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quarta-feira, 13 de maio de 2009

AS TRAGÉDIAS E AS COMÉDIAS

Um belo texto para reflexao do momento em que boa parte do nordeste está pasando com as cheias. Veja texto abaixo.
Belo texto de Lelê Teles

Não faz muito tempo escrevi um texto (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=515FDS008) sobre a deformação midiática da realidade e a construção de simulacros a partir da construção de seres reativos e obedientes. O texto falava sobre a triste catástrofe que ocorreu em Santa Catarina, que a mídia colocava culpa no efeito estufa, mas o caso estufava a culpa das autoridades no ordenamento territorial da região. O texto também falava de uma tragédia que nos tornava uns hipócritas solidários e nos redimia de sermos insensíveis ao sofrimento cotidiano dos Sujeitos da Esquina.
Pois bem, chegou a hora de provar que não sofro de esquerdopatia. Hoje, 12 de maio de 2009, abro o globoonline e nada sobre a tragédia que assola o nordeste brasileiro. Na capa fala-se, veja você, de que surgiu o 1º caso de gripe suína no Rio de Janeiro. A folhaonline vai pelo mesmo caminho. 1 caso de gripe e 32 casos suspeitos é o que desperta a mídia no dia de hoje. O diabo é que só no Maranhão 205 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes. 78 municípios sofrem com as chuvas no estado. Em Sergipe a calamidade não é menor. No Piauí é igual. Milhares de brasileiros estão desabrigados. Casas estão desabando. As ruas tomadas pala lama contaminada. E os nossos jornais falam numa tal pandemia que afetou "até agora" 5 mil pessoas em todo o mundo, um número infinitamente menor do que a tragédia real que os nossos patrícios estão vivendo no nordeste.

Sem falar que a tal pandemia atingiu "até agora" 30 países do globo terrestre e todos nós sabemos que só a ONU tem 192 países membros. Pandemia? E desses 5 mil casos registrados no mundo, o número de mortes é ainda menor do que o registrado pela gripe comum, dessas que o sujeito pega quando sai na chuva. E diga lá, 5 mil casos em um mundo com mais de 6 bilhões de pessoas é uma pandemia?

Lembro-me da Vaca Louca, um herbívoro tornado canibal pelos ingleses. Diziam que a tragédia assolaria o planeta. Enterraram o vacum contaminado e tudo voltou ao normal. Depois veio a pandemia da Gripe Aviária. Queimaram uns frangos na China e tudo voltou ao normal. Depois a Febre Aftosa, nada. Depois a crise da Febre Amarela Urbana no Brasil, que matou mais quem tomou vacina dupla do que quem levou picada de mosquito.

Não é a vaca, o boi, o frango, o mosquito, o porco... a grande pandemia, o grande animal contaminado é o homo midiaticus. Esse robozinho reativo pronto para se desesperar a qualquer sinal emanado pelo aparato oficioso da desinformação.

Na tragédia de Santa Catarina, a mídia era onipresente. Os principais apresentadores estavam lá ao vivo. Até a Ana Maria Braga sujeitou o seu penteado ao mal tempo no sul do Brasil. Celebridades apareciam fazendo cara de tristes e pedindo doações, galãs viraram super heróis e meteram a mão na lama para entregar donativos. Contas, muitas contas bancárias surgiam a todo o momento, Instituto Renascer, Rede Record, SBT, Globo etc. Foi tão grande a comoção popular que teve prefeitura em Santa Catarina que mandou enterrar e incinerar donativos, por excesso. Agora a mídia noticia, e mais nada.

Algo me diz que a casa de um Von Braun ou de um Hoff Muller desabando comove mais do que a casa de um Severino qualquer lá nos confins do Piauí. Algo me diz que um grande número de brasileiros concorda com o presidente da Philips, Paulo Zotollo, de que ninguém vai ficar chateado se o Piauí desaparecer.

Os porcos do P.I.G. faz o povo se preocupar com o porco do México. Enquanto isso, nossos irmãos nordestinos dormem sobre colchões encharcados, sem comida, sem água, sem teto, sem ajuda. Mas entre um Severino magro do Piauí e um Hoff Muller de máscaras descendo de um um avião, a mídia fica com a segunda imagem. A imagem de um Severino dentro da lama não tem força.
Forte é a imagem da casa da família Van dekamp desabando. Um moleque sujo do nordeste desabrigado não comove; comove o piá loirinho, de sobrenome holandês, dormindo em um ginásio de esporte, sem poder ir à escola.

O Supremo Juiz do Supremo não se importa com o Sujeito da Esquina. O deputado está se lixando para a opinião pública. E o homo midiaticus que mandou donativos para as vitimas da tsunami no Sri Lanka(!) lava as mãos para os patrícios nordestinos. Há ou não há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga a nossa vã filantropia?
Lelê Teles, Brasília

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