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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O jornalismo do século XXI

Por Dal Marcondes, da Envolverde



Uma pergunta recorrente nas rodas de profissionais de comunicação é “que jornalismo precisamos para o século XXI?” Existem muitas divergências sobre o papel do jornalismo, mas o olhar sob o ponto de vista histórico mostra que a informação transformada em notícia, o fato desvendado em reportagem e a opinião estampada nas páginas dos jornais tem um papel determinante nas transformações que as sociedades vivem ao longo das décadas.

Os meios se transformam, se modernizam, ganham agilidade e capacidade de mostrar a notícia em todo esplendor, com cores, movimentos, sons e textos. Mas, por trás da notícia está um conceito, ou melhor, uma profissão, o jornalismo. O desenvolvimento de uma sociedade está intimamente ligado à qualidade do jornalismo que ela produz, que ela lê, que ela financia. Nestes últimos dias de 2010 foi manchete na Folha de S. Paulo que o governo pulverizou sua verba de publicidade entre 8,094 veículos de comunicação, contra apenas 499 privilegiados que recebiam toda a publicidade oficial até 2002. De 182 cidades que recebiam dinheiro para manter seu jornalismo, a verba de R$ 2,3 bilhões por ano foi dividida por 2.733 municípios. Claro, esta não é toda a verba de publicidade do mercado brasileiro, mas certamente é uma fatia significativa.

Esta democratização das verbas de publicidade está permitindo que  mais veículos de comunicação possam fazer a si mesmos a pergunta sobre o tipo de jornalismo que a sociedade onde estão inseridos precisa. Quando se fala em democratização da comunicação não necessariamente se está falando na criação de mais veículos vinculados ao Estado, mas sim à oferta de recursos para que o empreendedorismo floresça entre as empresas que produzem jornalismo, em emissoras de rádio e TV, jornais, sites de internet e qualquer meio que ainda venha a ser inventado para veicular notícias, reportagens e opinião. Mesmo esta entidade à qual chamam de “mercado” vai acabar percebendo que alimentar o pluralismo da mídia e irrigar cada vez mais veículos com suas verbas de publicidade é “bom para os negócios”. 

Sociedades modernas, inovadoras, capazes de estimular o empreendedorismo em suas formas mais dinâmicas precisam de jornalismo de qualidade, capaz de oferecer alternativas e desvendar caminhos, assim como apontar o dedo para suas feridas mais recônditas. Jornalismo é isso, contar as histórias que movem as pessoas, as mesmas pessoas que atuam nas escolas, nas empresas e nos governos, e que precisam ter um olhar abrangente sobre a realidade. O jornalismo que precisamos não é muito diferente do jornalismo que combateu as ditaduras do século XX, nem é distinto do jornalismo que aprendeu a lidar com os problemas complexos da economia inflacionária dos primeiros governos eleitos no Brasil. Certamente os meios são muitos e diferentes, mas o jornalismo não, deve ser exercido cotidianamente com os olhos voltados para a sociedade à qual serve.

Não é o jornalismo que deve mudar, são as pautas. Não adianta mais fazer sempre as mesmas perguntas, as respostas não se encaixam mais. A sociedade do século XXI não pode mais ser dividida em Norte e Sul, em A, B e C, em ricos e pobres, em desenvolvidos e sub-desenvolvidos. As pautas são outras. Talvez a maior diferença entre o jornalismo de agora e o jornalismo de ontem, que insiste em sobreviver em algumas redações, é que não se pode apenas “formar opinião”, é necessário “ter opinião”, e isso representa um risco para os editores, principalmente para aqueles acostumados a construir suas manchetes a partir de valores que só encontram paralelos nos camaleões. As pautas deste século são aquelas que mostram o que a sociedade precisa saber e não apenas o entretenimento do cotidiano. Há que continuar a ter espaços para espairecer, mas há que se ter, e com consistência, notícias, reportagens e artigos que mostrem onde estamos e quais são as opções de futuro.

O jornalismo não pode lavar as mãos diante dos desafios que a sociedade humana enfrenta e enfrentará ao longo deste século. As pautas não podem apenas olhar o passado e relatar, qual um motorista que dirige olhando pelo retrovisor, apenas o que ficou para trás. Desta forma a sociedade a quem a mídia deve servir vai cegamente acelerar em direção à tragédia. O jornalismo do século XXI deve ser plural, democrático, estar presente na cobertura local de cada comunidade, ser feito por profissionais que vejam além das obviedades dos interesses menores do “custo por mil”, e deverá ser um parceiro ativo na construção de futuros onde a vida seja um bem maior e a felicidade uma meta tangível.

Se me perguntarem agora, no apagar das luzes do governo Lula, qual é sua maior realização, creio que foi ter aumentado de 499 para 8.094 os meios de comunicação que receberam recursos para fazer jornalismo. Dinheiro para pagar repórteres, comprar papel, garantir o jornal de amanhã, seja ele no rádio, na TV, na internet, ou nas bancas de jornais. Estes números contrapõem com muita clareza a afirmação de alguns poucos veículos, que certamente estavam entre os 499 privilegiados, de que o governo Lula flertou com a censura. 

As agências de publicidade que atuam no Brasil, que detêm o poder de financiar a informação e o jornalismo que a sociedade precisa para enfrentar os desafios deste século, precisam compreender que as pessoas não podem mais ser explicadas por sua classe social e seu poder de consumo. A cidadania se tornou mais complexa do que isso e muitas empresas já compreenderam isso. É necessário construir conhecimentos que tenham uma relação direta com as necessidades do amanhã e isso somente pode ser feito com pluralismo de fontes e de opiniões. Estas agências e seus clientes são vítimas de sua própria estratégia de centralização de verbas de publicidade. Os poucos veículos privilegiados subiram ao Olimpo da mídia e cobram cada vez mais caro por seus minutos e centímetros.

As empresas do século XXI precisam olhar para sua publicidade como parte fundamental do modelo de negócios e visão de mundo. Publicidade descolada de valores não terá vida longa neste século. É preciso ter juízo de valor sobre as informações, sobre o jornalismo que se está financiando para a sociedade. (Envolverde)



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