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sábado, 16 de outubro de 2010

Sobre a hipocrisia eleitoral: Mônica Serra e a ‘assassina de criancinhas’

Viomundo

Por Conceição Oliveira do Blog Maria Frô, twitter: @maria_fro
Leitores e leitoras do blog me cobraram posição sobre a notícia de que Mônica Serra havia feito um aborto durante a Ditadura Militar no Chile. Apesar de ter lido tudo sobre o que saiu, recusava-me a discutir uma questão que continuo achando que é de âmbito privado, de interesse apenas do casal que toma uma decisão difícil como esta e que o Estado laico tem de encarar o aborto como uma questão de saúde pública, já que o aborto sem acompanhamento médico provoca a morte de milhares de mulheres pobres no país.  Assim, minha recusa em comentar este caso vem da repulsa de como a fé foi manipulada na discussão do aborto em prol da hipocrisia eleitoral.
De todos os boatos infundados desta campanha o mais danoso deles foi sem dúvida a manipulação da fé cristã em relação ao aborto.
Já falamos aqui que o PNDH3 não é uma invenção petista pois, além de incorporar em sua redação todos os planos anteriores do governo FHC (PNDH1 e PNDH2), teve a colaboração de toda sociedade civil em sua redação, foi resultado de um amplo debate, fruto de inúmeras conferências regionais, estaduais e nacional.
Questões básicas dos direitos civis como a garantia de união civil aos homossexuais, direito de herança, adoção etc., e a saúde da mulher, seus direitos reprodutivos e a descriminalização do aborto foram manipuladas eleitoralmente por José Serra, sua esposa, seus partidários e sua campanha. Independente de quem ocupar a presidência da República em 01/01/2011 a sociedade brasileira viveu nessas últimas semanas um retrocesso sem precedentes neste debate.
Blogueiros e blogueiras como eu que não cederam em relação à defesa dos princípios dos direitos civis sofremos ataques imensos. Tenho cerca de 70 comentários bloqueados no Maria Frô, fora os que apaguei e centenas de e-mails (alguns encaminhei para o Ministério Público) que nos acusam de tudo, nos demonizam pela nossa defesa do Estado Laico e republicano.
Nós mulheres e homens, cidadãs e cidadãos comprometidos com a democracia e os direitos civis, com os Direitos Humanos temos muito a lamentar por ter um candidato que para se manter na disputa eleitoral foi capaz de abandonar a tradição democrática de seu próprio partido na defesa dos Direitos Humanos, expressa nos PNDH1 e PNDH2, de ignorar medidas que ele próprio tomou em relação ao aborto (visto como  caso de saúde pública) e manipular bandeiras tão caras como: a saúde da mulher, a luta contra homofobia, tratando-as como coisas sujas, demoníacas.
Nos e-mails, contas do twitter, nas mensagens que fazem referência ao aborto enviados por essa campanha imunda nos assustamos diante do conteúdo e da percepção do quão baixa, agressiva e rasteira pode se levada a discussão sobre esses temas tão importantes. Fotos de bebês mortos sangrando estão expostas em alguns perfis de contas fakes no twitter, comunidades grotescas de estilo semelhante no orkut e textos horríveis mal escritos em letras garrafais xingam a candidata Dilma Rousseff de abortista, ‘assassina de criancinhas’, expressão que, segundo o Estadão, foi usada por Mônica Serra, esposa do candidato José Serra, num evento para evangélicos no Rio de Janeiro.
Para este blog, o fato de Mônica Serra ter feito um aborto seguro e não ter posto em risco a sua vida deveria ser um direito de todas as mulheres pobres que, como Mônica Serra, um dia tiveram de tomar esta decisão doloridíssima. Sobre isso Denise Arcoverde tratou hoje em seu blog: No exílio, Mônica e José Serra decidiram fazer um aborto seguro. Só eles podem?
Só espero que a sociedade civil organizada, defensora dos Direitos Humanos, dos direitos civis continue tendo energia para se sobrepor aos discursos oportunistas dentro e fora da campanha eleitoral, como os que vimos na mídia tradicional que criminalizou o PNDH3 na defesa de seus  interesses comerciais. Neste  sentido chama a atenção o fato de a Folha de São Paulo hoje, na coluna da jornalista  Mônica Bergamo, ter trazido o aborto de Mônica Serra para as páginas de seu jornal impresso e, ao mesmo tempo, não ter dado nenhum destaque para a coluna  na página das notícias sobre as eleições da Folha.com ou Portal da Uol.
Abaixo, reproduzo a coluna de Mônica Bergamo na Folha de São Paulo de hoje:
Monica Serra contou ter feito aborto, diz ex-aluna
Reportagem tentou ouvir mulher de candidato tucano por dois dias, sem sucesso
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O discurso do candidato à Presidência José Serra (PSDB) de que é contra o aborto por “valores cristãos”, que impedem a interrupção da gravidez em quaisquer circunstâncias, é questionado por ex-alunas de sua mulher, Monica Serra.
Num evento no Rio, há um mês, a psicóloga teria dito a um evangélico, segundo a Agência Estado, que a candidata Dilma Rousseff (PT), que já defendeu a descriminalização do aborto, é a favor de “matar criancinhas”.
Segundo relato feito à Folha por ex-alunas de Monica no curso de dança da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a então professora lhes contou em uma aula, em 1992, que fez um aborto quando estava no exílio com o marido.
Depois do golpe militar no Brasil, Serra se mudou para o Chile, onde conheceu a mulher. Em 1973, com o golpe que levou Augusto Pinochet ao poder, o casal se mudou para os Estados Unidos.
OUTRO LADO
A Folha tentou falar com Monica Serra durante dois dias para comentar o relato das ex-alunas, sem sucesso.
Um dia depois do debate da TV Bandeirantes, no domingo, 10, a bailarina Sheila Canevacci Ribeiro, 37, postou uma mensagem em seu Facebook para “deixar a minha indignação pelo posicionamento escorregadio de José Serra” em relação ao tema.
Ela escreveu que Serra não respeitava “tantas mulheres, começando pela sua própria mulher. Sim, Monica Serra já fez um aborto”. A mensagem foi replicada em outras páginas do site e em blogs.
“Com todo respeito que devo a essa minha professora, gostaria de revelar publicamente que muitas de nossas aulas foram regadas a discussões sobre o seu aborto traumático”, escreveu Sheila no Facebook. “Devemos prender Monica Serra caso seu marido fosse [sic] eleito presidente?”
À Folha a bailarina diz que “confirma cem por cento” tudo o que escreveu. Sheila afirma que não é filiada a partido político. Diz ter votado em Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) no primeiro turno. No segundo, estará no Líbano, onde participará de performance de arte.
Se estivesse no Brasil, optaria por Dilma Rousseff (PT). Sheila é filha da socióloga Majô Ribeiro, que foi aluna de mestrado na USP de Eva Blay, suplente de Fernando Henrique Cardoso no Senado em 1993. Majô foi pesquisadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP, fundado pela primeira-dama Ruth Cardoso (1930-2008).
Militante feminista, Majô foi candidata derrotada a vereadora e a vice-prefeita em Osasco pelo PSDB.
A socióloga disse à Folha estar “preocupada” com a filha, mas afirma que a criou para “ser uma mulher livre” e que ela “agiu como cidadã”.
Sheila é casada com o antropólogo italiano Massimo Canevacci, que foi professor de antropologia cultural na Universidade La Sapienza, em Roma, e hoje dirige pesquisas no Brasil.
A Folha localizou uma colega de classe de Sheila pelo Facebook. Professora de dança em Brasília, ela concordou em falar sob a condição de anonimato.
Contou que, nas aulas, as alunas se sentavam em círculos, criando uma situação de intimidade. Enquanto fazia gestos de dança, Monica explicava como marcas e traumas da vida alteram movimentos do corpo e se refletem na vida cotidiana.
Segundo a ex-estudante, as pessoas compartilhavam suas histórias, algo comum em uma aula de psicologia.
Nesse contexto, afirmou, Monica compartilhou sua história com o grupo de alunas. Disse ter feito o aborto por causa da ditadura.
Ainda de acordo com a ex-aluna, Monica disse que o futuro dela e do marido, José Serra, era muito incerto.
Quando engravidou, teria relatado Monica à então aluna, o casal se viu numa situação muito vulnerável.
“Ela não confessou. Ela contou”, diz Sheila Canevacci. “Não sou uma pessoa denunciando coisas. Mas [ela é] uma pessoa pública, que fala em público que é contra o aborto, é errado. Ela tem uma responsabilidade ética.”

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