Cancún, mudança climática e WikiLeaks
A mensagem é clara: Se jogam com os Estados Unidos, receberão ajuda; se se opõem, receberão castigo.
Graças às mensagens diplomáticas publicadas pelo WikiLeaks recentemente, os Estados Unidos, o maior contaminador da história do planeta, está envolvido em "um negócio muito, muito sujo". A mensagem é clara: Se jogam com os Estados Unidos, receberão ajuda; se se opõem, receberão castigo. A Bolívia e o Equador tiveram recursos cortados por se opor ao chamado Acordo de Copenhague, articulado pelo governo dos EUA durante a cúpula de dezembro de 2009.
Amy Goodman - Democracy Now
Cancún, México. Esta semana, sob os auspícios das Nações Unidas, aconteceram negociações de vital importância para reverter o aquecimento global provocado pelos seres humanos. Trata-se da primeira reunião de grande importância desde o fracasso da Cúpula de Copenhague, em 2009, e se desenvolve no final da década mais quente que se tenha registo. Apesar de muita coisa estar em jogo, as expectativas são poucas e, segundo temos conhecimento, graças às mensagens diplomáticas publicadas pelo WikiLeaks recentemente, os Estados Unidos, o maior contaminador da história do planeta, está envolvido no que um jornalista aqui classificou de "um negócio muito, muito sujo".
Um negócio sujo de verdade! No ano passado, em Copenhague, o presidente Barack Obama apenas chegou à cidade, conseguiu isolar um grupo seleto de países do restante da Cúpula, reunião a que somente poderia participar quem tivesse convite, para negociar o que foi divulgado como o "Acordo de Copenhague". Esse acordo esboça um plano para que os países "se comprometam" publicamente a reduzir as emissões de carbono, ao mesmo tempo que aceitam comprometer-se com algum tipo de processo de verificação.
Também, segundo esse acordo, os países ricos e desenvolvidos comprometer-se-iam a pagar milhões de dólares a países pobres em vias de desenvolvimento para ajudá-los a adaptar-se à mudança climática e para que tenham economias baseadas em energias ecológicas no seu caminho rumo ao desenvolvimento. Isso pode soar bem; porém, na realidade o acordo foi desenhado para substituir o Protocolo de Quioto, um tratado vinculante de âmbito mundial que conta com mais de cento e noventa países signatários. Chama a atenção que os Estados Unidos nunca o assinaram.
As mensagens do Departamento de Estado norte-americano publicados por WikiLeaks ajudam a esclarecer o que aconteceu. Um dos principais críticos dos países desenvolvidos na etapa prévia à Cimeira de Copenhague foi o presidente Mohamed Nasheed, da República de Maldivas, um país formado por pequenas ilhas no Oceano Índico, que finalmente assinou o Acordo de Copenhague. Um memorando secreto do Departamento de Estados dos EUA, filtrado através de WikiLeaks, datado de 10 de Fevereiro de 2010, resume as consultas feitas pelo recentemente nomeado Embaixador de Maldivas nos Estados Unidos, Abdul Ghafoor Mohamed. O memorando informa que durante o seu encontro com o enviado especial adjunto dos Estados Unidos para a mudança climática, Jonathan Pershing, o embaixador disse:
"As Maldivas gostariam que países pequenos como nós, que estão na primeira linha do debate sobre mudança climática, recebam uma ajuda concreta por parte das economias maiores. Dessa maneira, outros países perceberiam que se pode obter vantagens a partir da sua expressão de conformidade". Mohamed pediu cinquenta milhões de dólares para desenvolver projetos para proteger Maldivas do aumento do nível do mar.
Pershing aparece num memorando relacionado ao de Maldivas, datado uma semana depois, que se refere a uma reunião com Connie Hedegaard, Comissária Europeia de Ação pelo Clima, que desempenhou um papel chave em Copenhague, da mesma forma que agora em Cancún. Segundo o memorando, "Hedegaard sugeriu que os países da Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, por suas siglas em inglês) ‘poderiam ser os nossos melhores aliados`, já que necessitam financiamento". Noutro memorando, datado de 17 de fevereiro de 2010, foi informado que "Hedegaard respondeu que devemos fazer algo a respeito dos países que não cooperam, como a Venezuela ou a Bolívia". As declarações provinham de uma reunião com o Assessor Adjunto de Segurança Nacional para Assuntos Económicos Internacionais, Michael Froman. O memorando continua dizendo: "Froman esteve de acordo que necessitamos neutralizar, cooptar ou marginalizar esses e outros países, tais como Nicarágua, Cuba ou o Equador".
A mensagem é clara: Se jogam com os Estados Unidos, receberão ajuda; se se opõem, receberão castigo.
Aqui em Cancun, perguntei a Jonathan Pershing e ao principal negociador norte-americano e enviado especial para a mudança climática, Todd Stern, acerca dos memorandos e acerca de se o papel dos Estados Unidos equivalia a suborno ou democracia: "Discute-se muito aqui, dentro e fora da Cúpula, acerca da coerção que se exerce tanto para que os países assinem o acordo, como para castigar àqueles que não o assinam, como Bolívia e Equador. A pergunta que vem é: ‘Isso é suborno ou democracia?` O que podemos esperar disso? Quais são os seus comentários acerca das publicações de WikiLeaks?"
Stern respondeu: "Acerca das publicações de WikiLeaks, em si mesmas, não tenho comentários; é a postura do governo dos Estados Unidos. Em relação à sua pergunta mais ampla, conto-lhe uma breve anedota. Você deve recordar que uma das intervenções mais enérgicas, eloquentes e fortes da noite final da Cimeira de Copenhague do ano passado, quando o ministro da Noruega, Eric Solheim, ficou de pé após ter sido acusado diretamente de que a Noruega incorria em suborno por ser tão generosa com as suas contribuições de assistência para mitigar os efeitos da mudança climática. Solheim ficou de pé e deixou sem argumentos quem havia sugerido tal coisa, ao dizer-lhe que não podia, por um lado, pedir ajuda e expor uma sólida causa legítima de necessidade de assistência pela mudança climática; e, por outro, dar as costas e acusar-nos de suborno. Se desejam acusar-nos de suborno, eliminemos, então, a causa de qualquer acusação de suborno, eliminemos o dinheiro. Estive completamente de acordo com ele nesse momento e continua com a mesma posição agora".
Perguntei-lhe: "Então, o que acontece com os países que foram castigados? Bolívia e Equador...".
Stern disse: "Passemos à próxima pergunta".
O moderador disse: "Creio que passaremos à próxima pergunta, por esse outro lado da sala..."
Sim, essa pergunta referia-se aos países a que os Estados Unidos retiraram o dinheiro da assistência destinado a minimizar os efeitos climáticos, como Equador e Bolívia, por se opor ao Acordo de Copenhague. Tanto ele quanto Pershing, como também o moderador, ignoraram a pergunta.
No entanto, Pablo Solón, embaixador da Bolívia para as Nações Unidas, tem uma resposta. Solón disse que os fatos falam por si mesmos: "Somente posso referir-me aos factos, porque uma coisa que posso dizer com respeito às publicações de WikiLeaks é que não contêm fatos, portanto não quero julgar nenhum país com base nisso; porém, posso assegurar-lhes é que cortaram a assistência à Bolívia e ao Equador. Isso é um fato. Além disso, disseram muito claramente: ‘Vamos cortar a ajuda porque vocês não apoiam o Acordo de Copenhague`. E isso é chantagem". O Embaixador Solón não se mostra optimista a respeito do resultado das negociações que se desenvolvem em Cancún.
Solón disse: "Os compromissos propostos neste momento implicam um aumento da temperatura de quatro graus Celsius. Isso é uma catástrofe para a vida humana e para a Mãe Terra".
Artigo publicado em Democracy Now a 9 de Dezembro de 2010
Traduzido e publicado em Adital (Envolverde/Adital)
Extraído de Carta Maia
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