal Nacional da véspera da tragédia confirma o texto de Lalo.
http://www.youtube.com/watch?v=taZ-pJYGzvw

Os redatores da rede Globo falharam na interpretação que a moça deveria dar ao mapa do INPE. O mapa mostra o risco de temporais (azul escuro) na serra fluminense e leste de Minas.
Mas a mocinha diz que o risco de temporais é em São Paulo e Espírito Santo. E ainda acrescenta irresponsavelmente: "No Rio chove, mas não é tão forte."

A maior rede de mídia do país, que usa uma concessão pública e que agora posa como urubu em todos os pontos da tragédia, não foi capaz de dar um mínimo alerta da possibilidade da tragédia?

Ao contrário, deu a entender que todos deveriam ir dormir tranqüilos (obviamente depois de assistirem à estréia de mais um BBB) que nada de mal iria acontecer naquela noite.