Carta Capital
Por Val Klay*
Muitas das críticas ao governo Lula que semanalmente me chegam por e-mail são marcadas pela paranóia e pela falta de lucidez.
Principalmente quando o alvo é o próprio presidente, sobre quem as ofensas e acusações se disparam em adjetivos que vão do usual “analfabeto” até o despropositado “terrorista”, desfilando sandices tais como “nazista” ou “ditador” e até “anticristo”. Em certo e-mail, Lula, ao longo de uma abarrotada lista de comparações absurdas, é descrito como “pior que Adolf Hitler”. Noutro, surge personagem de Nostradamus, relatado pelo profeta medieval em alguma suposta centúria sobre uma “besta barbuda” que, no terceiro milênio, desceria sobre um “condado do hemisfério sul” atraindo para a desgraça o mesmo “povo tolo e leviano” que lhe deu poder. Que maldade!
Algumas visões sobre o desempenho do Brasil durante o atual governo são tão distorcidas e perniciosas que eu sequer cogitei em responder. Uns vêem no PT uma artimanha dos narcotraficantes colombianos das FARC que logo tomarão o país, outros vêem a ameaça de uma ditadura comunista transformando o Brasil, e logo a América latina inteira, numa imensa cuba continental.
“Eu não sou comunista, sou torneiro mecânico”, confessou o presidente da República.
Minha falha foi não ver que essa enxurrada de tolices, simples negação sem sentido, estava virando costume, uma brincadeira de mau gosto, e resultaria numa eficiente campanha de difamação que ajudou a comprometer a vitória no primeiro turno. Por que perder tempo com a faceta mais feia do debate eleitoral, com tanta discussão interessante ocorrendo web à fora? Qualquer tentativa era, no mínimo, desagradável. A falta de respeito pelas conquistas do governo Lula e sua popularidade, quanto mais infundada é, mais agressivamente se defende — chega a querer impor-se como um direito. O direito de discordar sem ter razão nenhuma. Parecia fútil tentar debater, quando as respostas mais decentes eram do seguinte calão:
hê, mas que papo furado ein…
vc ganhou dinheiro pra falar isso?
Vc mora no plano piloto?
A desinformação é o maior trunfo da oposição. Ninguém precisa ser comprado para apoiar o governo Lula. Basta conhecer a realidade para saber em quem votar.
Sim, eu moro no Plano Piloto. Sou professora de nível superior, já tendo lecionado inclusive na UNB, e agora possuo um pequeno estúdio de gravação onde também dito aulas de música, lidando com pessoas de diversas classes sociais diariamente. E posso afirmar sem vacilação que, ao longo do governo Lula, mais marcadamente durante o segundo mandato, passei a ter mais alunos e um nível de vida melhor. O aumento do poder aquisitivo das classes baixas diversificou minha pasta de alunos, beneficiando diretamente a minha vida profissional e pessoal. Gente que antes não tinha condições de cursar minhas aulas agora veio a poder e o tem feito com freqüência crescente.
E não apenas quem trabalha com serviços se beneficiou. Digam Merval Pereira e André Trigueiro o que quiserem, a verdade é que o período pós-PSDB se caracteriza por uma indústria nacional notavelmente favorável à política econômica do governo. A população está comprando mais. Os números históricos do natal passado, por exemplo, devem ter feito mais de uma edição da revista Veja ter o impulso de se rasgar sozinha. Carros, imóveis, eletrodomésticos, construção, educação, até turismo: um recorde setor após setor.
Então, pensando melhor, talvez seja verdade: eu defendo o atual governo porque ele me dá dinheiro. Admito.
Um governo bem-sucedido tem o efeito de um imenso esquema de compra de votos, sem ser um escândalo. Mantenha a economia em franco crescimento, com mais acesso facilitado a crédito e legítimos programas de assistência social e o que você tem em mãos é um verdadeiro mensalão de pobre. Foi a lição mais humilhante que a oposição (essa oposição que antes governava) aprendeu da Era Lula. A estratégia mais ardilosa para se manter no poder é praticar o grande golpe de ser realmente um bom governo.
Contra isso a única munição eficaz que existe é a desinformação. Por isso a oposição do tucano José Serra é tão dependente da grande mídia. Porque desinformar é o papel da imprensa. Ou ao menos tem sido. É o que explica porque ainda há tanta gente ignorando o que realmente estava acontecendo quando nós colocamos um metalúrgico sindicalista nordestino na presidência da república, oito anos atrás.
O Brasil passou a acompanhar, e em posição de destaque, a onda de renovação que está mudando a cultura política da América Latina.
Após séculos de exploração empobrecedora e dominação sócio-cultural, os governantes das nações latino-americanas em fim começam a ter a cara do povo que governam. O mesmo ocorre com seus governos, o que dá à fase em que vivemos um caráter de verdadeira transformação histórica. É o que explica a presidenta da argentina Cristina Kirchner ao diretor Oliver Stone no documentário Ao Sul da Fronteira, que analisa inclusive a poderosa muralha ideológica que se ergueu em resistência. Hoje mais que nunca as televisões, jornais e revistas mais influentes dessa parte do continente somam forças contra a renovação cultural, defendendo praticamente cada item da agenda norte-americana e cada interesse da pasta política do G-8, o clube dos oito países mais ricos do mundo. Aqueles mesmos que nos colonizaram em primeiro lugar.
A ALCA é um bom exemplo: todos os grandes veículos de comunicação latino-americanos — via de regra — pleiteiam relações unilaterais entre seus países e os EUA, todos combatem abertamente o MERCOSUL. O conchavo chega a ser escandaloso de tão evidente. E, como a impávida senhora Kirchner (com sua lei dos meios de comunicação) logo descobriu, é difícil tomar alguma medida que não seja automaticamente taxada de censura.
Onde o jornalismo pode criticar sem ser criticado, a liberdade de imprensa é inimiga da liberdade de expressão. Independente do que se ouve nesse grande coral montado pela Globo, a Veja, o Estadão e a Folha de São Paulo, não é a imprensa livre que eles estão protegendo. É o loby da grande mídia, da imprensa milionária, em nada livre, mas acorrentada aos óbvios interesses em comum e às inevitáveis coligações ideológicas (quase partidárias) que se espera de seus donos, as poderosas famiglias de sempre. Como o clã dos Nobre, lá na Argentina, e dos Marinho, aqui no Brasil.
“Em nenhuma democracia séria do mundo”, alerta o jornalista Paulo Henrique Amorim que debandou da Globo, como tantos, e hoje é um de seus grandes críticos, “jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil”. O poder de fogo que o loby da grande mídia, essa opinião pública artificial, aglomera em defesa de interesses imperialistas é devastador. “Eles se transformaram num partido político”, ironiza o jornalista, “o PiG, Partido da Imprensa Golpista”.
Na crise econômica mundial de 2008, era de partir o coração flagrar a Globo News, claramente, sem sombra de dúvidas, torcendo contra as medidas do governo, com retórica e clamor de oposição. Só faltou admitir. Depois eu vi, sem poder crer, com meus próprios olhos, mais de um jornalista se morder de raiva — visivelmente, cara feia em pleno horário nobre —, quando, por fim, o desempenho da equipe econômica de Lula deu uma rasteira na crise mundial. Contrariando os prognósticos, o governo, não somente livrou o Brasil de uma grave recessão (desemprego, inflação, etc.), mas compartilhou sua receita de salvação com outros países emergentes, como a Índia, dando uma aula de gerência e estadismo para os economistas neo-liberais dos países desenvolvidos. Aqueles mesmos que provocaram a crise em primeiro lugar.
Para o chamado padrão Globo de telejornalismo, aquela era uma notícia demasiado amarga de divulgar.
Míriam Leitão, por exemplo, num ritual jornalístico de pura aceitação, um ato de absoluta fé editorial que transcende provas, fatos e outros fenômenos mundanos, é uma das maiores pregadoras do mito lendário do governo incompetente. Incansável sacerdotiza da seita neo-liberal, passou as duas gestões do governo Lula enclaustrada no templo da Globo News, profetizando os piores apocalipses para o Brasil. E o fez com uma assiduidade e uma inflexibilidade tão religiosas que o mundo sem censura da Internet a batizou de “Urubóloga”. Enquanto isso, o prometido desastre econômico, que há quase oito anos está em vias de afundar a nação, acabou se acostumando a ser sistematicamente adiado para o trimestre que vem, quando aí sim virá, com certeza, como antes…
Essa é a mesma lógica circense dos articulistas da revista Veja: sendo contra o governo, pouco importa a consistência da crítica, o que importa é a constância. Numa verdadeira refutação da teoria de que os pessimistas são mais lúcidos, nunca um ser humano errou tanto quanto Diogo Mainardi. É como se não soubesse o que diz, já foi até processado! Esse sim é pago, e muito bem, para ter a “correta” opinião própria (ou imprópria, no caso) que possui sobre o atual governo. Mainardi, que eu me lembre, surgiu praticamente ao mesmo tempo que o governo petista, defendendo o neo-conservadorismo hereditário do clã Bush, os empobrecedores subsídios agrícolas dos países ricos, a guerra do petróleo, vários tópicos do gênero, enquanto chamava o Lula de brucutu e o povo brasileiro de burro.
Deixando de lado eventuais escândalos, como o da colunista Maria Rita Kehl, proibida pelo Estadão de escrever sobre política por elogiar o governo (isso não seria censura?), em geral a campanha de oposição por parte dos grandes jornais, embora forte, é mais sutil. Com exceção da Folha de São Paulo, é claro. “Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler”, fuzila Amorim. “Folha é aquele jornal (…) da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de bom caráter porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que avacalha o Presidente Lula por causa de um comercial de TV; que publica artigo sórdido de ex-militante do PT; e que é o que é porque o dono é o que é; nos anos militares a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores”.
Desaparecidos às centenas de milhares, presos políticos com seus filhos seqüestrados, jamais vistos, esquemas industriais de extermínio, ataques militarizados a resistências populares, nenhuma ditadura teria a menor viabilidade sem a meticulosa desinformação de povos inteiros, sem controle sobre a mídia. Embora isso seja assunto para outra parte desse artigo, não é mais segredo que, nos bastidores da grande mídia, era comum certa cumplicidade com os golpes militares que extorquiram a América Latina. Países como o Chile e a Argentina têm descoberto muita roupa suja totalitarista para lavar. E o Brasil não teve melhor sorte. Mesmo em períodos de repressão, o poder do dinheiro sobre a imprensa e a política se mostra o que há de mais persuasivo. A sombra silenciosa dos interesses imperialistas que paira sobre nós e nossas riquezas sempre reconheceu isso. Sai mais em conta subornar, comprar, que reprimir.
Principalmente quando nossas instituições são tão subservientes. A falta de respeito pela própria soberania já foi uma característica nacional. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, a frase célebre proferida pelo general Juracy Magalhães, no ano do golpe que poria o país de joelhos sob a mira de fuzis, jamais nos permitirá esquecer isso. Desde então, até quando o PSDB saiu da presidência, nós, todo o povo brasileiro, éramos um gigante sem peso, quase sem voz na própria vizinhança.
Hoje em dia Hugo Chaves declara: “A América Latina vai para onde o Brasil for”.
O Brasil de hoje é uma nação com cacife para dar conselhos e até financiar empréstimos para o Fundo Monetário Internacional, o famigerado FMI que, junto à obediência incompetente dos governos anteriores — principalmente o de FHC —, leiloou nossas maiores empresas sem conseguir tirar o Brasil do buraco, agravando a desigualdade social mesmo numa época de inflação controlada. Foi o mistério da “privataria”, pela qual hoje o Fernando Henrique culpa o Serra . “Eles venderam tudo e aumentaram a dívida”, reclamou o ex-ministro Delfin Neto.
Na contra-mão de tudo isso, o governo do PT fez o que todos diziam ser impossível: dignificou o salário mínimo, que subiu de 64 para mais de 291 dólares (valores de janeiro de 2010), sem quebrar a previdência, como o FHC previa. Aliás, pagou as dívidas do governo dele e tampou cada buraco deixado pelo PSDB, sem descontar nos desvalidos. Só nos últimos oito anos, 32 milhões de pessoas saíram da condição de miséria absoluta e se tornaram consumidores. Chamam a isso de “crescimento sustentável”, coisa que até então era só uma lenda. Agora os economistas estão vendo que é real, que é possível.
Com a mídia criticando cada passo, o governo Lula conseguiu baixar o IPI fazendo a indústria automobilística brasileira, assim como a linha branca de eletrodomésticos, bater recorde.Com a Dilma criou o PAC, um pacote de medidas que nos blindou contra a crise e hoje, inclusive, é imitado por outras nações. Abriu mais escolas e universidades que seus antecessores juntos (14 universidades públicas e estendeu mais de 40 campi), além de criar o PRÓ-UNI, um programa que leva filhos de famílias carentes à universidade (meio milhão de bolsas para pobres em escolas particulares). De tão competente, foi aceito sem resistências na liderança dos países emergentes (fato antes impensável), encurralando o imperialista G-8 com o estratégico G-20. (Cheque-mate!)
Ressuscitou o Proálcool, lutou pelo biodiesel e levou o país à liderança mundial de combustíveis renováveis. A televisão pode até não falar, mas o Brasil de hoje possui o maior programa de energia alternativa ao petróleo do planeta. E, por fim, colocou o primeiro negro no Supremo e uma mulher no comando da casa civil. Ela que, golpismos a parte, logo estará sentada na cadeira da presidência, como sucessora do maior presidente que esse país já teve.
Os resultados do governo Lula, aplaudidos por políticos e economistas do mundo inteiro, são uma vitória legítima da democracia nacional, demonstrável em números sólidos, conhecidos e respeitados — até mesmo pela oposição. Aqueles que, por desconhecimento ou preconceito, contribuem com essa campanha leviana de negação das conquistas e virtudes do atual governo estão deliberadamente prejudicando o desenvolvimento do país e o futuro da nossa gente.
Não vote na escuridão, vote bem informado.
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