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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Educação que liberta e incomoda


Autor(es): Robson Campos Leite
Jornal do Brasil - 30/12/2009

Ao final do triste período da ditadura militar no Brasil – em que direitos, vidas e liberdades foram lamentavelmente cassados e destruídos – assistimos a um processo de anistia no qual importantes lideranças políticas brasileiras puderam retornar à nossa “pátria mãe gentil”. Personalidades, artistas, ex-mandatários, professores, enfim, um grupo de pessoas que, conforme nos disseram um dia os mestres Aldir Blanc e João Bosco na belíssima composição que conta uma parte dessa história na voz imortal da nossa saudosa Elis Regina, partiram “num rabo de foguete”. Que “sufoco louco” foi, sem sombra de dúvidas, aquele período da nossa história, encerrado com a realização do sonho da volta de pessoas que desejaram e lutaram, como o irmão do Henfil, por um país livre, democrático e com oportunidades iguais para todos e todas.

Entretanto, pouca gente sabe que nem todos os grandes protagonistas da resistência à ditadura puderam retornar ao Brasil naquele momento. Alguns – considerados ainda uma ameaça ao modelo de governo da época – precisaram adiar a sua volta.

Entre eles, o ex-coordenador do Plano Nacional de Alfabetização do Governo João Goulart que, por força de seu exílio com o golpe militar da época, foi para o Chile trabalhar no projeto de erradicação do analfabetismo do governo daquele país. Estou falando do grande mestre Paulo Freire.

O perigo do projeto de Paulo Freire para a ditadura do Brasil da época – que o impediu de ser anistiado no primeiro momento do período de reabertura política do Brasil no fim da década de 70 e no início dos anos 80 – era que ele não apenas alfabetizava o povo mas sobretudo gerava uma grande consciência política e cidadã.

Seu projeto – Plano Nacional de Alfabetização –, laboratório para a sua obra chamada Pedagogia do Oprimido e criada no Chile de Salvador Allende durante o seu exílio, simplesmente ensinava libertando.

Ele, por exemplo, substituía as antigas frases utilizadas em sala de aula de alfabetização de adultos como “vovó viu a uva” por “o povo tem o voto”. Fica fácil perceber o quanto esse tipo de trabalho se tornou uma ameaça não apenas à ditadura militar do Brasil da década de 70 mas também a todo tipo de governo opressor que tente explorar e enganar os seus cidadãos.

A quem interessa um povo consciente e capaz de pensar, refletir e agir por si mesmo? Faço essa pergunta por acreditar – e fico profundamente triste ao afirmar isso – que não é por acaso que a educação nunca tem a prioridade que merece nos debates e projetos nas casas legislativas brasileiras. Vejamos, por exemplo, o que aconteceu no início do mês de dezembro na Câmara Municipal do Rio de Janeiro: o Projeto de Lei 297/2009, de autoria do vereador Reimont Luiz, que instituiria o calendário escolar unificado na cidade do Rio de Janeiro – um avanço que já é realidade em diversos municípios e capitais do Brasil – e que chegou a ser aprovado em primeira votação foi, lamentavelmente, derrubado em definitivo por causa do veto do prefeito do Rio e, principalmente, pela incapacidade da casa legislativa em derrubar esse veto.

Qual o problema deste projeto que trata de uma justa e correta reivindicação dos professores em tentar unificar o tão sacrificado calendário escolar? Como poderemos efetivamente melhorar a educação se o seu profissional – que já ganha muito mal e é obrigado a trabalhar muito acima da carga horária ideal – não pode, sequer, ter o simples direito de tirar férias por força de um calendário desumano e cruel? Eu não encontro outra justificativa a não ser a mesma que fez com que a ditadura militar impedisse o professor Paulo Freire de voltar ao Brasil nos fins dos anos 70. Afinal de contas, volto a insistir, a quem interessa uma educação de qualidade? Ou, pior ainda, a quem interessa o processo de sucateamento da educação que aliena e exclui? Trata-se, de maneira triste e lamentável, de algo que costumo chamar de lógica perversa.

A mesma que impediu o retorno de Paulo Freire ao Brasil e que atrasou, por mais de 20 anos, a construção de uma verdadeira nação em nosso país através de uma educação de qualidade que forme, liberte e, desta forma, incomode, e muito, a certos tipos de políticos que, infelizmente, ainda atuam em nosso país.
Pode interessar a alguém o processo de sucateamento da educação, que aliena e exclui?

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