O ano da apoteose
Autor(es): Paulo Moreira Leite
Época - 04/01/2010
Até a oposição fala em crescimento do consumo, da renda, do emprego...
NAS COMPRAS
Na 25 de Março, em São Paulo, um sinal do clima para 2010: desemprego baixo, salário em alta
"Dinheiro não aceita desaforo”, repete o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para lembrar que é sempre recomendável manter uma postura de prudência nos raros momentos da história em que os dados sobre emprego, consumo e investimentos parecem bonitos demais para ser verdadeiros. Ainda fresco na memória, o colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008, só reforça o valor dessa lição. Boa parte do planeta ainda não se recuperou do precipício de 2008. Abrigo da maior economia do mundo, os Estados Unidos enfrentam uma conjuntura de altos e baixos. Na Europa, a Alemanha dá sinais de uma retomada vigorosa, mas a Grécia afundou, e Espanha, Portugal e Itália estão em situação muito ruim.
Ao lado de um pequeno grupo de países liderados pela China e pela Índia, que nem chegaram a entrar em recessão, a economia brasileira é um destaque identificado e conhecido no início de 2010. O Brasil afundou 12 pontos porcentuais no início da crise e, embora os dados finais não tenham sido computados, é certo que 2009 terminou em crescimento econômico zero, ou até um pouco menos. Nos últimos meses o país voltou a crescer de forma acelerada e entra em 2010 como um sucesso mundial, observam autoridades ligadas ao governo e à oposição.
A maioria dos estudiosos considera que um bom crescimento de 2010 já é um fato ao alcance da mão. A pergunta, na verdade, envolve a capacidade de criar um ciclo prolongado de 15 anos de expansão, no fim do qual o Brasil estaria classificado entre as cinco maiores economias do mundo.
Para 2010, a previsão do Banco Central é que o Brasil cresça 5,8%. Se confirmado, esse número será um dos maiores em 20 anos. No Ministério da Fazenda, o número é 5%. A oposição enxerga a mesma situação. Num artigo recente, no qual lembrava que o Brasil voltará a crescer a taxas “bastante elevadas em 2010”, o empresário Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, diz que “alguns indicadores econômicos já estão em níveis superiores ao que prevalecia antes de setembro do ano passado. O número de empregados com carteira assinada, a massa de salários e mesmo o volume de crédito ao consumo são alguns exemplos relevantes dessa realidade extraordinária”.
O Grupo de Conjuntura da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fundap), que abastece o governo José Serra de informações econômicas, aponta para um crescimento de 4,5% em 2010 e elabora duas variáveis. Mesmo no cenário pessimista, com uma eventual onda de falências nos países desenvolvidos, o Grupo de Conjuntura considera que o Brasil “tem mecanismos de defesa” e será capaz de manter um crescimento de 3,5%. No cenário otimista, com uma recuperação mais rápida da economia mundial, o Brasil poderá crescer num patamar próximo dos 6%.
No Brasil de 2010, algumas projeções impressionam. Auxiliada por isenções de IPI que ameaçam se tornar permanentes de tão duradouras, a indústria automobilística prepara-se para cravar um novo recorde de produção com um total de 3,4 milhões de veículos – ante 3,2 milhões em 2008, o segundo melhor ano. Com estímulo da Copa do Mundo da África do Sul, a indústria eletrônica prevê que televisores de tecnologia mais avançada – plasma, LCD e assemelhados – vão se tornar maioria nas residências brasileiras, aposentando boa parte dos velhos aparelhos de tubo. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria informa que 68% das empresas têm planos de investir em máquinas e equipamentos em 2010.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse a ÉPOCA estar convencido de que “2010 será um ano inesquecível para muitos brasileiros. Eles vão lembrar de 2010 como um ano em que a economia foi muito bem e puderam viver com mais conforto”. O governo estima que em 2010 será criado 1,8 milhão de postos de trabalho, gerando a menor taxa de desemprego desde que o IBGE começou a medi-la com essa metodologia, em 2002. Brasília também calcula que os investimentos públicos e privados, que começaram a crescer no final de 2009, darão um salto de 20% em 2010, chegando a um patamar de 18%. É uma taxa bem ruim, mas já foi muito pior. Outra projeção é que o rendimento dos salários deverá subir 6,6% e o consumo das famílias deverá elevar-se a 6,1%. Referindo-se ao período conhecido como “milagre econômico”, durante o regime militar, Meirelles, do BC, sustenta que o Brasil poderá viver um ano “comparável aos melhores anos da década de 70”.
“Estão cortando as fatias do último peru disponível”, diz, bem-humorado, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, conselheiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos econômicos. Belluzzo lembra dois fatores que atraem investimentos externos, um dos principais motores do crescimento recente do país. Um deles é a valorização do real diante do dólar. O outro é a diferença entre a taxa de juros dos Estados Unidos (0,25%) e a do Brasil (8,75%).
“O país vai lembrar de 2010 como um ano muito bom na economia”
GUIDO MANTEGA, ministro da Fazenda
CAMPANHA
Lula e Dilma inauguram uma Casa da Mulher, no Rio, pouco antes do Natal. Em ano eleitoral, o PIB cresce até 2% por causa de obras
Mas há fatores de outra natureza que fazem a economia andar em boa velocidade. São as novas oportunidades de investimento, abertas em anos recentes, como a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas em 2016 e as primeiras obras do pré-sal. No ano eleitoral de 2010, o conjunto do aparelho do Estado estará mobilizado para terminar e inaugurar grandes obras, seja o PAC da ministra Dilma Rousseff, seja o Rodoanel do governador José Serra, além de investimentos de outros governadores e prefeitos ligados a uma campanha ou a outra. Estima-se que apenas esses gastos ajudarão a elevar o PIB entre 1 e 2 pontos porcentuais.
Além das realidades materiais, há um aspecto subjetivo: a confiança no país aumentou, numa escala muito além das estatísticas que medem o chamado risco país, que há anos frequenta patamares baixos. Não é a primeira vez que o Brasil tem boa saúde econômica. Mas nem sempre se conseguia enxergar isso. O olhar sobre o país mudou, como mostra a imprensa estrangeira, que anota cada melhoria com cuidado e gosto.
O principal fator objetivo do crescimento é o crédito. Embora a taxa de juros permaneça uma das mais altas do mundo, entrou em queda acelerada no final de 2008. Os prazos de financiamento se alongaram. Algumas dificuldades burocráticas diminuíram. A mudança principal é que o governo abriu o cofre e passou a trabalhar para que os bancos privados fizessem o mesmo. As linhas de crédito individual do Banco do Brasil chegam a 2010 num patamar 75% mais alto que nos anos anteriores. Na Caixa Econômica Federal, a evolução foi de 50%. Ocupado em salvar empresas em dificuldade e promover fusões, o BNDES multiplicou os financiamentos. Entre os bancos privados nacionais, ocorreu uma elevação modesta, mas real, de 8,8%. Nos bancos multinacionais, às voltas com o abismo de suas matrizes, ocorreu uma queda.
Alimento indispensável mas nem sempre visível da economia, o crédito juntou duas necessidades elementares. Permitiu às empresas renovar seus estoques – e deu fôlego para o consumidor fazer compras. É esse o impulso em vigor no ano que se inicia. Em um ano, a oferta de dinheiro saltou 20% e em 2010 chegará a 48% do PIB. É muito menos do que em muitos países no mesmo grau de desenvolvimento, mas já é um avanço. Na metade da década, não chegava a um terço do PIB.
A oportunidade que se abre para o Brasil a partir de 2010 envolve as vantagens e as desvantagens de um país numa situação definida como atraso relativo. A desvantagem é que a população ainda enfrenta carências e desconfortos de bom tamanho. A vantagem é que já se atingiu um determinado grau de desenvolvimento, o que facilita a chegada de investimentos necessários a um progresso rápido. Se as economias desenvolvidas dão sinais de esgotamento até nas opções para crescer, em países como o Brasil essa oportunidade é mais clara. “Hoje fazemos 3 milhões de carros por ano, poderemos fazer cinco vezes mais daqui a alguns anos”, afirma Meirelles. “Se temos uma renda per capita da ordem de US$ 8 mil, poderemos avançar muito aí.”
“Vamos enfrentar uma situação em que os problemas são bons de resolver, porque implicam melhorar a vida dos cidadãos”, afirma Guido Mantega. “Faltarão engenheiros e teremos de formá-los ou trazer de volta aqueles que abandonaram a profissão. Vamos precisar de profissionais especializados.” Compreende-se o espírito natalino diante de um ano que lembra Papai Noel, mas são tarefas mais fáceis de falar que de fazer.
O Brasil atravessou uma década especialmente feliz, em que a classe média se tornou a principal fatia da sociedade brasileira. A parcela mais pobre obteve ganhos significativos com a recuperação nos ganhos do salário mínimo e muitos dos que não tinham nada passaram a receber o Bolsa Família.
O esforço para sair da crise econômica não foi pequeno. As medidas anticíclicas (o governo gasta em períodos de recessão) custaram R$ 35 bilhões, entre redução de impostos, desonerações e aumento nos investimentos. O governo está convencido de que, com isso, conseguiu evitar uma queda de 3 pontos no PIB, que teria jogado o país numa recessão da qual seria muito mais difícil sair.
A questão é o que fazer no pós-2010. Os enormes gastos do governo fizeram sentido em 2009, quando era preciso correr do abismo, mas embutem um risco enorme num país em que o nível de impostos é exorbitante e a dívida interna ameaça sair do controle. O desafio, agora, é manter a recuperação sem os estímulos que podem se transformar em mecanismos contraproducentes, que trabalham contra o crescimento e criam pressões inflacionárias. O debate, agora, diz respeito aos próximos 15 anos. Por uma feliz coincidência, o ano de 2010 será a oportunidade ideal para esse debate, nas eleições que vão permitir aos brasileiros escolher quem vai sentar-se no Planalto em 2011 – com a responsabilidade de adotar medidas que semeiem um futuro tão ou mais promissor que 2010.
Otimismo realista
As boas previsões para o novo ano
Fontes: BC, Ministério da Fazenda, sindicatos empresariais, Fundap
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