O alerta profético e Arruda
Coisas da Política
Autor(es): Raphael Bruno
Jornal do Brasil - 30/11/2009
Reta final das eleições para governador em 2006. Nas pesquisas de intenção de voto, o ex-senador José Roberto Arruda desponta como favorito, mas as oscilações nos percentuais do restantes dos postulantes tornam incerta a vitória do candidato de DEM já no primeiro turno. A então deputada distrital Arlete Sampaio, candidata do PT ao governo local, diante do que parecia ser a iminente "eleição de Arruda, faz um alerta em meio ao andamento protocolar de um,debate televisivo. Em tom profético, pede para que a população de Brasília e.arredores reconsidere em quem confiará o voto e o comando do governo pelos próximos quatro anos, "para não se arrepender" depois, como já havia acontecido antes. Arlete falava com a autoridade de quem havia perdido, anos antes, a eleição para o Senado pelo DF para o empresário Luiz Estevão, que acabaria cassado pelo seus pares acusado de envolvimento no desvio de R$ 169 milhões das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O alerta da petista, contudo, seria ignorado, e Arruda, hoje suspeito de operar esquema de pagamento e distribuição de propinas para sua base aliada, seria eleito governador do DF ainda em primeiro turno.
Arruda não é um marinheiro de primeira viagem em escândalos políticos de repercussão nacional. Por mais incrível que pareça, no entanto, as acusações, e principalmente as evidências que pesam contra ele, agora, são mais contundentes do que quando o democrata admitiu que havia conferido o violado painel de votação do Senado. Dificilmente o governador conseguirá superar a situação de maneira tão habilidosa quanto no passado. O áudio e o vídeo que o envolvem diretamente no esquema falam alto demais. O silêncio do governador horas após o episódio, mais ainda. Arruda parece tentar descobrir quão fundo as investigações chegaram, até que ponto a Polícia Federal avançou, para calcular que tipo de explicação e manobra é possível. Afinal, até então, contava com uma significativa aprovação da população e caminhava a passos firmes para a reeleição. Brasília completará 5O anos de existência em 2010 e uma festa gigantesca, com direito a atrações internacionais, promovida pelo governo, selaria com glórias o mandato democrata na capital da República. A disposição de um secretário para colaborar com a PF, todavia, talvez tenha que esfriar as comemorações.
Politicamente, o mais curioso é notar como o episódio gerou constrangimentos generalizados. O DEM, que muitas vezes se coloca como o guardião da moralidade nacional a denunciar todo e qualquer aparente deslize do governo federal, subitamente teve o seu único governador envolvido em acusação tão gritante. Num primeiro momento, agiu, como era de se esperar, com cautela, mantendo a confiança no político que despontava como uma de suas estrelas, figura destacada, até pelo cargo que ocupa, em seus programas televisivos. Na medida em que o peso das provas se fez sentir, entretanto, o partido foi forçado a adotar uma postura mais firme, exigindo explicações claras e convincentes de seu governador. Mas Arruda não é um Edmar Moreira, o deputado dono de um castelo. descartado pela legenda ao menor sinal de irregularidade. Se o governador do DF hoje sangra, o DEM sangra junto com ele. E o partido terá que ser duro com Arruda se deseja manter o mínimo de coerência com a atuação inquisitória que desenvolve na oposição ao governo Lula.
O PT, por sua vez, também merece, com as denúncias, sua dose de questionamentos. Acomodado com a minoria singela que tinha na Câmara Legislativa, fez, até o momento, uma oposição dócil ao governador. Nada a lembrar a combatividade dos tempos de oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso, quando o número de parlamentares do partido não afetava sua combatividade. A reação da legenda também oscilou de apelo por mais investigações e esclarecimentos, no início, aos cálculos envolvendo um eventual pedido de impeachment, após a divulgação das gravações envolvendo Arruda. O PT dá sinais de que, após sete anos no comando do Palácio do Planalto, sabe melhor ser governo do que oposição.
Não obstante, ainda que Arruda tenha alguma margem de manobra política, dada não só a mão leve do PT, mas principalmente a sua ampla e agora duvidosa maioria na Câmara Legislativa, ele ainda terá que responder legalmente por seu envolvimento em ilicitudes. E, quem sabe, em alguns meses, enfrentar as urnas. Sem dúvida, há, agora. uma chance maior de que elas, ainda que tardiamente, atentem para o alerta feito anos atrás por Arlete.
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