Fundador e dirigente nacional da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Depoimento de Clara Charf e editores de “Escritos de Carlos Marighela”, Editorial Livramento, 1979:
“O comandante Carlos Marighella dedicou toda sua vida à causa da libertação dos povos. Com quarenta anos de militância, iniciada no Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi assassinado pela ditadura militar em 1969, aos 57 anos.
Filho de negra e imigrante italiano, Augusto Marighella e Marialva Nascimento Marighella, nasceu em Salvador, Bahia, a 5 de dezembro de 1911. Ainda adolescente despertou para as lutas sociais. Aos 18 anos iniciou curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia e começou a militar no PCB.
Conheceu a prisão em 1932. Poeta, pagou com a liberdade poema crítico dedicado ao interventor Juracy Magalhães. A militância levou-o a interromper os estudos universitários no terceiro ano.
As Torturas
Em 1935 mudou-se para o Rio. Já fazia parte da Comissão Especial do Comitê Central e era o responsável por todo o trabalho de imprensa e divulgação do Partido. A 1° de Maio de 1936 era novamente preso. Durante 23 dias enfrentou as torturas da Polícia Especial de Filinto Müller. Um ano depois foi libertado e mudou-se para São Paulo. Com 26 anos tornava-se membro do Comitê Estadual de São Paulo.
Sua atividade política, então, se concentrava em torno de dois eixos: a reorganização dos revolucionários paulistas, duramente atingidos pela repressão e o combate ao terror imposto pela ditadura de Getúlio.
Em 1939 voltou aos cárceres. Diante das torturas, renovou seu exemplo de resistência e determinação. O revolucionário, testado diante da violência dos interrogatórios, foi agora submetido a outro tipo de tortura: o cárcere prolongado, o isolamento na ilha de Fernando de Noronha. Sua terceira prisão durou seis anos. Mas não conseguiu abater seu ânimo. Trabalhou duro na educação cultural e política de seus companheiros de cárcere.
Constituinte de 46
Em 1945, conquistada a anistia, voltou à liberdade. Sua capacidade de organização e liderança e seu prestígio público o elegeram deputado à Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Representando o Estado da Bahia, proferiu em menos de dois anos 195 discursos, denúncias das condições de vida do povo, da crescente penetração imperialista no país e em defesa de aspirações operárias.
A legalidade democrática e a liberdade partidária duraram pouco. Em 1948, cassado, voltou à clandestinidade. Desta vez pelo resto da vida. As restrições de segurança, no entanto, não o impediram de participar ativamente de todas as lutas políticas da década de 50: a defesa do monopólio estatal do petróleo, contra o envio de soldados brasileiros à Coréia, contra a desnacionalização do ensino e de toda a economia.
Em 1952 passou a integrar a Comissão Executiva do Comitê Central, e, no ano seguinte, foi enviado à China. Durante mais de um ano estudou a experiência da Revolução Chinesa.
Teoria e Rompimento
No Brasil suas atenções cada vez mais se voltaram para o campo. Em 1958, o n° 1 da revista ‘Estudos Sociais’ publicou um ensaio de Marighella intitulado ‘Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil’. Neste trabalho ele deu uma significativa contribuição ao estudo da questão agrária em nosso País, particularmente em relação às culturas do café, cana de açúcar e algodão.
O início da ruptura de Marighella com a ortodoxia do PCB se manifestou a partir de 1962. Por ocasião da renúncia de Jânio Quadros ele teceu duras críticas à postura do Partido. O golpe militar de 1964 também é um marco neste distanciamento. A esquerda de modo geral, e o PCB, principalmente, estavam completamente despreparados para a resistência.
Marighella aprofundou suas críticas à orientação oficial do Partido. Poucas semanas após o golpe, no dia 9 de maio, foi localizado num cinema da Tijuca, no Rio, e preso. Embora baleado, à queima-roupa, repetiu a postura de altivez das prisões anteriores. Fez de sua defesa um ataque aos crimes da ditadura.
A mobilização política forçou os generais a aceitarem a concessão de um habeas-corpus que novamente lhe deu a liberdade. O episódio resultou em um pequeno livro ‘Porque resisti à prisão’. Escrito em 18 capítulos, os 12 primeiros são um relato minucioso do fato. Os seis últimos, no entanto, são pura lenha na fogueira da luta interna então em curso dentro do PCB.
Em 1966 escreveu ‘A Crise Brasileira’, uma importante contribuição teórica. Ali, o dirigente analisou a fundo a sociedade brasileira e denunciou as ilusões do PCB quanto aos processos eleitorais e sua política de alianças com a burguesia.
Neste documento, ele destaca a importância do trabalho junto aos operários e camponeses e a necessidade da luta armada popular como caminho para a derrubada da ditadura e para a instalação de um Governo Popular Revolucionário.
Marighella caminhava rapidamente para uma ruptura definitiva com a direção do PCB. Em dezembro do mesmo ano apresentou sua carta-renúncia à Comissão Executiva do PCB, mas permaneceu à frente do Comitê Estadual de São Paulo.
Em outros documentos, de meados de 1967 (‘Crítica às Teses do Comitê Central’ e ‘Ecletismo e Marxismo’) o dirigente contrapôs-se ao conjunto de teses baixado pela direção partidária em preparação ao VI Congresso.
Em Havana
Seu passo seguinte, em aberta desobediência à direção do PCB, resultou em rompimento definitivo com o Partido. Em agosto de 1967, os comunistas cubanos promoveram em Havana a 1ª Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas). Ao lado de revolucionários de todo o continente, entre eles Chê Guevara, Marighella empunha a bandeira da luta armada como caminho da libertação dos povos da América Latina.
Expulso do PCB, ainda em Cuba, publicou ‘Algumas Questões sobre a Guerrilha no Brasil’ onde declara sua adesão às teses da Olas, mas rebate a teoria do ‘foco guerrilheiro’ amplamente difundida entre os revolucionários latino-americanos. Para ele a luta armada no Brasil tomaria necessariamente contornos próprios.
A rebeldia de Marighella repercutiu profundamente dentro do PCB. Dos 37 delegados, escolhidos como representantes das bases do PCB em São Paulo à Conferência Estadual realizada em maio de 1967, em Campinas, nada menos de 33 se alinharam às teses defendidas por ele. A maior parte das bases operárias e o setor estudantil do Partido romperam com o Comitê Central e se aproximaram de Marighella, enquanto em outros estados outras dissidências se processaram.
Surgimento da ALN
Em fevereiro de 1968, em documento intitulado ‘Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo’, Marighella expôs os motivos do rompimento com o PCB e anunciou o surgimento de uma organização disposta a dar início imediatamente às ações políticas armadas. A organização foi batizada de ALN – Ação Libertadora Nacional – com a intenção de resgatar o espírito revolucionário da ANL – Aliança Nacional Libertadora – responsável pela Insurreição Armada de novembro de 1935, comandada por Luís Carlos Prestes. Com sua presença pessoal, e sob seu comando e de Joaquim Câmara Ferreira a ALN deflagrou, já em 1968, as primeiras operações de guerrilha urbana no Brasil.
A resistência armada à ditadura, que teve em Marighella uma de suas mais importantes lideranças, rapidamente se espraiou por todo o País. Jovens e velhos militantes abraçaram com entusiasmo esse exemplo de rebeldia. Os revolucionários brasileiros, naquele final de década, irmanavam-se ao espírito de rebelião que incendiava toda a América Latina e alimentava as lutas de libertação anticolonialistas na Indochina e na África.
Ameaçados pelo potencial de explosão dos problemas sociais brasileiros, os generais fascistas revelaram novamente suas garras reagindo com o terror e a tortura. Na noite de 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella foi surpreendido por uma emboscada na Alameda Casa Branca, em São Paulo.
A Emboscada
Marighella estava sozinho. Sequer teve tempo de empunhar a arma que trazia dentro da pasta. A fuzilaria desferida pelos policiais comandados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury fez duas outras vítimas fatais: o dentista Friederich Adolph Rohmann e a própria agente policial Stela Borges Morato.
O “violento tiroteio” referido na nota oficial que comunicou sua morte não passou de uma desordenada troca de tiros entre os próprios policiais.
O laudo da necrópsia foi assinado pelo médico legista Harry Shibata, do IML/SP. Também participaram do assassinato de Marighella os delegados Raul Ferreira, Rubens Tucunduva, Ivahir de Freitas Garcia (ex-deputado), Edsel Magnotti, Firminiano Pacheco, Roberto Guimarães e um último conhecido pelo nome de Rosseti. Enterrado como indigente no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, seus restos mortais foram trasladados para a Bahia em 1980.
Herança
A morte de Marighella, no entanto, não significou o fim da ALN. Câmara Ferreira e outros companheiros levariam a ALN adiante. Do revolucionário baiano ficaram as idéias e o testemunho de uma vida dedicada inteiramente à luta pela libertação nacional e pela causa do socialismo.
Depoimento dos editores de ‘Escritos de Carlos Marighella’, de dezembro de 1979, dez anos após sua morte, apontava a figura deste revolucionário como ainda ‘envolta por paixões que vão do ódio declarado à veneração acrítica’. Só no futuro, advertem eles, ‘será possível compreender com mais objetividade seu papel, da mesma forma que, é lícito lembrar, figuras históricas como Tiradentes e Frei Caneca não foram compreendidas no seu tempo, em sua magnitude exata.”
Inimigo nº 1 há 40 anos, o baiano Marighella é homenageado como herói na Câmara de São Paulo
Haroldo Ceravolo Sereza
Do UOL Notícias 05/11/2009
Em São Paulo
Sentados um ao lado do outro, o chefe de gabinete do governador tucano José Serra, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), e o ex-presidente do PT José Dirceu. Mas a mesa da cerimônia que concedeu o título de cidadão paulistano a Carlos Marighella, na noite desta quarta-feira (4), contava com representantes de vários outros movimentos políticos e sociais.
Lula chama Marighella de herói
O título é relevante menos pela pompa do que por significar uma mudança na forma como Marighella é compreendido pela cidade na qual foi morto, em 1969, numa ação policial - a responsabilidade do Estado por sua morte foi reconhecida em 1996 pela Comissão de Anistia do governo federal.
Inimigo nº 1 do regime militar há 40 anos, o baiano Marighella recebeu tratamento de herói na sessão solene, depois que o decreto legislativo que lhe concedeu o título de cidadão paulistano foi aprovado sem resistência, por unanimidade, nas comissões e no plenário da casa.
Pego de surpresa - o combinado era que não falasse -, o crítico literário Antonio Candido, 91, subiu à tribuna e discursou: "Marighella entrou para a história." Sua figura, avalia, desprendeu-se das posições que tomou durante sua militância.
Para Candido, dessa forma, deixou de representar a liderança deste ou daquele grupo, para se tornar a imagem de "um brasileiro que transcendeu as contingências e é herói da nossa história".
Marighella era o líder da Ação Libertadora Nacional quando, numa emboscada armada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, foi assassinado pelas forças policiais, em 4 de novembro de 1969.
Aloysio Nunes Ferreira, que foi integrante do grupo, não falou durante a cerimônia, mas citou Antonio Candido, ao final do evento, para afirmar que Marighella simboliza a "rebelião contra a tirania".
Carlos Marighella nasceu em Salvador (BA). Sua primeira prisão ocorreu em 1932, quando, militante do Partido Comunista, escreveu um poema com críticas ao interventor no Estado, Juracy Magalhães.
Ao sair da prisão, mudou-se para o Rio. Em 1936, voltou a ser preso, numa manifestação de 1º de maio. Voltaria a ser preso durante o Estado Novo, em 1939. Com o fim da Segunda Guerra e a redemocratização do país, foi eleito deputado federal - os comunistas liderados por Luís Carlos Prestes tiveram uma atuação destacada no pleito.
Outras homenagens a Marighella
No sábado, será aberta, no Memorial da Resistência (Largo General Osório, nº 66, Luz, centro de São Paulo), às 11h, a exposição "40 Anos Marighella Vive". No mesmo horário, será lançado o livro "Carlos, a face oculta de Marighella", de Edson Teixeira. Às 13h, será apresentada no memorial a peça "O Amargo Santo da Purificação", com textos extraídos dos escritos de Marighella.
O PCB seria recolocado na ilegalidade em 1948, durante o governo Dutra (1946-1950), e seu mandato foi cassado. Marighella seguiu millitando no PCB e, nos primeiros meses da ditadura militar, chegou a ser baleado, ao resistir à prisão.
Em 1967, após uma viagem clandestina a Cuba, rompe com o PCB. Viaja pelo país para organizar a ALN, que organiza ações de guerrilha urbana. É a ALN que executa, junto com o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), sob o comando de Joaquim Câmara Ferreira, o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, a ação de maior repercussão internacional da resistência armada à ditadura militar brasileira.
Marighella também é autor de alguns livros, entre eles o "Minimanual do guerrilheiro urbano".
Clara Charf, companheira de Marighella, afirmou que Marighella, filho de mãe negra e pai imigrante, foi extremamente "anti-racista e feminista", "quando ainda não se usava essa palavra".
"Quando mataram Marighella", disse o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, "queriam matar o socialismo, a crença na justiça social e na igualdade". "Quiseram também que o esquecêssemos, o estigmatizaram como inimigo do povo."
O filho de Carlos Marighella, Carlos Augusto Marighella, lembrou o dia em que recebeu, via telefoto, um sistema de transmissão analógica, a imagem do pai morto, que foi reconhecendo aos poucos.
O pai foi enterrado, contrariando pedido da família, antes que ele chegasse, partindo de São Paulo, a Salvador. Só dez anos mais tarde, com a anistia, em 1979, o corpo foi transladado e ganhou um túmulo em Salvador.
Carlos Marighella: mulato, baiano, comunista, brasileiro
Os 40 anos passados desde sua morte na luta revolucionária de resistência à ditadura, só multiplicaram a imagem de Carlos Marighella, como dirigente revolucionário brasileiro e latinoamericano. Identificado com os projetos revolucionários de libertação da América Latina desde a década de 30, teve um protagonismo central nos momentos mais difíceis vividos pelo PCB depois do golpe de 1964, quando debateu as razões do golpe e os novos horizontes de luta da esquerda brasileira. O artigo é de Emir Sader, no Especial Marighella, produzido pela Carta Maior.
Emir Sader
Carlos é o protótipo do brasileiro. Amado na sua Bahia, com quem o povo baiano se identifica, como se identifica com Caimmy, com a Menininha do Gantuá, com tudo o que é expressão genuína daquelas terras tão brasileiras.
Filho de uma negra escrava, Maria Rita, linda, com pai de origem italiana, Augusto, Carlos é uma das expressões mais genuínas da mestiçagem do povo brasileiro. As conversas com os vizinhos da casa modesta onde nasceu e cresceu, em Salvador, as fotos com os colegas de escola, com os amigos, revelam o mulato sestroso, conversador, gentil, sensível, típico dos bairros populares da velha São Salvador.
Como quem chegou à adolescencia naqueles anos-chave da década de 30, Carlos se identificou profundamente com os projetos revolucionarios da década, antes de tudo com a lideranca de Prestes no PCB, depois da aventura extraordinaria da Coluna. Viveu Carlos aí a primeira grande experiência, que o marcaria pelo resto da vida, consolidando nele a opção revolucionária.
Não protagonizou com sua participação os grandes debates no seio do PC ao longo das décadas seguintes. Seu protagonismo ficou reservado para os momentos mais difíceis vividos pelo Partido, logo depois do golpe de 1964. Já sua resistência à prisao na Cinelândia, no Rio, poucos días depois do golpe, demonstrava a atitude de rebeldia e de resistência que Carlos imprimiria à sua atitude e à que convocava aos brasileiros.
Dessa vez Carlos foi o principal protagonista dos debates internos do PCB, sobre as razões do golpe e os novos horizontes de luta da esquerda brasileira. Ele se identificou de forma direta com a dinâmica proposta pela Revolução Cubana, que aparecia como uma alternativa real para os países em que as elites dominantes apelavam para a ditadura, diante das ameaças dos movimentos populares, optando pelo projeto norteamericano da Doutrina de Segurança Nacional.
Carlos conclamou a resistência a aderir ao projeto da luta armada, sob a forma da guerra de guerrilhas, rompendo assim com o PCB e fundando a ALN. Junto com a VPR, dirigida por Carlos Lamarca, protagonizaram a versão mais radical da resistência clandestina à ditadura militar, de que o espetacular sequestro do embaixador dos EUA – com a libertação de 15 militantes da resistência e a leitura de declaração contra a ditadura em cadeia nacional de rádio e televisão – foi uma de suas mais expressivas manifestações.
Os 40 anos passados desde sua morte na luta revolucionária de resistência à ditadura, só multiplicaram a imagem de Carlos, como dirigente revolucionário brasileiro e latinoamericano. Carlos, mulato, baiano, comunista, brasileiro.
09/11/2009
A Crise Brasileira, de Carlos Marighella
Em "A Crise Brasileira", obra escrita em 1966, Marighella analisa a realidade do Brasil naquele momento e evidencia suas divergências em relação às teses que vinham sendo adotadas pelo Partido Comunista Brasileiro. Essas divergências levariam ao seu rompimento definitivo com o partido no ano seguinte e a sua opção pela luta armada de resistência à ditadura militar. Para Marighella, as elites brasileiras já tinham mostrado seu fracasso e uma estratégia revolucionária deveria levar em conta a separação entre o partido do proletariado e os partidos da burguesia.
Edileuza Pimenta de Lima (*)
"Sempre que houve avanço, conquista de direitos sociais e progresso, combate ao imperialismo e ao latifúndio, isto se deveu preponderantemente à presença atuante do proletariado".
Essa frase está contida em A Crise Brasileira, obra escrita por Carlos Marighella em 1966 que, além de analisar, à luz da teoria marxista-leninista, a realidade do país naquele momento, evidencia suas divergências em relação às teses que vinham sendo adotadas pelo Partido Comunista Brasileiro.
Essas divergências levariam ao seu rompimento definitivo com o partido no ano seguinte e a sua opção pela luta armada de resistência à ditadura militar. Marighella fundou a Ação Libertadora Nacional, que congregava mais do que comunistas oriundos do PCB, contava também com pessoas de diferentes matrizes ideológicas, objetivando, antes de implantar o socialismo, derrubar a ditadura e instituir um governo antiimperialista, anti-latifundiário, nacional e democrático.
Ao defender a luta armada de libertação nacional, Marighella falava do perigo de os marxistas, seguindo uma estratégia norteada pelo caminho pacífico, "ajudarem a transformar o Brasil num país social democrático, exercendo em nome dos Estados Unidos o papel de freio do movimento de libertação da América Latina" . Ele não poderia ser mais atual, pois, se tivesse sobrevivido à sanha assassina do regime instaurado a partir do golpe civil-militar de 1964, Marighella analisaria o fenômeno recente da guinada à esquerda da América Latina, por meio da ascensão do nacionalismo revolucionário em países como Venezuela e Bolívia, criticando o modelo brasileiro que, apesar de todas as condições objetivas (com destaque para a eleição de um presidente operário) não consegue avançar politicamente em direção ao programa que ele preconizava para o Brasil:
"governo revolucionário do povo, expulsão dos norte-americanos, expropriação do seu capital e dos que com eles colaboram, expropriação do latifúndio, libertação e valorização do homem brasileiro pelo caminho socialista" .
Se em 1967 Marighella aderiu à Organização Latino-Americana de Solidariedade, hoje suas idéias poderiam contemplar aos adeptos da Alternativa Bolivariana para as Américas, pois, segundo enunciou em outro documento, o Chamamento ao Povo Brasileiro, de dezembro de 1968, entre algumas das medidas populares previstas para serem executadas com a vitória da revolução, estaria a seguinte: "tornaremos efetivo o monopólio estatal das finanças, comércio exterior, riquezas minerais, comunicações e serviços fundamentais" , plataforma que vem sendo posta em prática nos países da ALBA a despeito de toda a reação que vem despertando.
Em A Crise Brasileira, Carlos Marighella considerava que "a aliança dos proletários com os camponeses é a pedra de toque da revolução brasileira" e tinha uma preocupação especial com a questão da reforma agrária, tema que está na ordem do dia. Além defender o fim do latifúndio, Marighella sugeria como forma de luta "invadir as terras devolutas e as terras loteadas pelos fazendeiros ou grandes companhias agrícolas" , posição por ele evidenciada em outro documento, Alocução sobre a guerrilha rural, de outubro de 1969, no qual percebe-se que Marighella radicalizou seu programa para o campo após o aborto da tentativa de implantação das reformas de base, passando a defender, por exemplo, que "as plantações dos fazendeiros devem ser queimadas, o gado dos grandes pecuaristas, dos frigoríficos e das invernadas deve ser expropriado e abatido para matar a fome dos camponeses" .
Após 40 anos de sua morte, o pensamento de Carlos Marighella permanece vivo. Há décadas ele dizia que as elites brasileiras já tinham mostrado seu fracasso, e que uma estratégia revolucionária deveria levar em conta a separação entre o partido do proletariado e os partidos da burguesia. É justamente isso o que falta ao país. Marighella sempre soube que "o segredo da vitória é o povo" .
(*) Nasceu no Rio de Janeiro, em 29 de novembro de 1984. É mestre em História Social pela UFRJ, estuda a Ação Libertadora Nacional e é co-autora da biografia "Virgilio Gomes da Silva: De retirante a guerrilheiro".
09/11/2009