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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Educação e o paradigma econômico


Edição de O POVO de 020110:

Educação e o paradigma econômico

Elisa Pinheiro de Freitas
02 Jan 2010 - 01h34min

Quando se imagina já ter visto de tudo, logo se percebe que os eventos ou ações mais inusitadas se sucedem ocasionando rupturas profundas em meio à sociedade. E as reflexões que deveriam ter força de transformação se esvaem e não cumprem sua função de nortear os caminhos a serem percorridos.

Recentemente, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, aprovou o projeto de lei que reestrutura a carreira do magistério público paulista. De acordo com a determinada lei o profissional do ensino obterá aumento salarial mediante as sucessivas avaliações. Mas isso não é tudo. Além de ter que passar pelo crivo da prova, o professor poderá ficar sem receber o reajuste, não pelo fato de ter sido reprovado, mas porque nem todos estarão entre os 20% para os quais a lei prevê o abono.

Urge chamar a atenção de toda a sociedade brasileira para pensar sobre esse modelo que condiciona a melhoria salarial do magistério às progressivas avaliações realizadas pelos docentes e que está sendo implementado no Estado de São Paulo.

Não temos dúvidas de que a educação no Brasil constitui um dos gargalos que impede o país de avançar nos diferentes setores da sociedade. Historicamente, o sistema de ensino ineficiente e os salários mal pagos aos professores contribuíram para o baixo nível intelectual da população, fato este que interferiu diretamente no desenvolvimento nacional. Diante disso, a questão que se coloca é a seguinte: é possível solucionar o mal estar no qual se encontra os sistemas públicos de ensino engendrando no ínsito dos mesmos mecanismos de exclusão, como é na sua essência, o projeto de valorização salarial proposto no Estado de São Paulo?

A meritocracia, cujo valor subjaz o projeto de lei PLC 29, antes de tudo, deve ser amplamente debatida junto aqueles que serão diretamente atingidos por tal política. Se essa forma de premiar já está consolidada na iniciativa privada, isso não quer dizer que esse critério logrará êxito na esfera estatal, tendo em vista que o bem-comum e a manutenção da segurança de todos foram premissas que estiveram no fundamento do processo de constituição das nações-estado. O espírito competitivo está na base dos interesses privados, que por si, são essencialmente egoístas. E para regular essa concorrência desmedida, o Estado tem o dever de se contrapor a essa tendência e proporcionar ações mais democráticas, dito de outro modo, que assegure o bem estar a todos. Tendo como referência esses pressupostos, parece-nos que a política do mérito aplicada na rede estadual paulista, caminha na contramão do modelo de estado que tem como alicerce o bem-comum, porque o fato do projeto de lei não garantir a universalidade dos aumentos a toda categoria, mostra sobre quais valores o atual governo se sustenta.

Somente os cegos de espírito podem defender uma política que tem na exclusão um valor. A literatura tem enfatizado o quão importante é a figura do professor no processo de civilização do homem. Contudo, há que se afirmar que o docente está completamente desacreditado na sociedade. O imaginário social vê neste profissional alguém que não cumpre com as suas funções básicas: promover a aprendizagem. Esse contexto serve de guia para os jovens quanto a escolha de ser ou não um educador. A desmotivação em seguir essa carreira não está relacionada ao baixo rendimento apenas, mas a conotação negativa que se vincula a imagem do profissional do ensino. Nesta perspectiva, constitui um engodo afirmar que o projeto de lei aprovado em São Paulo irá funcionar como um chamariz de novos talentos. As escolas públicas, em sua grande maioria, estão situadas nas áreas de maior vulnerabilidade social, ou seja, nas zonas periféricas dos centros urbanos. O cotidiano nessas escolas inclui insultos, agressões físicas e verbais, sentimento de impotência diante dos problemas sociais que se manifestam no interior da sala de aula. Enfim, um misto de contradições que a primeira vista é insolúvel. E são estas circunstâncias que fazem parte do dia-a-dia daqueles que atuam na condição de professor da rede pública.

Mediante ao que foi exposto acima, chega-se a conclusão de que temos o triunfo do paradigma economicista de se pensar os dilemas da educação. Como constitui um problema orçamentário reajustar os salários de uma categoria numerosa e sabe-se que com uma remuneração insignificante não há como viabilizar melhorias na qualidade das escolas, opta-se pela política de castas com o véu do mérito: no topo estarão os 20% mais ``aptos`` e na base os 80% que sobrarem. Ora, historicamente, um dos papeis do estado foi o de corrigir as distorções presentes no interior da sociedade provocadas pelas relações econômicas desiguais e não o de gerá-las. Além disso, observa-se que as ações alicerçadas no aprofundamento das disparidades legaram conseqüências nefastas para todo o corpo social. Nesse sentido, pergunta-se: valerá à pena insistir em medidas que só reforçarão a perda de coesão de uma categoria já esfacelada social, política e economicamente? Percebe-se, portanto, que a sociedade brasileira não poderá eximir-se de debater os rumos das políticas pensadas e implementadas para a educação


ELISA PINHEIRO DE FREITAS
Geógrafa, Mestre e Doutoranda em Geografia pela Universidade de São Paulo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sempre q posso, venho até qaqí e encontro algo interessante prá ler.

Gosto de seu cyber boteco. Parabéns e continue.
2010 será ano de arranca rabo, ou eles ou nós, entao, vamo votar na Dilma, senao a merda volta.

Inté,
Murilo

olhosdosertao disse...

Olá Murilo valeu pela participação. Pessoas como você fazem a minha motivação aumentar e contribuir para a construção de um Brasil melhor para a nossa descendência aqui neste país.
Abraços.
Luis