Brasil já tem dois trabalhadores para cada idoso ou criança, condição que só acontece uma vez na história
Leandro Modé – O Estado SP
Um dos fatores estruturais que explicam o otimismo dos investidores internacionais com o Brasil atende por uma expressão ainda pouco conhecida que, à primeira vista, soa quase como charada de jogo de tabuleiro: bônus demográfico.
Em síntese, trata-se de um período no qual a população economicamente ativa supera largamente a de dependentes, composta por idosos e crianças. Segundo especialistas, é uma condição propícia ao desenvolvimento de uma economia.
“O Brasil do início do século 21 passa por uma combinação entre uma estrutura demográfica e uma estrutura social que realçam uma proporção da população em idade em que o retorno social e econômico das pessoas é maior”, explica o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), José Eustáquio Diniz Alves.
Nesse contexto, diz o professor, “a população não é um entrave, mas sim um fator impulsionador da “decolagem” do desenvolvimento”.
O País chegou ao bônus demográfico porque a taxa de natalidade caiu fortemente a partir do fim dos anos 70, em uma velocidade maior do que diminuiu a taxa de mortalidade. Ou seja, com o passar dos anos, a soma de idosos e crianças se tornou bem menor do que o total de pessoas na ativa.
Dados compilados pela professora do instituto Insper (ex-Ibmec São Paulo) Regina Madalozzo, a pedido do Estado, mostram que, em 1950, as crianças e os idosos, juntos, representavam 44,6% da população brasileira. Os adultos (pessoas entre 15 e 60 anos) eram 55,4%. Em 2010, a proporção é de 32,4% e 67,6%, respectivamente. O auge do bônus demográfico deve ocorrer por volta de 2020, quando a proporção de adultos deve alcançar 70,4% do total.
Outra forma de entender o assunto é olhar a proporção entre pessoas ativas e inativas. Segundo Alves, na década de 70, cada pessoa na ativa era responsável por uma inativa. Hoje, essa relação é de uma para 0,50.
CRESCIMENTO
Dois exemplos citados pelo especialista dão a dimensão da importância dessa condição para o crescimento econômico. Segundo ele, a reconstrução da Europa e do Japão, no pós-guerra, foi facilitada porque ambas as regiões passavam por um bônus demográfico.
O professor do Ence também faz um alerta. “Em qualquer país, só se pode usar uma vez o bônus demográfico. No entanto, essa janela de oportunidade de nada adiantará para a solução dos problemas sociais se o Brasil não for capaz de absorver a mão de obra disponível e incentivar as potencialidades da alta proporção de pessoas capazes de contribuir para a elevação da produção e da produtividade.”
EDUCAÇÃO
Como diz o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Rangel, “não há um receituário médico para aproveitar o bônus demográfico para crescer”.
Ainda assim, os especialistas avaliam que é vital o país que passa por um bônus demográfico ter políticas de emprego, educação e saúde. Rangel observa que esse é um período mais propício para, por exemplo, discutir a qualidade da escola no País.
“Imagine que os recursos públicos que antes iam para a construção de escolas agora podem ir para insumos que façam com que a aprendizagem realmente aconteça dentro daquelas construções”, pondera.
BOMBA RELÓGIO
Os especialistas também chamam a atenção para o momento pós bônus demográfico, especialmente no que se refere à sustentabilidade do sistema brasileiro de previdência.
“A bonança não pode ser para sempre. Os jovens de hoje vão virar a massa de trabalhadores que vai ter de conviver com uma grande massa de idosos”, diz Rangel. “Se os cofres públicos precisam das contribuições correntes para custear os benefícios, o bônus também é uma bomba relógio.”
A professora Regina vai na mesma linha. “Falamos da necessidade de reforma do sistema previdenciário há 15 anos. Os governos reconhecem o problema, mas ninguém faz”, pondera.
“Por ora, não reformar é um custo político. Mas, em breve, passará também a ter um custo econômico”, ressalta a professora do instituto Insper. “Imagine o que aconteceria se pessoas que já estão velhas enfrentassem um calote.”
‘Conhecemos o valor do trabalho’
Na família de Telma, os quatro filhos, entre 20 e 24 anos, estão na ativa
Na casa da costureira Telma Maria da Silva Carvalho, ninguém fica parado. Mãe de quatro filhos entre 20 e 24 anos, todos trabalham com carteira assinada. A mais velha, Maria da Conceição, casada e mãe de Guilherme, de dois anos, trabalha no departamento de contabilidade de uma grande rede varejista, onde começou como operadora de caixa. Francisco, o filho de 23 anos, também trabalha no varejo e faz faculdade de administração de empresas. A profissão será seguida pela caçula de 20 anos, Maria do Socorro, que cursa a mesma faculdade, paga com o salário que ganha como encarregada dos operadores de caixa em uma rede de restaurantes. O outro filho, José de Paulo, 22 anos, casado e pai de Yasmin, de um ano, trabalha em um buffet nos Jardins.
A renda dos filhos solteiros ajuda a complementar a renda mensal da família, atualmente na faixa de R$ 2.500. O marido de Telma, José Carvalho, possui uma aposentadoria por acidente de trabalho mas continua na ativa, fazendo trabalhos temporários como carpinteiro e eletricista. “Aqui todos conhecem bem o valor do trabalho”, diz Telma, orgulhosa de ter os filhos “encaminhados na vida” e de já ter garantido a compra da casa própria. Desde que chegou a São Paulo, vinda do Piauí há 13 anos, Telma fez de tudo. Foi faxineira, diarista, vendedora de cosméticos e hoje costura para fora. Assim criou os filhos – e neles incutiu a visão de que é preciso esforço para mudar de vida.
Empreendedora, Telma abriu uma microempresa com a irmã em Teresina, onde passou os últimos cinco meses. O negócio, uma confecção de moda feminina, ainda dá pouco dinheiro – mas ela não se importa. Ela precisou voltar a São Paulo no mês passado para ajudar o marido a se recuperar de um problema de saúde, e já está pronta para voltar ao trabalho.
Fonte: Leituras Favre
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