Dilma Rousseff: “O Brasil é a formiga da vez”
Superada a pressão alta e o cansaço da véspera, a ministra Dilma Rousseff nos recebe na tarde do sábado, 26, na residência oficial da Casa Civil, na Península dos Ministros – zona residencial nobre de Brasília. Abre a porta pessoalmente. A única companhia é um labrador preto, o Nego, que atende com docilidade às ordens a dona. Na varanda, diante de uma grande jarra com água e do assessor de imprensa Oswaldo Buarim, a conversa preliminar é pontuada pela cordialidade mineira. Vai do noticiário dos jornais às agruras da vida de repórter de televisão. A entrevista começa, gravadores são acionados, e os últimos sinais de cansaço no rosto da ministra desaparecem à medida que as respostas avançam. Foram 58 minutos de conversa gravada que expressam em boa medida o modo de pensar de Dilma Roussef, e que permitem entrever o que poderá constar num eventual programa de governo – ainda que nenhuma das perguntas tenha sido diretamente esta.
Ao longo da semana, você poderá acompanhar os melhores momentos desta conversa com Dilma Rousseff.
R7 – O que explica que nós pudemos adotar medidas de política monetária e fiscal que fizeram que o governo fosse parte da solução e não parte do problema da crise econômica?
Dilma Rousseff - O enfrentamento das sistemáticas crises. Até então, o governo não tinha instrumento de combate às crises. Pelo contrário, ele passava a fazer uma política que aumentava o risco. Quando a crise começava internacionalmente no lado financeiro, o governo tinha um efeito dela direto sobre a sua dívida pública, que estava n a maioria indexada ao dólar. Então, havia uma violenta variação cambial.
No governo anterior, tínhamos um aumento estratosférico da dívida e, ao mesmo tempo, não tinha reserva. Era preciso recorrer ao Fundo Monetário e aceitar o receituário do Fundo. Os juros eram elevados à estratosfera. Segundo, não tinha política fiscal. Pelo contrário, eram cortes em investimentos. Interrompia-se o investimento em estrada… Aumento do salário mínimo, nem em sonho.
R7 – O que aconteceu agora?
Dilma – Nós fizemos uma política econômica que resultou numa situação completamente diferente. Reduzimos a dívida pública brasileira e inclusive pagamos a dívida. Nós somos credores líquidos. Não somos mais devedores líquidos quando se trata da relação do país com o exterior. Isso fez com que a gente pudesse acabar com esta história de indexar a dívida pública interna brasileira em dólar. Então, quando veio a crise, pelo con trário, a gente estava até com posições muito vantajosas e fizemos até uma valorização de ativos. O governo brasileiro ganhou no meio da crise. E nós estávamos com US$ 205 bilhões, US$ 208 bilhões em reservas. Hoje estamos com US$ 220 bilhões. Saímos da crise maiores do que entramos. Tínhamos musculatura para enfrentar o baque internacional.
Durante a crise pudemos abaixar os juros com estabilidade. A inflação estava sobre controle. Então, a política macroeconômica levada pelas autoridades do Banco Central e do Ministério da Fazenda foi correta, deu margem de manobra para ter política monetária. Aí, quando veio a crise, nós pegamos o compulsório e começamos a soltar dinheiro para os bancos. Um dos primeiros efeitos da crise foi a crise de crédito. Segundo lugar: demos uma imensa valorizada nos nossos bancos públicos.
Para o BNDES, no início da crise, nós passamos R$ 100 bilhões. Não perdemos a nossa capacidade de fazer política fiscal. Tanto assim que, no meio da crise, a Petrobras foi chamada a manter seu investimento ou até ampliá-lo, passando de R$ 114 bilhões para R$ 174 bilhões. Fizemos o Minha Casa, Minha Vida, porque a gente queria gerar emprego, e a construção civil é setor que tem capacidade enorme de gerar emprego. Colocamos R$ 28 bilhões em subsídio e R$ 70 bilhões em financiamento para produzir um milhão de casas. E ampliamos os recursos do PAC. Não paralisamos nada. Então, pela primeira vez, o Brasil viu o governo ser parte da solução ao invés de ser parte do problema. O governo pôde fazer isso porque havia uma estrada pronta. É como a história da cigarra e da formiga, né? O Brasil neste momento é a formiga da vez. Tinha sido sempre cigarra, mas agora é a formiga da vez.
R7 – A senhora realmente acredita que a crise está superada?
Dilma – Eu acho que, no Brasil, ela está mais superada do que no restante do mundo. A gente neste final de semana passada na reunião internacional em que o presidente compareceu. A crise melhorou no mundo inteiro. Aqui eu acho que nós saímos dela. No mundo melhorou significativamente.
É importante enfatizar é que as medidas para acabar com os fatores que levaram à crise não vêm sendo tomadas. É o problema de toda a regulação dos mercados financeiros. O problema de mudar a composição dos organismos multilaterais, tipo Fundo Monetário e Banco Mundial, e transformá-los em organismos e instrumentos de melhoria desta regulação. Aquilo que se prometeu, que era acabar com os paraísos fiscais, ainda que não se completou.
R7 – Devemos entender que a política econômica fica como está?
Dilma – Nada nunca na vida fica como está! Quando você melhora uma coisa é como se você criasse as condições para melhorá-la ainda mais. Eu acho que o fato de que a política econômica do Brasil estabi lizou o país, criou condições para a gente sair desta crise de cabeça erguida, nos dá hoje a condição de melhorar ainda mais. Prosseguir com algumas reformas. E no futuro promover uma redução maior de imposto. Melhorar a gestão pública.
O governo do presidente Lula teve de segurar toda a onda e segurar a casa no meio de uma grande turbulência. Nós assumimos com inflação de dois dígitos, sem reserva e dependendo do fundo monetário. E construímos as condições para sair disso totalmente. Hoje inclusive nós emprestamos para o fundo monetário dez bilhões de dólares.
O setor público teve de fazer um imenso esforço. O pessoal falava muito em ajuste fiscal. Durante um tempo esta expressão significava: desmonte do Estado. Acaba-se com as condições de o Estado planejar, não se cria a meritocracia, nem se profissionaliza a máquina pública. Aumenta-se a área de fiscalização, que se torna super-poderosa e bem remunerada. Já a área de execução vira sucata.
O PAC foi um esforço para trocar o pneu do carro com ele andando. Não havia projeto – o que é crucial. Não havia a cultura da execução ou da fiscalização. As pessoas são mal remuneradas… Agora, começou a melhorar. O governo fez um imenso esforço. O PAC é inviável sem engenheiros…
Fonte: Christina Lemos
Fonte: Christina Lemos
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