Zé Dirceu paga pelos seus erros, talvez pela arrogância no início do governo Lula, mas certamente hoje é homem mais odiado pela mídia brasileira.
Uma apuração feita nas sombras
Como uma matéria da revista Veja virou caso de polícia e confundiu Civita com Murdoch.
Em entrevista à Carta Maior, José Dirceu avalia o episódio e diz que a revista se meteu numa empreitada muito arriscada, do ponto de vista jurídico. Para ele, trata-se de uma estratégia para separar, para a opinião pública, as imagens do PT e da presidenta Dilma Rousseff ("Dilma sim, o PT, não") e também a "preparação política" para seu julgamento no Supremo Tribunal Federal, no processo do chamado "mensalão".
Maria Inês Nassif, André Barrocal e Lourdes Nassif
Uma foto com óculos escuros e terno na capa da edição 2232 da revista Veja, para ilustrar o título "O poderoso chefão". Nas páginas internas, a exposição de imagens filmadas no corredor do hotel Naoum, em Brasília, onde o personagem ocupa duas suites como escritório. Elas datam do início de junho e são um desfile de autoridades e políticos que teriam acorrido ao hotel para conversar com uma sinistra figura, desenhada na abertura da matéria com óculos escuros, gravata vermelha e um fundo vermelho-PT.
A revista faz o cálculo de que o personagem da história teria gasto 45 horas em reuniões com aliados politicos para conspirar contra o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, que caiu finalmente no dia 7 daquele mês. A matéria conclui com a frase: "a máfia não perdoa". Esse é mais um capítulo da conturbada relação de José Dirceu com a grande imprensa. Este episódio terminou numa delegacia de polícia e em inevitáveis comparações entre o estilo Veja e o modo Rupert Murdoch de fazer jornalismo, que levou à extinção do jornal britânico News of the World, do império do magnata das comunicações, depois que se tornou pública a prática do veículo de usar escutas ilegais e comprar informações de agentes de polícia.
Segundo boletim de ocorrência feito pelo chefe de segurança do Hotel Naoum, Gilmar Lima de Souza, a camareira Jôse Maia Medeiros foi abordada pelo repórter Gustavo Ribeiro, que dizia ser hóspede de um dos dois quartos usados pelo ex-ministro, por cessão do escritório de advocacia Tessele Madalena Advogados Associados. O repórter tentou convencer a camareira de que esquecera a chave dentro do quarto e pediu a ela para abri-lo. Jôse desconfiou e foi conferir o nome na relação de hóspedes. Não constava. Mais tarde, o repórter voltou ao hotel e hospedou-se na suite 1607, vizinha à de Dirceu. Era o dia 24 de agosto. A material saiu na edição que foi às bancas no dia 31, depois que o hotel registrou queixa na delegacia. Curiosamente, não há menção à matéria de capa na Carta ao Leitor, o editorial da revista.
No final da matéria, a revista dá a sua versão sobre o episódio policial por ela protagonizado: diz que Madalena, o advogado que aluga as suites usadas por Dirceu, "instou a segurança do hotel Naoum a procurar a delegacia de polícia para acusar o repórter da Veja de ter tentado invadir o apartamento que seu escritório aluga e, gentilmente, cede como 'ocupação residencial' a José Dirceu?. Segundo a revista, o repórter estava lá para investigar "as atividades de um personagem que age sempre na sombra".
Segundo o ex-ministro, a revista incorreu na violação de vários direitos garantidos pelo extenso artigo 5° da Constituição, como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (item X); a inviolabilidade da casa do indivíduo (item XI) e o direito à reunião. O hotel ainda não sabe se incorreu em algum crime. Segundo apurou a Carta Maior, a direção do Naoum não tem conhecimento se as imagens publicadas pela Veja foram do circuito interno de segurança e vazadas por algum funcionário.
Ao contrário das matérias anteriores publicadas contra ele, quando o próprio PT evitou defendê-lo com grande estardalhaço, o episódio Veja terminou até em nota oficial de apoio do seu partido. E em inúmeros telefonemas de solidariedade.
Na quinta-feira, em seu escritório, localizado na avenida República do Líbano, o ex-ministro José Dirceu enumerou as razões pelas quais, a seu ver, a revista se meteu numa empreitada tão arriscada, do ponto de vista jurídico. Para ele, trata-se de uma estratégia para separar, para a opinião pública, as imagens do PT e da presidenta Dilma Rousseff ("Dilma sim, o PT, não") e também a "preparação política" para seu julgamento no Supremo Tribunal Federal, no processo do chamado "mensalão"?. Ele calcula que o STF pode ter o processo pronto para julgamento até fevereiro ou março. Se passar daí, deixa de ser interessante, tanto para o Supremo como para os implicados, bancar um julgamento ainda em 2012, devido a proximidade das eleições. "Daí o julgamento vai ser politizado". "Eu quero ser julgado", garante Dirceu, que na sua vida pública acumulou processos e hoje só tem pendente o julgamento no STF. Ganhou foro privilegiado sem querer.
Existiam cinco processos contra ele correndo em instâncias inferiores. Foi absolvido em primeira e segunda instâncias em todos eles. Responde a um, com seu filho, o hoje deputado Zeca Dirceu - ambos também foram absolvidos em primeira e segunda instâncias. Também passou incólume por uma devasssa de 18 meses da Receita Federal. "Recebi um atestado de idoneidade", avalia. E espera que o pleno do STF reconheça que o inquérito policial não tem nenhuma prova contra ele. "A instrução da PF me absolveu", garante. Hoje, Dirceu calcula que gaste 50% de seu tempo trabalhando na sua defesa. A outra metade, dedica em partes iguais à militância partidária, como membro do Duretório Nacional, e ao trabalho profissional. Não nega que ainda tenha prestígio no partido. Não admite, contudo, que tenha influência no governo.
O ex-ministro não abre mão de opinar sobre questões partidárias. E não esconde que é consultado sobre questões estratégicas para o partido. Na entrevista à Carta Maior, falou como dirigente partidário, ao defender que o PT assuma bandeiras que o governo petista, por força de suas alianças, não pode assumir, e tome para si o trabalho de convencimento da opinião pública. Uma das causas defendidas é a taxação do capital e das grandes fortunas. Veja trechos da entrevista.
O PT tem que colocar na agenda a taxação do capital, defende Dirceu
Carta Maior: Existe a possibilidade de o PT incluir em sua agenda a taxação de lucros bancários e remessas para o exterior, mesmo sendo governo?
José Dirceu: O Congresso do PT, neste momento, não discute apenas o apoio à Reforma Tributária, mas de uma Reforma Tributária progressiva, em que os que ganham menos paguem menos, os que ganham mais, paguem mais. Além da desoneração de investimento e produção, uma reforma que olhe as grandes fortunas e os lucros extraordinários do capital, como aliás está sendo discutido nos Estados Unidos e na União Européia. O Nicolas Sarkozi e a Angela Merkel falam de uma tributação de operações financeiras, e o Barack Obama, que é insuspeito, também pensa em taxar os ricos.
A discussão de se esse tipo de imposto é racional foi contaminada por 20 anos de conservadorismo nos Estados Unidos. Lá, houve uma desoneração das classes ricas e uma oneração das classes médias, do trabalhador americano. Os EUA têm que sustentar os investimentos sociais e, principalmente, os investimentos em pesquisas e inovação. Eu acho que, se para os Estados Unidos vale esse debate, e para a Europa também, vale mais ainda para o Brasil, onde os lucros financeiros são fantásticos e é grande a a concentracão de renda.
Carta Maior: Isso não pode afugentar capital, em um momento de crise como esse?
José Dirceu: Não vejo como. Vai fugir do Brasil por que se a taxa de retorno do país é a mais elevada do que em qualquer país do mundo? O Brasil, entre os Brics, é o melhor destino de investimento. Aliás, há uma corrida de investidores americanos para o Brasil nesse momento, e no setor produtivo.
Carta Maior: Como um partido de governo consegue assumir essas bandeiras mais progressistas sem desequilibrar o Executivo?
José Dirceu - Essa tarefa é do partido, não é do governo. Por certo, a agenda do governo depende da correlação de forças na sociedade e no parlamento. O partido tem que ser a vanguarda. Por exemplo, a regulação da mídia. É o partido que tem que assumir esta bandeira. O PT tem que esclarecer à sociedade que isso não tem nada a ver com censura, que existe desde Portugal aos Estados Unidos, desde a Austrália ao Canadá; que na Grã-Bretanha, inclusive, é uma regulação fortíssima. Se o partido não faz isso, quem é que vai fazer? Por exemplo, a Reforma Política, o partido é que tem que lutar por ela. O Lula apresentou um projeto, chamou o seu ministro da Justiça, o seu articulador politico, consultou a sociedade, a presidenta tomou posse defendendo a Reforma Política. Agora, cabe ao partido. O PT está na vanguarda dessa luta, fez propaganda, fez material, fez pesquisa.
O relator na Câmara, Henrique Fontana, é do PT e está fazendo grandes esforços para aprovar o projeto, mesmo com alguns recuos do partido, para viabilizar pelo menos o financiamento público com voto misto. É natural que o partido saia na frente. Assumir bandeiras é tarefa do partido. Há 10 ou 15 anos atrás, quem levantou as bandeiras dos direitos da mulher e dos homossexuais, a luta pela mudança da legislação para garantir espaço a quem tem necessidade especial, a legislação sobre direitos humanos, foi o o PT. O governo vai assumindo na medida em que cria condições na sociedade, inclusive para isso.
Carta Maior: Como você avalia o relacionamento da Dilma com o PT?
José Dirceu - Muito bom. O relacionamento dela com o Rui Falcão (presidente do PT) e com a Executiva tem sido permanente, flui bem. Ela tem prestigiado o PT nos momentos mais importantes e assumiu a articulacão política. Nos primeiros meses de governo, é natural que um presidente não tenha como assumir a articulacyão. Dilma também enfrentou uma crise internacional gravíssima e depois toda essa situação de mudança de ministros. No ultimo mês, ela assumiu muito a articulação política.
Carta Maior: E isso é bom?
José Dirceu: Acho que houve uma melhora na articulacão política do governo com uma presença maior da presidenta. A relação está muito boa. Aliás, acho que nunca houve uma relação tão boa como agora, pelo menos de presença, assiduidade, entre a presidenta e o presidente do PT. No governo Lula, a relação entre governo e partido fluiu bem apenas nos três primeiros anos. Depois do episódio dos "aloprados", ela ficou bastante comprometida.
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