Brasil, promessa que se cumpre
Autor(es): Javier Santiso
Valor Econômico - 04/01/2010
O Brasil é o alvo preferido dos investidores externos, mas existem desafios como a produtividade defasada
No princípio da década de 2000, o Brasil flertou com uma crise profunda e ficou a ponto de suspender os pagamentos de sua dívida. Em 2002, os mercados financeiros assustaram-se ante a possibilidade de ver o líder da esquerda brasileira, Lula, chegar ao poder. No fim da mesma década, o Brasil é um dos mercados financeiros e economias emergentes preferidos dos investidores. O entusiasmo dos mercados é tanto que o Brasil teve de impor controles para tentar esfriar o assédio amoroso dos fluxos de capitais. Estamos ante outra bolha financeira ou a promessa brasileira como mercado do futuro está se cumprindo?
O Brasil é a maior economia da América Latina e se impôs na década de 2000 como um dos principais mercados emergentes, ao lado da China, Índia e Rússia. A crise financeira mundial, longe de danificar a trajetória brasileira, parece tê-la consolidado: em 2009 o país pouco crescerá, mas em 2010, de acordo com dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deverá aproximar-se de seu crescimento potencial, com expansão de quase 5% do Produto Interno Bruto (PIB); enquanto as agências avaliadoras de risco reduziam as notas de alguns países da OCDE, outorgaram ao Brasil em 2009 o grau de investimento e, como se isso fosse pouco, o Rio de Janeiro conseguiu atrair os Jogos Olímpicos, pela primeira vez na história da América do Sul.
O Brasil já gozou no passado de uma democracia consolidada, alto crescimento e baixa inflação, mas jamais havia conseguido alinhar essas três estrelas ao mesmo tempo, algo que o atual governo conseguiu. Com uma população de 192 milhões de habitantes, possui um dos mercados de consumo mais amplos. Suas riquezas naturais e de hidrocarbonetos e a impressionante capacidade agrícola (em algumas regiões as terras são tão férteis que é possível obter até três colheitas no mesmo ano) são a inveja de muitos vizinhos, próximos e longínquos. Esses fatores configuram um dos maiores potenciais das economias emergentes, que os diferentes governos de Cardoso e, agora, Lula souberam não apenas cuidar, mas também tornar realidade, por meio de políticas econômicas pragmáticas e consistentes, afinadas ano após ano., como no Chile, que acaba de incorporar-se à OCDE.
Uma prova dos tempos de mudança é que em 2009 permitiu-se o luxo de emprestar pela primeira vez dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), algo quase impensável no início da mesma década. Enquanto os investimentos diretos no mundo despencavam 14% em 2008, o Brasil via uma forte entrada de investidores, com os investimentos externos diretos subindo 30% em relação ao ano anterior. Dessa forma, em 2008, o país recebeu um recorde de US$ 45 bilhões em investimentos, o que tornou a economia do país no segundo maior destino de investidores externos diretos entre os países emergentes, atrás da China.
Certamente, restam muitos desafios e caminhos a percorrer para o Brasil. No âmbito comercial, embora tenha se diversificado suas exportações de forma impressionante, conseguindo alcançar novos mercados no Oriente Médio e Ásia, a economia brasileira continua sendo relativamente fechada, com o comércio exterior tendo representado apenas 25% do PIB em 2008, pouco menos do que há cerca de 60 anos. As taxas de juros reais continuam sendo uma das maiores do mundo, com a taxa básica nominal estando em 8,75% no fim de 2009. O governo brasileiro conseguiu melhorar substancialmente o perfil de sua dívida, mas quando deseja bônus de longo prazo, em geral, precisa vinculá-los à inflação, o que torna o serviço de sua dívida um pouco mais caro do que o usual.
A produtividade do país está defasada, o sistema judicial é anômalo e o educacional pode ser bastante aperfeiçoado. O investimento em pesquisa e desenvolvimento é inferior ao dos países da OCDE e depende do governo em 55% de seu total. Uma economia como a da Coreia do Sul, que em 1960 era mais pobre que a do Brasil e hoje possui uma população que mal chega a 25% da brasileira, registra 30 vezes mais patentes a cada ano. O governo, no entanto, está encarando todos esses desafios, começando pela redução da pobreza e das desigualdades, algo que os governos brasileiros enfrentaram com voluntarismo e imaginação, via programas solidários como o Bolsa Família.
O sucesso brasileiro é boa notícia para as empresas nacionais e estrangeiras. O recente lançamento de ações no Brasil da filial do banco Santander trouxe uma capitalização comparável à totalidade do banco alemão Deutsche Bank. O êxito da bolsa brasileira foi tão grande que até criou certa preocupação sobre a criação de uma nova bolha. Para frear parte da valorização do real, o governo até introduziu uma taxa de 2% para desencorajar a entrada maciça de capitais de curto prazo, algo aplicado certa vez, em outros contextos e características pelo Chile, em 1991.
Outra prova do sucesso brasileiro é o fato de que o país agora exibe empresas multinacionais. Gerdau e CSN, no setor de aço, Vale, no de mineração, e Petrobras, no de petróleo, são algumas delas. A elas podem ser somadas algumas outras, como a Embraer, hoje concorrendo com a canadense Bombardier e a francesa Dassault em um segmento altamente tecnológico. A fusão entre Perdigão e Sadia trará outro gigante, a Brasil Foods, no setor agroindustrial, no qual também atua outra multinacional brasileira, a JBS-Friboi, umas das maiores do mundo no segmento. As construtoras e empresas de engenharia Odebrecht e Camargo Corrêa concorrem em praticamente todos os continentes, inclusive na África e Oriente Médio. No setor de cosméticos, a Natura também conquistou espaço global, enquanto o conglomerado industrial Votorantim e empresas têxteis como a Coteminas também alongam a lista (incompleta) de empresas brasileiras bem-sucedidas.
Na última lista das cem maiores empresas multinacionais emergentes do Boston Consulting Group, 14 são brasileiras. Muitas apostaram em mercados estrangeiros, como no caso da Embraer (quase 98% de suas vendas são realizadas fora do país), emblemático para um país cujas empresas se lançaram ao exterior. Tudo isso indica uma confiança redobrada, algo que sem dúvida é uma das principais alavancas para converter as promessas em realizações, algo que o Brasil está conseguindo.
Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário