Caso Siemens desmoraliza de vez a mídia engajada
247 - Nunca foi
tão fácil enxergar o cinismo, a desfaçatez e a hipocrisia da imprensa
brasileira. Bastou que um escândalo atingisse seus aliados políticos
tradicionais, para que essa postura viesse à tona. Do escândalo Siemens,
emerge uma mídia que opera com dois sistemas métricos distintos: um
para os amigos, outro para os adversários.
De todas as peças produzidas até
agora, a mais cara de pau é o editorial de Veja, assinado por Eurípedes
Alcântara. "Há indícios, mas não provas", diz o diretor de Veja. No
mundo da Editora Abril, os olhos estão fechados para os emails da
Siemens e da Alstom que falam em licitações combinadas e até em propinas
para grão-tucanos como Robson Marinho, ex-secretário da Casa Civil, e
Andrea Matarazzo, figura próxima a Mario Covas, José Serra e Fernando
Henrique Cardoso.
No mundo de Veja, não existem
provas, apenas indícios, mas há três anos a imprensa noticiou o bloqueio
de uma conta na Suíça atribuída a Robson Marinho, braço direito de
Mario Covas, cujos recursos seriam provenientes da Alstom (leia aqui
reportagem do Estado de S. Paulo). Documentos agora revelados – e
ignorados por Veja – falam que a propina da Alstom cobriria RM (Robson
Marinho), o partido (o PSDB) e a Secretaria de Energia (ocupada, à
época, por Matarazzo).
Como Eurípedes sabe que empresta sua
pena a um argumento indefensável, ele praticamente dá um piti, no seu
editorial. "A esta altura, porém, não há como esquecer que o PR, o PTB, o
PMDB e, claro, o PT acostumaram o Brasil a um padrão de escândalos tão
abundantes em provas e com enredo tão ousado quanto primário que é
impossível ser igualado. São dólares na cueca, mansão cheia de
prostitutas em Brasília, Land Rover, jatinhos, governo paralelo montado
em quartos de hotel, balcão de negócios dentro do Palácio do Planalto,
filme de corrupto embolsando dinheiro, confissão, drama, condenação à
prisão pelo STF – só não tem arrependimento".
O que ele não afirma é que o padrão
do metrô supera toda a sua descrição. Mais sofisticados, os tucanos
operaram com empresas internacionais, indicaram a elas que empresas
deveriam ser subcontratadas e, em alguns casos, como parece ser o de
Robson Marinho, apontaram as contas no exterior que deveriam receber os
recursos.
Diante das evidências, cai por terra
o argumento de que a imprensa brasileira representa "os olhos e ouvidos
da ação". Veja, por exemplo, é claramente caolha. Só enxerga o lado que
interessa. Mas não está só. Antes dela, o colunista Merval Pereira
lamentou a corrupção tucana e se apressou em inocentar o ex-governador
José Serra (leia aqui).
Reinaldo Azevedo deu um chilique e afirmou que a teoria do domínio do
fato, usada pela Polícia Federal para indiciar Andrea Matarazzo e pelo
Supremo Tribunal Federal para condenar José Dirceu, não poderia ser
aplicada ao político tucano (leia aqui).
Ora, se a mesma cautela fosse
aplicada aos adversários dessa mesma imprensa, o julgamento mais
emblemático dos últimos anos teria transcorrido de forma bem menos
turbulenta. No entanto, se para os amigos as provas podem ser
transformadas em indícios, para os adversários os indícios também podem
ser convertidos em provas. Além disso, essa mesma imprensa que faz da
ética seu cavalo de batalha se julga no direito de colocar a faca no
pescoço de juízes – como Veja faz nesta semana em relação a Ricardo
Lewandowski (leia aqui) – para defender seus interesses políticos, que, na prática, são interesses comerciais.
Pobres dos juízes e procuradores que
se deixam manipular por uma imprensa partidária, seletiva, autoritária
e, agora, totalmente desmoralizada.
PS: o editorial de Eurípedes termina
com a piada do ano. "Ao escândalo Siemens faltam evidências sólidas.
Tanto quanto as autoridades, os repórteres de Veja as estão buscando".
Podem rir à vontade.
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