A Volta do Guerrilheiro
Quarenta anos após sua morte, um trabalho arqueológico resgata a imagem de Carlos Marighella em três exposições simultâneas pelo Brasil
Francisco Alves Filho
ANOS DE CHUMBO
Marighella (ao centro) poucos minutos antes de depor no Deops, em foto exposta em São Paulo, no Rio e em Salvador
Por muito tempo, a frase foi apenas um lugar-comum pichado por esquerdistas radicais em muros esquecidos de várias cidades: “Marighella vive!” Agora, 40 anos depois de sua morte, uma exposição de textos e fotos comprova que a memória do guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-1969), um dos principais nomes da resistência à ditadura de GetúlioVargas e contra o regime militar, realmente continua ativa. A exposição, que leva apenas o nome do ex-combatente, está em cartaz até o dia 24 de janeiro, simultaneamente, no Rio de Janeiro, na Caixa Cultural, em São Paulo, na Estação Pinacoteca, e em Salvador, no Teatro Castro Alves. “É uma figura interessante e pouco conhecida, que passou boa parte da vida na clandestinidade”, diz Isa Ferraz, curadora da mostra ao lado de Wladimir Sacchetta. Todas as três mostras contêm apenas fotos e textos assinados por ele ou sobre ele. Um de seus legados é o “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, que até hoje é estudado por Forças Armadas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil, por ser considerado um documento importante para a estratégia de combate. Este é o ponto forte da exposição: trazer à tona o pensamento de um homem que dedicou a vida aos seus ideais.
“Há poucos retratos dele e nenhuma imagem em movimento. Foi praticamente um trabalho de arqueologia”, explica Isa. Filho de uma baiana e um italiano, Marighella creditou ao pai o fato de ter trilhado o ativismo político. Em um dos textos reproduzidos num painel, o ex-combatente lembra um de seus ensinamentos: o caminho para uma vida melhor é “o fim da desigualdade econômica e a maior justiça entre os homens”. Em 1929, entrou para o PCB. “Em 1936, foi torturado, enfiaram alfinetes sob suas unhas. E ele não cedeu”, recorda o historiador Jacob Gorender, realçando uma de suas marcas, o destemor. Eleito deputado federal em 1946, acabou cassado pela ditadura Vargas dois anos depois.
Na década de 60, durante a ditadura militar, foi um dos fundadores do movimento de esquerda Aliança Libertadora Nacional, a ALN, e passou a ser visto como inimigo número 1 pelos agentes da repressão. Nessa época escreveu o manual de guerrilha que foi traduzido para dezenas de idiomas. Foi a partir das ideias e conceitos de Marighella que quase uma centena de jovens brasileiros de classe média embrenharam-se na divisa dos Estados do Tocantins e e do Pará na tentativa de criar um levante rural para derrubar o regime militar. A Guerrilha do Araguaia foi esmagada pelas Forças Armadas e boa parte dos inexperientes guerrilheiros sucumbiu à força do Exército, que mandou para a região mais de cinco mil soldados. Para muitos, o apoio de Marighella à luta armada foi um erro do guerrilheiro, que não conseguiu avaliar a falta de preparo de jovens urbanos para uma luta dura e desigual travada em uma região hostil. Além disso, credita-se também a Marighella uma parcela de culpa na avaliação – malfeita – de que a população rural deste Brasil distante se engajaria da mesma forma que os camponeses cubanos fizeram pouco mais de uma década antes na luta para a derrubada do regime militar.
Carlos Marighella foi assassinado em 4 de novembro de 1969, em São Paulo, por agentes da ditadura militar comandados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Um dos artigos da exposição é um texto do escritor Jorge Amado sobre sua morte: “Deixou mulher, irmãos e filho, deixou inúmeros amigos, um povo a quem amou desesperadamente (...)”. E conclui: “Uma ação de invencível juventude, de inabalável confiança na vida e no humanismo”. Para o sociólogo Florestan Fernandes, Marighella foi “condenado à morte cívica e à eliminação da memória coletiva”. Quatro décadas depois, com o País vivendo um momento político completamente diferente, de democracia e desenvolvimento, o guerrilheiro, enfim, ganha o reconhecimento oficial por sua luta, sua coerência, porém, sem esquecer seus equívocos.
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