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domingo, 19 de dezembro de 2010

Se houver dificuldades, Lula poderá voltar




Gilberto Carvalho fala sobre piores e melhores dias do governo
Gilberto_Carvalho
GILBERTO CARVALHO em seu gabinete: como ele vai ficar no Planalto, petistas brincam que será o ”olho” de Lula la, mas ele diz que será o ”olho” de Dilma nos movimentos sociais
ENTREVISTA Gilberto Carvalho

Numa sala quase colada a do presidente Lula, no terceiro andar do Palacio do Planalto, o petista paulista Gilberto Carvalho presenciou, nos ultimos oito anos, os piores e os melhores momentos do governo. Viu de tudo um pouco e levou as maiores broncas de Lula, o amigo que o chama carinhosamente de Gilbertinho. Amigo que Gilberto conhece tanto e tão bem que arrisca afirmar: - Se houver dificuldades, e ele for a solução para a gente ter uma vitoria (em 2014), ele pode voltar.
Em janeiro, Gilberto troca de sala. Ficará mais distante do gabinete presidencial, mas nem por isso tera mais tranquilidade. Petistas brincam que ele será ”o olho” de Lula na casa de Dilma. Com calma e tranquilidade tipicas de ex-seminarista, diz que, como secretario-geral da Presidencia, será apenas ”o olho de Dilma nos movimentos sociais”.
Nesta entrevista ao GLOBO, concedida quinta-feira à tarde em seu gabinete, confessa que, no auge do mensalao, foram muitos os dias em que se achava por ali que Lula não terminaria o mandato. E diz tambem que 2014 esta aberto para Lula: dependerá da gestao de Dilma.

Diana Fernandes e Chico de Gois - O GLOBO.
BRASÍLIA – O GLOBO: O que muda na rotina do Planalto com a saída de Lula e a chegada de Dilma Rousseff?
GILBERTO CARVALHO: A gente vai perder a coisa muito espontânea, calorosa do presidente. Ele, o tempo todo, até quando dá broncas — e não são poucas nem fáceis —, em seguida faz uma brincadeira, uma gozação.
* O senhor levou muitas broncas?
GILBERTO: Muitas. Uma vez, no primeiro mandato, estava com um grupo de ministros na sala. Eu havia preparado a agenda do dia seguinte. Ele tinha pedido para colocar (uma audiencia) na parte da manha, mas joguei para a tarde e precisava mostrar a ele. Ele me deu um grito fora do tom na frente dos ministros. Devia estar com outra coisa na cabeca. Falou uma barbaridade: ”isso e uma incompetencia. Nao e possivel que você nao aprenda”. Fiquei emputecido. E pensei: ”Eu te pego”. Mas não podia reagir ali, na frente dos ministros.
*E ficou por isso mesmo?
GILBERTO: No dia seguinte, quando estava terminando o dia, antes que eu falasse, ele disse: ”Ontem fui para casa e não consegui dormir. Marisa perguntou o que eu tinha e eu disse que tinha sido meio grosso com você. Falei para ela que não tinha sido legal. Ela perguntou se eu ia pedir desculpa. Ah, pedir desculpa p… nenhuma. Va a m…” Foi a forma de ele pedir desculpa.
*Com Dilma será diferente, nao e?
GILBERTO: Tenho ligação muito legal com Dilma. Quando ela me chamou, ela disse: ”A gente se conhece ha oito anos, você confia em mim e eu, em você, e quero que você esteja ao meu lado, dizendo as verdades, me ajudando a enxergar as coisas”. Ao contrario do que pode parecer, ela tem enorme sensibilidade para arte, musica…
* E para pessoas, tambem?
GILBERTO: Com as pessoas também. Mas ela tem um trato muito objetivo da coisa. Ela é mais direta.


*E com os politicos? Parece que não tem muito jeito.
GILBERTO: A Dilma tem uma incrivel capacidade de aprendizado. Se você pensar que é uma pessoa que nunca tinha sido candidata e, de repente, ter nos ombros uma candidatura a Presidencia da República, e com a obrigação de ganhar, é uma carga muito grande. E ela era subestimada. Sentar naquela cadeira traz um peso e uma responsabilidade. Ela vai continuar, com os mais proximos, dando broncas, como ele tambem fazia. Para algum lado, o cara tem de explodir.
*Na sua opiniao, a presidente eleita vai tentar uma aproximação maior com o povo? Lula diz que e isso que o fortalece. Ou será mais voltada para a gestao?
GILBERTO: Ela vai dar muita importancia para a gestão, porque Dilma vai aos detalhes. Ela descentraliza, mas cuida muito das coisas. Agora, não vai se descuidar deste lado (buscar contato com o povo). Ela me disse que sabe que os movimentos sociais, para ela, serão mais importantes do que foram para o Lula. Com o Lula era uma coisa natural.
* O senhor tera papel de interlocução da presidente com o PT?
GILBERTO: Sem duvida. Tenho consciencia disso. Não exclusivamente eu, porque temos muitos petistas no governo. Mas devo ter uma atenção especial nisso, nessa relação com o partido. Mas vocês podem notar que ela foi muito bem assimilada pelo PT.


*E a presenca do Jose Dirceu? O que achou de ele ter dito que nunca havia saido do Palacio?
GILBERTO: Nao entendi o que ele quis dizer. Ele nunca mais foi visto aqui. O Ze teve alguns contatos esporádicos com o presidente. Nunca aqui no Palacio. Tive contatos com ele de vez em quando. A gente é amigo. O Ze é um cara que contribui. E um grande formulador. Ele tem seus problemas, mas não seria inteligente o partido deixar um quadro como esse solto.
*Mas, no governo Dilma, ele pode ajudá-la?
GILBERTO: O Ze esta absolutamente centrado no processo dele. Toda ação dele é precedida da logica de trabalhar pela absolvição (no STF, no processo do mensalão). Vai ser semelhante ao que foi no governo Lula. De vez em quando vai conversar com a Dilma, dar um pitaço aqui, outro la.
*No governo do Lula, a relação dele com a imprensa foi quase um caso de amor e odio. Como o senhor acha que vai ser com Dilma?
GILBERTO: Acho que, como ela vai ter menos rompantes que o presidente, essas fases serão menos evidentes. Nesta historia tem uma coisa que é do jogo: nunca o governo vai estar satisfeito com a imprensa, e vice-versa. Porque e da tensão natural das coisas. Mas não me lembro de um unico fato de ameaça a liberdade de imprensa neste governo. O que ele (Lula) se deu o direito? De criticar a imprensa. E toda vez que ele faz uma critica, vira chavismo. Com Dilma, ela tera uma leveza em relação a isso.
*E a regulação da midia?
GILBERTO: Isso tera continuidade, mas nao sera feito com um decreto. Nada que ameace a liberdade de imprensa. Não tera controle de conteúdo. Isso vai passar pelo Congresso, vai ter muito debate, audiencia publica.
*O que mais marcou os oito anos de governo, para o bem e o mal?
GILBERTO: O que deixa a gente orgulhoso é uma coisa mais espiritual que material. é a mudanca na autoestima do povo. Hoje, as pessoas se identificam mais como brasileiros, tem mais crença no pais e em si mesmas. Ela foi costurada a partir de uma serie de elementos. Um deles foi ter um presidente com a cara das pessoas do povo. Outro foi a mudança real na distribuição da renda, a questao da ascensão. A politica externa. E mais uma coisa: a abertura do Planalto para todos os segmentos da sociedade.
*Onde erraram, fizeram menos?
GILBERTO: As falhas foram muitas. Não conseguimos mudar o modelo de gestão do Estado. Não conseguimos inovar suficientemente na modernização da maquina e ganhar eficiencia. Na corrupção, apesar de todo o nosso esforço – a Policia Federal entrou aqui no Palacio, pela primeira vez, fiscalizou os nossos, coisa que antes não fazia. Apesar disso, ha uma frustração de ver que a cultura da corrupção continua. No nosso governo, os elementos da corrupção ficaram mais expostos, coisa que antes estava debaixo do tapete. E não da para não mencionar o assim chamado mensalão.
*Lula disse que vai se dedicar a desmontar “a farsa do mensalão”…
GILBERTO: A insurgencia do Lula sobre isso se da mais sobre essa pecha de que o governo dele precisou comprar deputados para votarem a favor. Ele rejeita isso. O que houve foi um erro da tesouraria do PT em transformar os bancos BMG e Rural na tesouraria do partido.
*Voces achavam na epoca que o presidente tinha chance de se reeleger?
GILBERTO: Houve muitos momentos em que a gente nem sabia se chegava ao final do governo. Houve dois dias em que as coisas foram muito dificeis. Um deles foi o depoimento do Duda Mendonca. Dava a impressao de que, de fato, o impeachment estava muito vizinho. Outro foi o famoso dia dos dolares na cueca. Aquele dia deu a impressão de que a gente nao sabia o que mais podia ocorrer.


*Como Lula reagiu no dia dos dolares na cueca?
GILBERTO: Ele cobriu o rosto com as maos, me lembro bem. E diziamos: “Aonde esse pessoal doido vai nos levar?”. Mas ele aguentava a pancada toda e ainda consolava os aflitos.
*Em algum momento ele pensou em jogar a toalha?
GILBERTO: Ele foi muito forte. Quando teve aquela famosa conversa – e os personagens todos negam hoje (um deles o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos) – em que disseram que era melhor ele fazer um acordo com a oposição e nao tentar a reeleição, para terminar o mandato… Ele não deu resposta. Eu soube no dia seguinte, quando ele me contou: ”Fico pensando que essas pessoas nao tem noção da minha ligação com o povo. Nao tem hipotese de isso acontecer. E eu vou ganhar esta eleição dos caras”. Eu mesmo tinha muitas duvidas.
*E qual foi o momento que deixou Lula mais feliz?
GILBERTO: E dificil pontuar. A cabeça do Lula, o lado bom, funciona muito em função das boas noticias. Por exemplo: divulgação do Caged. Toda vez que vem noticia de que aumentou o emprego, ele fica feliz. Quando vem noticias de apoio popular, o bicho veio fica feliz. Tambem tem muito orgulho da politica externa.
*Mas a posição do Brasil em relação aos direitos humanos não e bem vista la fora. A propria Dilma disse que discorda de decisões nessa area.
GILBERTO: Não é que ele não concorde que os direitos humanos são importantes. Claro que ele sabe. Mas ele sabe da complexidade. Sabe o que esta em jogo quando se toma uma decisão dessas. A politica externa tem muito de xadrez e bilhar. Você bate aqui para reverberar la, faz concessões as vezes para poder conquistar outro objetivo la na frente.
*A candidatura da Dilma foi uma teimosia dele, para provar ”olha como eu sou bom”?
GILBERTO: Eu avalio que foi uma enorme teimosia dele, sob, inclusive, a descrença de muita gente aqui dentro do Palacio, que não sabia se seria possivel fazer da Dilma uma pessoa com viabilidade eleitoral. Alguns ate diziam que ele escolheu a Dilma porque, se perdesse, nao perderia nada. Mas não era assim. Ele falava que iamos ganhar.
*O senhor acha que ele volta em 2014?
GILBERTO: Eu acho que essa e uma questão muito aberta na cabeça dele. A minha opinião é que ele vai ficar olhando a conjuntura. Num cenario de a Dilma fazer um governo bom, ã evidente que ela vai a reeleiçao. Se houver dificuldades, e ele for a solução para a gente ter uma vitoria, ele pode voltar. Isso não é um dogma para ele.
*Não seria um risco grande depois de sair com a popularidade recorde?
GILBERTO: Seria. Mas ele voltaria numa situação muito favoravel. Ou muito necessaria.
*Como sera o futuro de Lula? O instituto que ele quer criar?
GILBERTO: Ele pretende fazer um centro memorial, não mais com coisa dele, mas vinculada a uma universidade, provavelmente vinculada a Federal do ABC. E tambem tratar dos projetos voltados para a Africa. Mas nada de cargo em organismo internacional. Ele não vai ficar amarrado a nada. ■

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