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sábado, 30 de outubro de 2010

Duas eras em confronto


Duas eras em confronto - Revista ISTOÉ

PT e PSDB comandaram o País nos últimos 16 anos. Conheça quais são as diferenças entre as gestões e tenha mais elementos para definir o seu voto

Amauri Segalla e Luiza Villaméa
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TRUNFOS
A marca do governo Lula é o pré-sal. Na gestão tucana, as privatizações.
Abaixo, FHC com Wilma Motta, viúva de Sérgio Motta, 
e Mendonça de Barros, que caiu após escândalo

 
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A eleição do domingo 31 não vai apontar apenas o nome do vencedor da corrida presidencial. Ela também simboliza um inédito confronto entre os partidos que dominaram a cena política nos últimos anos – o PT e o PSDB. Pela primeira vez, os brasileiros terão como base de comparação dois períodos precisos, que duraram exatamente oito anos, e que ficaram marcados por diretrizes econômicas e ações políticas divergentes na maioria das vezes. O PSDB deteve o poder de 1995 a 2002, com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde 2003, é o PT quem dá as cartas por intermédio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A despeito de convicções ideológicas, tão exacerbadas nestes tempos de eleição, os dois inegavelmente estão na lista dos líderes mais importantes da história do Brasil. Ambos tiveram méritos e defeitos, erros e acertos, e é impossível não creditar à dupla o excepcional momento vivido pelo País. Mas, afinal, como comparar os dois governos? Por mais que um lado ou outro possa reclamar, não há forma mais justa de avaliar as duas eras do que colocar na mesa de discussões os indicadores de cada gestão. Foi isso o que ISTOÉ fez, no levantamento mais completo já realizado a respeito dos dois governos.
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Principalmente nas áreas econômica e social, a análise dos números indica que a gestão petista tem resultados melhores para apresentar. Nesse aspecto, o primeiro dado que chama a atenção é a evolução do Produto Interno Bruto (PIB), que traduz o aumento da riqueza de um país. Nos dois mandatos de FHC, a taxa média anual de crescimento foi de 2,3%. Nos governos Lula, o índice será de 4% (considerando uma alta do PIB de 7,5% em 2010, embora analistas independentes acreditem que a taxa possa chegar a 8%). Lula também conseguiu uma proeza notável: elevou a renda per capita brasileira a US$ 10 mil, um marco que aproxima o índice brasileiro do indicador observado em países desenvolvidos. Nesse ponto, FHC não brilhou. Entre 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique, e 2002, quando ele deixou o poder, a renda per capita brasileira caiu de US$ 4,85 mil para US$ 2,86 mil. Em defesa de FHC, é importante lembrar que ele enfrentou duas sérias crises (da Ásia e da Rússia), que causaram estragos mundo afora.
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REMÉDIO
O PSDB popularizou os genéricos, medicamentos mais baratos

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ALIMENTO
O PT criou o Bolsa Família, que tirou brasileiros da miséria

 
 
Para muitos especialistas, o principal acerto econômico do governo Lula foi a política de crédito. “A expansão brutal do crédito dinamizou a economia”, diz Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Ela gerou empregos, estimulou investimentos das empresas e blindou o Brasil diante das crises financeiras internacionais.” Com empréstimos mais acessíveis, as pessoas passaram a comprar mais bens, o que contribuiu para o aumento da produção industrial, mobilizada para atender à crescente demanda. Nesse ciclo, mais empregos foram gerados e, como consequência, veio o aumento da renda da população. Um dos efeitos colaterais dessa lógica capitalista é a alta inflacionária, em geral associada ao consumo desenfreado. Com metas de inflação rigorosamente cumpridas, o governo Lula não foi vencido por esse mal. No quesito controle de preços, motivo de orgulho para os tucanos, Lula também obteve um desempenho destacado. Na era Fernando Henrique, a inflação média foi de 9,1%. Nos oito anos de governo Lula, o índice deverá fechar abaixo de 6% – número surpreendente diante dos recorrentes argumentos utilizados pelos defensores de FHC, de que Lula supostamente levaria o País ao abismo inflacionário. “Lula demonstrou uma responsabilidade econômica que foi fundamental para o desenvolvimento do País”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.
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Justiça seja feita, Fernando Henrique herdou um quadro econômico muito mais complicado do que Lula. Inflação desenfreada, desconfiança internacional, empregos em declínio, investimentos minguados, tudo isso elevou de forma significativa os desafios colocados diante de seu governo. Ao PSDB deve ser atribuído o feito histórico de, enfim, consolidar no País uma moeda forte – o real –, que permitiu que os brasileiros controlassem suas despesas e planejassem melhor o futuro. A estabilidade econômica representou uma virada brutal, que fixou os alicerces necessários para sustentar o crescimento que viria mais adiante. Por sua vez, o PT pegou a casa relativamente arrumada, pronta para avançar num ritmo mais intenso. Lula, porém, foi suficientemente inteligente para prosseguir apostando no que funcionava. “Um dos méritos de Lula foi ter dado continuidade às políticas fiscal e monetária do governo Fernando Henrique”, diz Fleischer.
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ENERGIA 
Acima, apagão no governo FHC.
Abaixo, Lula no anúncio do pré-sal

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Embora a condução da política econômica tenha convergido em alguns pontos, as eras PSDB e PT possuem características muito distintas. Qual é a marca principal de cada governo? No caso FHC, seu maior legado foi a estabilidade da moeda, façanha reconhecida por economistas de qualquer inclinação ideológica. No campo das realizações, Fernando Henrique se notabilizou pelas privatizações. Apesar das críticas, o processo de venda das estatais trouxe a melhoria dos serviços e foi fundamental para a multiplicação dos resultados financeiros das empresas. Algumas delas – como as de telefonia – estiveram envoltas em suspeitas de favorecimento a grandes grupos econômicos, denúncia que culminou na demissão do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e do presidente do BNDES à época, André Lara Resende.

A principal marca do governo do PT é a política desenvolvimentista. Nos últimos oito anos, foram criadas as condições para que o consumo se acelerasse e as empresas incrementassem o nível de investimento. Iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) funcionaram como impulsionadoras de diversos setores – da construção civil à energia – e colocaram em circulação uma enxurrada de recursos. “A orientação do governo Lula foi muito mais pró-crescimento”, diz o professor Policarpo Lima, chefe do departamento de economia da Universidade Federal de Pernambuco. “Houve um crescimento regional mais bem distribuído.” O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que distribui recursos para todos os Estados, alcançou em 2010 seu nível mais alto de investimentos (R$ 15 bilhões, contra os R$ 2,5 bilhões aplicados em 2002). O Nordeste atingiu na era PT um desenvolvimento sem precedentes. Em 2010, os três Estados brasileiros que vão apresentar maior avanço do PIB serão Bahia, Ceará e Pernambuco, com indicadores muito próximos aos da China, o país que mais cresce no mundo. Uma das indutoras do avanço nordestino foi a Petrobras, que ganhou no governo Lula uma relevância que não tinha na gestão tucana. “No governo Lula, a indústria da construção naval foi implantada no Nordeste e isso tem a ver com a Petrobras, que está comprando os navios que são produzidos na região”, diz o professor Policarpo Lima.
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A Petrobras está por trás de uma das maiores fronteiras do desenvolvimento do País. Se o pré-sal confirmar o seu potencial, o Brasil vai ficar entre as seis nações que possuem as maiores reservas de petróleo, atrás apenas de Kuwait, Emirados Árabes, Irã, Iraque e Arábia Saudita. Lula deu sorte com o fato de as reservas serem descobertas em seu governo, mas afinal foi ele quem liberou os recursos que permitiram a pesquisa em novos campos de prospecção. “A Petrobras tem vários papéis importantes para a sociedade”, diz o sociólogo Carlos Roberto Winckler, da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Heuser, em Porto Alegre. “Os investimentos feitos pela empresa causam impacto, a começar pela ciência e tecnologia.” Lula foi perspicaz ao detectar a importância da petrolífera para a sua política desenvolvimentista – e, por isso, passou a usar a empresa como instrumento de marketing político. Funcionou. Em seu governo, o valor de mercado da Petrobras disparou e hoje ela está entre as três maiores corporações das Américas. No campo energético, o PSDB não teve a mesma performance. Os dois últimos anos do governo Fernando Henrique ficaram carimbados pela crise do apagão, que obrigou os brasileiros a racionar energia elétrica.
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EMPREGO E MOEDA FORTE
O PT criou 15 milhões de postos de trabalho
e o PSDB conseguiu estabilizar a moeda

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Nos últimos 16 anos de domínio de PSDB e PT, o Brasil se tornou um país muito melhor. As acertadas políticas econômicas dos dois períodos transformaram a vida de milhões de brasileiros. No campo social, provavelmente nenhuma outra nação passou por uma mudança tão veloz. No governo do PSDB, dois milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza. No governo petista, o contingente chegou a 23 milhões. Criado em 2003, o Bolsa Família teve um papel vital nesse processo. Ele atende 12,6 milhões de lares e, sozinho, foi responsável pela erradicação de quase 30% da extrema pobreza. “Um aspecto gritante, que salta aos olhos, é a ênfase do governo Lula na dimensão social”, diz o cientista político Fábio Wanderley, da Universidade Federal de Minas Gerais. “No governo Lula, houve uma transferência de renda muito grande, o que possibilitou a milhões de pessoas ascender socialmente”, afirma o sociólogo Winckler. Uma comparação simples dimensiona a transformação em curso no País. De 2003 a 2008, a renda dos 10% mais pobres aumentou 8% ao ano, enquanto os ganhos dos ricos cresceram 1,5%. Ou seja, na divisão da riqueza nacional, os pobres começaram enfim a reduzir a gigantesca desvantagem em relação aos que estão no topo da pirâmide. Na área social, o PSDB tem alguns trunfos para apresentar. O partido criou programas bem-sucedidos como o Bolsa Escola e o Cartão Alimentação, que em 2002 atenderam 3,6 milhões de famílias. O governo Fernando Henrique também foi marcado pela disseminação dos remédios genéricos, o que facilitou o acesso a medicamentos considerados de qualidade.
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Para muitos analistas, uma conquista que se deve aos dois governos é o inédito protagonismo internacional alcançado pelo Brasil. “Fernando Henrique começou a enfatizar a li derança brasileira na América do Sul e ambicionou a reforma na ONU para que o Brasil venha a assumir um assento permanente no Conselho de Segurança”, diz o cientista político David Fleischer. Segundo ele, porém, Lula deu mais ênfase a esse processo e abriu portas até então fechadas ao País. “Lula tem sido o que chamamos de presidente-chanceler, por ser realmente o promotor da política externa do País.” Algumas iniciativas marcantes alçaram o presidente à condição de líder internacional. Lula apostou suas fichas na estruturação do G-20 como um novo organismo de coordenação econômica mundial, algo que viria a se transformar em realidade. Sua visita ao Irã, com o objetivo de intermediar um acordo entre o país e as Nações Unidas para pavimentar o caminho da paz nuclear, foi vista inicialmente com ressalvas, mas acabaria por afirmar o Brasil como um grande ator em uma área em que nunca tinha tido participação. “Lula virou o segundo chefe de Estado brasileiro a visitar o Oriente Médio”, diz Fleischer. “O primeiro foi dom Pedro II, por volta de 1876.” Em oito anos de governo, entre 1995 e 2002, FHC fez 115 viagens internacionais. A marca foi batida com folga por Lula. Até outubro de 2010, ele tinha realizado 194 viagens para o Exterior.
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Qualquer que seja o resultado das eleições, o próximo presidente terá um desafio adicional. Fernando Henrique e Lula deixaram aos seus sucessores um indiscutível legado de estadistas e deram ao cargo de presidente a dimensão que ele merece. O novo presidente também vai largar tendo como base de comparação um passado marcado por incontáveis realizações. Por essas razões, será provavelmente mais complicado superá-las. Isso, porém, não tira do próximo líder o dever de fazer o País tão grande quanto ele deve ser – ou pelo menos tão grande quanto o PT e o PSDB o fizeram se transformar nos últimos 16 anos.
Colaboraram: Alan Rodrigues e Adriana Nicacio

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