A América Latina e os países árabes
Autor Javier Santiso
Valor Econômico - 30/12/2010
As relações entre os países emergentes estão ficando mais densas. A velocidade em que se estruturam é, por si só, chamativa. Esses movimentos são mais um exemplo da tendência mundial em direção a um mundo muito mais descentralizado.
Dentro das mudanças que estamos presenciando, chama a atenção a intensificação das relações econômicas entre os países emergentes. A China, claro, está no epicentro dessas mudanças, mas há também novas conexões sul-sul sendo estruturadas. Um desses eixos emergentes é o da América Latina com os países árabes.
Esses vínculos não são novos. Historicamente, as diásporas no Oriente Médio vincularam-se com a América Latina. Símbolo dessas migrações são os empresários de origem síria ou libanesa que, em alguns casos, ergueram verdadeiros impérios (estima-se que existam cerca de 20 milhões de latino-americanos de origem árabe na região, sendo sete milhões no Brasil). O caso mais chamativo é o de Carlos Slim, maior fortuna do continente, dono do grupo Carso, da Telmexe América Móvil, além de muitas outras empresas. As relações com a península árabe, no entanto, até recentemente eram menos desenvolvidas. Na década de 2000, os vínculos multiplicaram-se com intensidade inédita, graças em particular aos fundos soberanos desses países.
Recentemente, o Abu Dhabi Investment Authority(Adia), dos Emirados Árabes Unidos, maior fundo soberano do mundo junto aos fundos Safee CIC, da China, começou a investir na América Latina, por meio de fundos latino-americanos, como o Southern Cross Groupe outros gestores de ativos internacionais. O Adic, outro fundo soberano de Abu Dhabi, acaba de entrar, neste mês, no capital do banco brasileiro BTG Pactualcom uma quantia entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões. A holding Al Qudra, por sua vez, tem interesse no setor agroindustrial brasileiro, enquanto o fundo de investimentos em participações Abu Dhabi Mubadala(que possui 20% dos investimentos fora dos Emirados Árabes Unidos) também planeja diversificar-se em direção ao Brasil. Em 2009, uma delegação de Abu Dhabi visitou 14 países no Hemisfério Ocidental, procurando ampliar o espectro de possíveis investimentos.
Em janeiro de 2010, o emir do Catar, xeique Hamad Al-Thani, visitou a Argentina, Brasil e Venezuela, em busca de oportunidades. Entre as empresas investidoras árabes, a operadora de portos DP Worldparticipou na construção do porto de Callao, no Peru e prevê investimento de US$ 250 milhões em Cuba, com a ideia de transformar o porto de Mariel em uma instalação de primeiro nível mundial. Outros fizeram investimentos importantes, como, por exemplo, o investimento de cerca de US$ 330 milhões de outro fundo, o Aabar Investments, de Abu Dhabi, no Banco Santanderno Brasil. Em outubro de 2010, a Qatar Holdings, adquiriu 5% da unidade brasileira do banco espanhol por cerca de US$ 2,7 bilhões. Investidores do Oriente Médio e fundos soberanos, como o Adia, Adic (agora Invest AD), Mubadala, AIC e KIA, avaliam agronegócios, petróleo e gás, ativos comerciais, hotéis, fontes de energia renováveis e mineração na América Latina.
O setor agroindustrial e tudo que seja ligado a água (um bem em escassez na península arábica) é particularmente atraente. A Cosan, maior produtora mundial de cana-de-açúcar e etanol, criou uma filial especializada na localização e avaliação de terras agrícolas, a Radar Propriedades Agrícolas. Esse interesse pela região não é surpresa: a América Latina concentra cerca de 30% do total das reservas mundiais de água, sendo 13% apenas no Brasil. Esse ouro azul está se tornando tão precioso quanto o ouro negro.
Neste ano, os países árabes foram o terceiro principal parceiro comercial do Brasil, absorvendo mais de US$ 10 bilhões de exportações brasileiras, cerca de 11% do total exportado pelo Brasil.
As relações entre os países emergentes estão ficando mais densas. A velocidade em que se estruturam é, por si só, chamativa. Nesse sentido, a vinculação entre América Latina e os países da península árabe são mais um exemplo da tendência mundial em direção a um mundo muito mais descentralizado.
Javier Santiso é professor de economia na escola de administração Esade e diretor do Centro de Economia e Geopolítica Global da Esade
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