por Mauro Santayana
O Wikileaks revela como é conduzida a política externa dos EUA e mostra que a nação é governada por uma classe política de reduzida inteligência, amedrontada diante de inimigos reais e imaginários
O mundo, em seu espanto com as revelações dos segredos diplomáticos e militares do governo dos EUA, ainda não avaliou bem as consequências dos fatos. As grandes revoluções ocorrem sem que seus contemporâneos as percebam. Durante certo período, os observadores continuam com as mesmas ideias anteriores. É o que ocorre quando despertamos de um sonho, agradável ou não: levamos alguns segundos para perceber que as sensações não eram reais, que estamos na cama, e não voando sobre montanhas e mares.
Gregório, bispo de Tours (539-594), conta que um alto servidor do Império Romano, enviara de sua província, o filho ao imperador Rômulo Augusto, com uma carta, pedindo-lhe que aceitasse o jovem em sua corte a fim de ali iniciar carreira. Gregório observa que as elites do Império não entendiam que a estrutura do poder de Roma já estava erodida. O poder de Rômulo Augusto durou apenas 11 meses, entre outubro de 475 e setembro de 476, quando foi deposto pelos invasores e terminou o Império Romano do Ocidente. Não obstante as evidências, as elites não percebiam o atropelo da história.
Os sinais da queda do sistema mundial de domínio, sob a hegemonia norte-americana, têm sido evidentes para os observadores que conhecem a mecânica do mundo. O controle internacional das informações e da indústria do entretenimento (fórmula sofisticada de manipulação da realidade e de cooptação mental) deram ao mundo a ideia de que os anglo-saxões são invencíveis e invulneráveis. Não tem sido exatamente assim.
A grande vitória americana sobre a Espanha Colonial, na América e na Oceania, se deu no momento em que Madri se encontrava entregue a um governo débil, sem apoio popular, e com o trono ocupado pela rainha Maria Cristina de Habsburgo, regente do trono em nome do filho, que só receberia o cetro em 1902. A rainha não dispunha de pulso para enfrentar o conflito, que durou só algumas semanas, até a capitulação.
A segunda grande vitória americana, na Primeira Guerra Mundial, foi parecida. Depois de muita hesitação, o presidente Wilson decidiu acudir a Europa. Seus soldados só chegaram ao solo europeu em março de 1917, levaram meses se adestrando e entraram em combate quase no fim do ano (a guerra acabou em outubro de 1918). A Segunda Guerra Mundial foi ganha pelos soviéticos. Os aliados ocidentais esperavam que os alemães vencessem os russos, para negociar uma paz em separado com os nazistas. Só desembarcaram na Normandia em 1944, quando os soviéticos, após fantástica e inesperada resistência, já haviam empurrado os alemães de seu território, e avançavam em direção a Berlim.
Os soviéticos tiveram, entre soldados e civis, quase 20 milhões de mortos na guerra. Os EUA não tiveram de enfrentar, até hoje, uma invasão estrangeira em seu território. Mas no imaginário do mundo, graças ao controle das informações e da indústria do entretenimento, eles eram vistos como invencíveis e invulneráveis.
O grande mérito do Wikileaks, ao revelar como é conduzida a política externa norte-americana, é mostrar que os EUA são governados por uma classe política (na definição dos estudiosos italianos Mosca e Pareto e sua teoria das elites) de reduzida inteligência estratégica e amedrontada diante de seus inimigos, reais ou imaginários. Agora sabemos o que os policy makers norte-americanos pensam dos outros povos e o que pensam de nós, brasileiros.
Quando redigíamos este texto, uma comunicação divulgada pelo Wikileaks mostrava a preocupação norte-americana com a possibilidade de que Brasília fosse atingida por choques de aviões contra seus edifícios públicos. O objetivo é nos obrigar a adotar a legislação antiterrorismo, e criar inimigos onde não os temos. Somos um povo pacífico, de vocação ecumênica, uma maioria cristã que se dá bem com muçulmanos, judeus e budistas. Nessa conduta está nossa segurança.
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