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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A direita encontra o seu messias?


Por Wanderley Guilherme dos Santos

Ao assumir o papel de principal líder do aglomerado conservador, Serra amealhou respeitável portfólio eleitoral. Por Wanderley Guilherme dos Santos. Foto: Agência Brasil
Para os que temiam pelo destino da direita, as eleições propiciaram grata surpresa. Uma coalizão informal de políticos, autoridades religiosas, marqueteiros e meios de comunicação assegurou inesperada vitória ao conservadorismo social. Levado à disputa pela campanha de Marina Silva, o obscurantismo adquiriu a tradicional truculência do tucanato serrista e dobrou a campanha de Dilma Rousseff.- A carta-compromisso divulgada pela candidata algemou o Poder Executivo ao status quo da assistência a gestantes problemáticas. Por pouco o contrato de união civil entre pessoas do mesmo sexo não foi incluído entre as condutas diabólicas, bem como as pesquisas com células-tronco e, sim, o divórcio.
São todos itens da pauta privada de Marina Silva e não é impossível que compareçam às eleições de 2014. Foi uma das fatias direitistas que se deslocaram entre o primeiro e o segundo turno.
Aceitando o papel de líder do aglomerado das direitas, atraindo, inclusive, a parcela conservadora do eleitorado marineiro, José Serra azeitou a retórica e terminou com respeitável portfólio eleitoral. Emitindo mensagens acima dos partidos, praticamente sozinho, com um partido de apoio, o DEM, em frangalhos, e outro, o PSDB, batendo em retirada, enfrentou a candidata de um presidente com extraordinário apoio popular, alcançando 44% dos votos válidos.
É pouco provável que qualquer outro presidente obtenha o reconhecimento consagrado a Lula e, em decorrência, que se traduza em apoio eleitoral da magnitude observada agora. Particularmente nos estados do Nordeste, nos quais as diferenças entre a candidata Dilma e o candidato Serra foram excepcionais. Não se trata da vitória, mas não é despropositado refletir que o tamanho da vitória de Dilma no Nordeste expressa um voto de confiança em Lula.
Em discurso na noite de 31 de outubro, José Serra evitou admitir uma derrota irreversível e anunciou sua candidatura a condutor da recém-mobilizada coalizão conservadora. Consciente do lugar conquistado, reivindicou a responsabilidade pelo resultado eleitoral que, supõe, inicia um caminho novo para ele: o da direita explícita. Pouco concedeu aos partidos, ignorou o delirante vice de sua chapa, Índio da Costa, referindo-se somente, e economicamente, ao governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin. Além de prometer hostilidade ao governo Dilma Rousseff, lançou um desafio a Aécio Neves: a disputa pela base eleitoral da direita em 2014.
A plataforma delineou-se ao longo dos debates e da propaganda eleitoral. Em harmonia com o conservadorismo, Serra advogou doutrinário enxugamento das contas públicas, limite às atividades pioneiras do Estado, substancial redução de impostos, proteção privilegiada às exportações e, na política externa, retorno a belicoso alinhamento ideológico aos “valores ocidentais”, com sotaque inglês. Embutiu o suicídio da política social e trabalhista vigente, no médio prazo, sob disfarce de magníficos aumentos nas aposentadorias, pensões e no salário mínimo, além de agregar um bônus ao Bolsa Família, a que impropriamente designou de 13º salário, de memória trabalhista.
Esse bônus significaria a impossibilidade de expandir o programa aos milhões de famílias ainda por incluir, por aí confinando a cobertura aos atuais beneficiários, criando um fosso cheio de ressentimento entre duas classes de famílias pobres – as cobertas e as não cobertas pelo Bolsa Família – o oposto ao que a atual política de inclusão social persegue. Combatido pelos conservadores, mesmo quando os salários estão comprimidos, o imediato aumento sugerido para o salário mínimo após sucessivos acréscimos reais nos últimos anos forçaria o empresariado, em particular o pequeno e médio, a um retorno às práticas da informalidade e, provavelmente, à diminuição na oferta de empregos.
Menor expansão das taxas de ocupação, finalmente, repercutiria na Previdência Social, que passaria a arcar com receitas proporcionalmente menores em face das despesas de aposentadorias e pensões subitamente elevadas. No médio prazo, discriminação entre as famílias pobres, informalidade e desemprego no mercado de trabalho e buracos crescentes na Previdência Social.
No contexto de uma política fiscal doutrinariamente apertada, que melhor momento para uma reforma privatista na Previdência? As propostas sociais da candidatura José Serra nada tinham de eleitoreiras. Antes, eram brilhantes como estratégia de radical reversão das políticas em curso da única forma pacífica possível, ou seja, por seu desgaste, por assim dizer, natural.
Politicamente, a candidatura José Serra prometia “peitar o Congresso” e promover uma reforma das instituições, impondo o chamado “voto distrital puro”. Nesse sistema, um eleitorado que se divida entre três candidatos, um recebendo 34% dos votos, com 33% dados a cada um dos outros dois, veria o primeiro levando 100% da representação, isto é, sendo o único eleito, “puro”, ficando 66% dos demais eleitores sem representante direto. Esse seria o resultado da inatacável ideia de moralização dos costumes políticos brasileiros, porém, sob forma de um sistema de eleição distrital. Outra consequência, o sistema partidário sofreria razoável devastação em nível nacional, com tendência ao duopólio similar ao dos partidos, Democrata e Republicano, nos Estados Unidos, e Conservador e Trabalhista, na Inglaterra.
Partidos médios de relevante significado como o Partido Socialista Brasileiro ou o Partido Republicano, ou de histórica coerência doutrinária como o PCdoB (os comunistas nostálgicos do Partidão, atual- PPS, estão para se dissolver no PSDB), seriam contidos em colégios regionais, quando não estaduais, ou desapareceriam completamente. Essa desinstitucionalização interromperia a importante tarefa de trazer para o leito da política partidária e parlamentar os conflitos sociais e econômicos das grandes periferias metropolitanas e das regiões limítrofes ao território do país já constitucionalizado. É aí que os pequenos e médios partidos operam a tradução das tensões e dos conflitos latentes de grande magnitude (veja Carajás, fruto da ausência de córregos institucionais) em demandas articuladas em termos eleitorais e partidários.

Um bipartidarismo por imposição legal alimentaria a dinâmica centrífuga das regiões ainda não integradas nacionalmente por via do mercado. À visão de uma jurisprudência com ambições demiúrgicas, escapa a complexidade dialética das relações entre sociedades heterogêneas e instituições representativas, que não se regem por pautas valorativas que, mesmo universalmente aceitas, possuem escassa eficácia operacional. O inconformismo com práticas que maculam- as instituições democráticas é saudável e costuma ter consequências positivas, cedo ou tarde. É falso, entretanto, que o preço a pagar pelo aprimoramento institucional seja a amputação da taxa de representatividade parlamentar. Não obstante, a propaganda adversa tem contaminado a avaliação de ponderável número de políticos e analistas, insinuando-se como requisito indispensável da modernidade a defesa de uma abstrata “reforma política”, cujas medidas específicas se resumem a castrar o direito de escolha da população.
A visão de milhões de eleitores mal saídos do cativeiro da miséria e do coronelismo, elegendo representantes que atendam a seus interesses, é insuportável para aqueles que só apreciam aos que pensam e se vestem como eles. A introdução do voto distrital, puro ou misto, registre-se, também faz parte do ideário de Marina Silva e de Aécio Neves, pretendentes ao eleitorado conservador, além de José Serra.
Expressiva maioria dos eleitores sabe de que lado vai votar, ao final, mesmo antes da campanha. O período de disputa é fundamental para descobrir quem ocupa o lado de sua preferência. Por entre o festival de descaminhos proposto pela rede midiática de desinformação, o tempo gratuito de televisão e rádio foi suficiente para o eleitorado identificar seus representantes. Os candidatos presidenciais reiteraram à exaustão o que pretendiam fazer no governo, em tudo que lhes foi arguido por entrevistadores. Mas profissionais da economia lastimam que os debates não tenham se convertido em esgrima econométrica e colunistas reclamam que faltou esclarecimento sobre o que pensam os candidatos. Depois alardeiam que o povo não sabe votar…
O cenário político pós-eleições de 2010 é tenso. O governo eleito vai administrar o País em período de turbulência econômica internacional. A agenda interna contém tópicos urgentes: proposta para o financiamento estável da saúde coletiva; soluções logísticas para problemas suscitados pelo desenvolvimento econômico, após décadas de descaso; estímulo ao aumento das taxas de poupança e investimentos domésticos; expansão na capacidade de produzir conhecimento e tecnologia. Tudo isso com uma base de apoio parlamentar que peca por heterogênea abundância e uma oposição em disputa pela herança conservadora. Haja democracia.

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