Paulo Ghiraldelli Jr.
08/09/2010
As pesquisas de setembro indicam Serra com 21% e Dilma com 51%. Isso significa que em trinta anos Lula inverteu a política brasileira? Quando o PT começou sua trajetória, o partido passou vários anos sem ultrapassar a margem de 30% da preferência eleitoral. Alguns políticos que foram para o PSDB, então no PMDB, ganhavam todas. Agora, é o inverso. O que concluímos?
O eleitorado brasileiro foi mais para a esquerda nesses últimos trinta anos? Nem um centímetro! Vamos refrescar a memória e entender o que ocorreu com o PSDB, agora que parece que ele chega um ponto crítico na sua história.
Franco Montoro inaugurou no Brasil a social-democracia, com olhos voltados para a democracia liberal, antes mesmo de fundar o PSDB. Ele assim fez quando em 1982 se elegeu governador do Estado de São Paulo pelo PMDB. Brizola ainda mantinha o PDT como o partido filiado internacionalmente à social-democracia, mas ele sabia que na sua cola vinha o PMDB. O PMDB tinha a verdadeira cara de social-democrata, ao menos para o gosto do brasileiro.
Quando a transição para a democracia atingiu seu cume, com a entrada de Trancredo Neves e José Sarney para a Presidência da República em 1985, pelo PMDB, Brizola tinha certeza que ele viria a ser, logo depois, o primeiro presidente eleito do Brasil. Ele achava Tancredo conservador demais em termos econômicos – e estava certo nisso –, de modo que bastaria esperar e se colocar como o principal homem da oposição para abocanhar a Presidência, quando acabasse o primeiro mandato presidencial após o ciclo de presidentes militares. Ele estava convencido que só um programa social-democrata agradaria o brasileiro e que seu concorrente, o PMDB, com Tancredo, não agiria segundo tal programa.
As coisas se complicaram para Brizola, porque Tancredo faleceu e Sarney, em seu lugar, deu poder não ao sobrinho de Tancredo, Dornelles (PFL), visivelmente conservador e que teria sido o ministro forte do tio, e sim ao núcleo progressista do PMDB. Esse núcleo colocou no comando do projeto reformista Dílson Funaro, João Sayad e Amir Pazzianoto. Esses três homens tinham em mente uma nítida política social-democrata. Ainda que o Plano Cruzado comandado por eles tenha feito água, o êxito inicial deu votos para o PMDB e o transformou em um grande partido. Por mais que o PMDB pudesse se tornar conservador, ficou sua marca como partido popular não mais só por combate à ditadura, mas por ter tentado uma reforma que visava a melhoria real da vida da população. Isso realmente atrapalhou os planos de Brizola. Nublou sua liderança para além do que ele esperava que pudesse ocorrer. Sua oposição ao Plano Cruzado lhe deu mais desgastes que ganhos. Isso continuou a valer mesmo quando todo o Cruzado já havia virado pó no governo Sarney.
No final da década de oitenta, veio finalmente a eleição direta para Presidente da República e Collor, aproveitando-se da espiral inflacionária do último ano de Sarney, se elegeu fácil. Batendo todos os líderes à esquerda, Covas, Lula e o próprio Brizola, Collor pareceu, por um momento, que enterraria de vez o projeto social-democrata no Brasil. Mas, sua vitória, quando olhamos mais de perto e recordamos como ocorreu, não foi assim tão tranqüila. Sua vitória não significou a derrota da social democracia. Pois mesmo Collor, com seu ideário privatizante e sem qualquer programa social, no meio da campanha do segundo turno teve de soltar slogans de que ele era social-democrata e não um neoliberal, e isso não para garantir sua vitória que, enfim, já estava certa, mas para tentar acalmar a imprensa – era um sinal de que o ideário social democrata, embora em baixa, não havia morrido.
Daí em diante, o ideário social-democrata começou a voltar com força no mundo e no Brasil. As pessoas que haviam dito que todo funcionalismo público deveria acabar, logo se pegaram sonhando, novamente, com o emprego público. Nunca o Brasil esteve tão pronto para um partido como o PSDB como em meados dos anos noventa. Mas, mesmo assim, FHC não se elegeria se não fosse pelo Plano Real. Tal plano, em seu recorte inicial, não era uma plataforma neoliberal e, sim, um programa de estabilização da moeda que poderia dar esteio para uma política social democrata mais tarde. Mas não deu, ao menos não para os esforços do próprio PSDB. O fato de FHC ter sido sonolento e não ter tido entusiasmo para empreender tal política deixou, então, tudo nas mãos de Lula.
Lula nunca havia se pronunciado socialista e muito menos comunista. Quando perguntado sobre “o que era”, sempre se saia bem dizendo uma verdade: “sou torneiro mecânico”. Aprendeu com Ulisses Guimarães que só governaria um grande partido e, enfim, o Brasil, se não se definisse ideologicamente em termos de velhos rótulos. Deu certo. Lula foi agregando todas as forças social-democratas que podia. Pegou o PMDB e o PDT e segurou o discurso mais à esquerda do PT para se ajustar ao discurso dos novos aliados. Nisso, o brilhantismo do discurso de Zé Dirceu, interna e externamente, fez história. Ele deu para Lula um grande conglomerado de forças que insistia não em socialismo, mas em colocar o capitalismo “no eixo”, ou seja, ampliar o mercado interno sob o clima de estabilização da moeda conseguido por FHC. Essa foi a realização de Lula, ou seja, ele fez vingar a nossa social-democracia possível.
O que é, hoje, essa social-democracia de Lula? Nada além do aquecimento da economia em que o Estado volta a ser investidor e, ao mesmo tempo, num sabor ainda populista, mas com características institucionais não desprezíveis, a criação de uma série de programas sociais, alguns com bons resultados e outros com promessas que podem vingar. E uma sábia medida: nenhuma agressividade contra os banqueiros. Junto dessa política, um Lula de barba branca se apresenta à nação como uma espécie de “tiozão”, quase como Mitterrand, na França, no seu último mandato, quando ele já não era um “líder vermelho” e, sim, um “protetor da nação”.
Nessa trajetória toda, o eleitor brasileiro, em sua maioria, não foi um centímetro à esquerda. Ficou exatamente onde estava quando da eleição de Tancredo e Sarney. O que o brasileiro queria e quer é pouco, é exatamente o que Lula deu e que Dilma promete continuar: emprego com carteira assinada e poder de compra – mínimo! Talvez, com Dilma, queira mais um pouco: uma escola melhor, um hospital que funcione e o financiamento de um automóvel usado para o filho mais velho. Mas, diante de Serra e do PSDB, tudo isso é muito. Pois os políticos que restaram no PSDB nunca conseguiram fazer do partido uma agremiação popular. Nunca entenderam o que é que o brasileiro pede. Por isso, o PSDB chegou finalmente, agora que diz que vai ser “refundado”, no lugar que Ulisses Guimarães disse que ele chegaria: ao fracasso.
Hoje o PSDB representa exatamente aquilo que o lacerdismo representava: um grupo de conservadores. Ataca o projeto popular de Lula como o lacerdismo atacava o de Vargas, apontando corrupção e desvios relativos à democracia, mas sem legitimidade para tal. Pois, tanto quanto o lacerdismo, o PSDB tem telhado de vidro em se tratando de cuidar das liberdades democráticas e de colocar fim na corrupção. Então, na soma de prós e contras, a população agrega pontos negativos mais para o PSDB que, enfim, não consegue nunca ter um projeto para fazer o que FHC disse que seria necessário o partido fazer, “governar para os pobres”.
Ou seja: o nosso partido social-democrata no nome é o único, entre os grandes partidos, que não tem uma ação social-democrata. Nesses termos, o PSDB chegou ao fim de sua trajetória nessa eleição, se as pesquisas confirmarem Dilma vencedora já no primeiro turno. Pode não passar pelo que ocorreu com o PFL, que mudou até de nome, gerando o Democratas, mas que terá de se transformar inteiramente, isso terá, ou então, sem dúvida, aparecerá em 2011 como uma agremiação disforme, meio udenista-lacerdista, mas sem chances – felizmente – de chamar os militares para um golpe. E com chances cada vez mais diminutas no jogo eleitoral em que é necessário governar com alguma política popular e social real, e não com as inaugurações de maquetes de José Serra.
© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
O eleitorado brasileiro foi mais para a esquerda nesses últimos trinta anos? Nem um centímetro! Vamos refrescar a memória e entender o que ocorreu com o PSDB, agora que parece que ele chega um ponto crítico na sua história.
Franco Montoro inaugurou no Brasil a social-democracia, com olhos voltados para a democracia liberal, antes mesmo de fundar o PSDB. Ele assim fez quando em 1982 se elegeu governador do Estado de São Paulo pelo PMDB. Brizola ainda mantinha o PDT como o partido filiado internacionalmente à social-democracia, mas ele sabia que na sua cola vinha o PMDB. O PMDB tinha a verdadeira cara de social-democrata, ao menos para o gosto do brasileiro.
Quando a transição para a democracia atingiu seu cume, com a entrada de Trancredo Neves e José Sarney para a Presidência da República em 1985, pelo PMDB, Brizola tinha certeza que ele viria a ser, logo depois, o primeiro presidente eleito do Brasil. Ele achava Tancredo conservador demais em termos econômicos – e estava certo nisso –, de modo que bastaria esperar e se colocar como o principal homem da oposição para abocanhar a Presidência, quando acabasse o primeiro mandato presidencial após o ciclo de presidentes militares. Ele estava convencido que só um programa social-democrata agradaria o brasileiro e que seu concorrente, o PMDB, com Tancredo, não agiria segundo tal programa.
As coisas se complicaram para Brizola, porque Tancredo faleceu e Sarney, em seu lugar, deu poder não ao sobrinho de Tancredo, Dornelles (PFL), visivelmente conservador e que teria sido o ministro forte do tio, e sim ao núcleo progressista do PMDB. Esse núcleo colocou no comando do projeto reformista Dílson Funaro, João Sayad e Amir Pazzianoto. Esses três homens tinham em mente uma nítida política social-democrata. Ainda que o Plano Cruzado comandado por eles tenha feito água, o êxito inicial deu votos para o PMDB e o transformou em um grande partido. Por mais que o PMDB pudesse se tornar conservador, ficou sua marca como partido popular não mais só por combate à ditadura, mas por ter tentado uma reforma que visava a melhoria real da vida da população. Isso realmente atrapalhou os planos de Brizola. Nublou sua liderança para além do que ele esperava que pudesse ocorrer. Sua oposição ao Plano Cruzado lhe deu mais desgastes que ganhos. Isso continuou a valer mesmo quando todo o Cruzado já havia virado pó no governo Sarney.
No final da década de oitenta, veio finalmente a eleição direta para Presidente da República e Collor, aproveitando-se da espiral inflacionária do último ano de Sarney, se elegeu fácil. Batendo todos os líderes à esquerda, Covas, Lula e o próprio Brizola, Collor pareceu, por um momento, que enterraria de vez o projeto social-democrata no Brasil. Mas, sua vitória, quando olhamos mais de perto e recordamos como ocorreu, não foi assim tão tranqüila. Sua vitória não significou a derrota da social democracia. Pois mesmo Collor, com seu ideário privatizante e sem qualquer programa social, no meio da campanha do segundo turno teve de soltar slogans de que ele era social-democrata e não um neoliberal, e isso não para garantir sua vitória que, enfim, já estava certa, mas para tentar acalmar a imprensa – era um sinal de que o ideário social democrata, embora em baixa, não havia morrido.
Daí em diante, o ideário social-democrata começou a voltar com força no mundo e no Brasil. As pessoas que haviam dito que todo funcionalismo público deveria acabar, logo se pegaram sonhando, novamente, com o emprego público. Nunca o Brasil esteve tão pronto para um partido como o PSDB como em meados dos anos noventa. Mas, mesmo assim, FHC não se elegeria se não fosse pelo Plano Real. Tal plano, em seu recorte inicial, não era uma plataforma neoliberal e, sim, um programa de estabilização da moeda que poderia dar esteio para uma política social democrata mais tarde. Mas não deu, ao menos não para os esforços do próprio PSDB. O fato de FHC ter sido sonolento e não ter tido entusiasmo para empreender tal política deixou, então, tudo nas mãos de Lula.
Lula nunca havia se pronunciado socialista e muito menos comunista. Quando perguntado sobre “o que era”, sempre se saia bem dizendo uma verdade: “sou torneiro mecânico”. Aprendeu com Ulisses Guimarães que só governaria um grande partido e, enfim, o Brasil, se não se definisse ideologicamente em termos de velhos rótulos. Deu certo. Lula foi agregando todas as forças social-democratas que podia. Pegou o PMDB e o PDT e segurou o discurso mais à esquerda do PT para se ajustar ao discurso dos novos aliados. Nisso, o brilhantismo do discurso de Zé Dirceu, interna e externamente, fez história. Ele deu para Lula um grande conglomerado de forças que insistia não em socialismo, mas em colocar o capitalismo “no eixo”, ou seja, ampliar o mercado interno sob o clima de estabilização da moeda conseguido por FHC. Essa foi a realização de Lula, ou seja, ele fez vingar a nossa social-democracia possível.
O que é, hoje, essa social-democracia de Lula? Nada além do aquecimento da economia em que o Estado volta a ser investidor e, ao mesmo tempo, num sabor ainda populista, mas com características institucionais não desprezíveis, a criação de uma série de programas sociais, alguns com bons resultados e outros com promessas que podem vingar. E uma sábia medida: nenhuma agressividade contra os banqueiros. Junto dessa política, um Lula de barba branca se apresenta à nação como uma espécie de “tiozão”, quase como Mitterrand, na França, no seu último mandato, quando ele já não era um “líder vermelho” e, sim, um “protetor da nação”.
Nessa trajetória toda, o eleitor brasileiro, em sua maioria, não foi um centímetro à esquerda. Ficou exatamente onde estava quando da eleição de Tancredo e Sarney. O que o brasileiro queria e quer é pouco, é exatamente o que Lula deu e que Dilma promete continuar: emprego com carteira assinada e poder de compra – mínimo! Talvez, com Dilma, queira mais um pouco: uma escola melhor, um hospital que funcione e o financiamento de um automóvel usado para o filho mais velho. Mas, diante de Serra e do PSDB, tudo isso é muito. Pois os políticos que restaram no PSDB nunca conseguiram fazer do partido uma agremiação popular. Nunca entenderam o que é que o brasileiro pede. Por isso, o PSDB chegou finalmente, agora que diz que vai ser “refundado”, no lugar que Ulisses Guimarães disse que ele chegaria: ao fracasso.
Hoje o PSDB representa exatamente aquilo que o lacerdismo representava: um grupo de conservadores. Ataca o projeto popular de Lula como o lacerdismo atacava o de Vargas, apontando corrupção e desvios relativos à democracia, mas sem legitimidade para tal. Pois, tanto quanto o lacerdismo, o PSDB tem telhado de vidro em se tratando de cuidar das liberdades democráticas e de colocar fim na corrupção. Então, na soma de prós e contras, a população agrega pontos negativos mais para o PSDB que, enfim, não consegue nunca ter um projeto para fazer o que FHC disse que seria necessário o partido fazer, “governar para os pobres”.
Ou seja: o nosso partido social-democrata no nome é o único, entre os grandes partidos, que não tem uma ação social-democrata. Nesses termos, o PSDB chegou ao fim de sua trajetória nessa eleição, se as pesquisas confirmarem Dilma vencedora já no primeiro turno. Pode não passar pelo que ocorreu com o PFL, que mudou até de nome, gerando o Democratas, mas que terá de se transformar inteiramente, isso terá, ou então, sem dúvida, aparecerá em 2011 como uma agremiação disforme, meio udenista-lacerdista, mas sem chances – felizmente – de chamar os militares para um golpe. E com chances cada vez mais diminutas no jogo eleitoral em que é necessário governar com alguma política popular e social real, e não com as inaugurações de maquetes de José Serra.
© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário