Foto: Agência Brasil - Luis Nassif
O papel da imprensa no julgamento de Lula, por João FilhoPor João Filho
Do The Intercept Brasil
DEPOIS DE VAZAR ilegalmente para a Globo conversas particulares de Lula, de pedir o apoio da opinião pública através da imprensa, de ter discursado em eventos patrocinados por políticos do PSDB, de ter sua esposa dando entrevistas e aparecendo em capas de revistas, de assistir docilmente diversos vazamentos ilegais — e condenar apenas um, justamente o que em tese favoreceria a Lula — , o juiz Sérgio Moro teve a coragem de afirmar não ter nada a ver com o que é publicado pela imprensa.
“o senhor tem essas reclamações com a imprensa, e eu compreendo, mas o juiz não tem nenhuma relação com o que a imprensa publica ou não publica, e esses processos são públicos”.
Moro afronta a realidade dos fatos na tentativa de conferir legitimidade a um processo que já está caracterizado como uma briga entre um juiz e um réu. Quem acompanha minimamente o noticiário nos últimos anos, sabe que Moro encarnou com gosto o papel de mocinho no espetáculo midiático em que Lula já foi condenado como vilão. A narrativa da luta do mocinho implacável contra a corrupção versus o bandidão-chefe de quadrilha brilhou nas manchetes de jornais e capas de revista. É compreensível a tentativa de Moro em querer minimizar o papel da imprensa no caso, mesmo tendo em diversos momentos do interrogatório sustentado suas afirmações com base em publicações da grande mídia.
O clima de embate político instalado durante os dias que se antecederam ao depoimento se confirmou na quarta-feira. Apesar de a tropa de choque de jornalistas da Globo News passar a noite inteira amenizando o caráter político da atuação de Moro e ressaltando o de Lula, o que se viu em boa parte do interrogatório foi, sim, um debate político entre um juiz e um réu, por mais inacreditável que isso possa parecer.
Dos integrantes da tropa de choque destacada para cobrir o caso, Dony De Nuccio, Natuza Nery, Merval Pereira, Eliane Cantanhêde e Cristiana Lobo demonstraram claramente de que lado estavam. Havia uma premissa clara em todas as análises: Lula é culpado.
Cristiana Lobo, talvez empolgada pela grande sacada, repetiu por várias vezes ao vivo na Globo News algo como “Voltou o Lula do mensalão, que não sabia de nada”.
A surrada carta do “Lula não sabia de nada” voltou para o espetáculo. Claro, o vilão da Rede Globo só poderia estar mentindo. Merval também insistiu na tese de que “Lula jogou a culpa na Marisa”.
A jornalista Natuza Nery disse no dia seguinte que “o curioso nesse interrogatório é que Lula tentou ficar em sua arena de conforto, a arena política, enquanto Sérgio Moro tentava puxá-lo para arena de conforto do juiz, que é a arena jurídica”. Não foi bem assim. De fato, em muitos momentos, Moro tentou puxar o político para o campo jurídico, mas, em outros, não se furtou ao debate. Não foi pouco o tempo que Moro dedicou a assuntos de natureza política sem nenhuma relação com o caso do triplex, como veremos mais a seguir.
Natuza também relatou uma conversa que teve com procuradores da Lava Jato. Eles teriam dito que “tudo saiu da normalidade. Não dá pra dizer que um lado nocauteou o outro, embora aliados do petista achem que ele teria ganhado esse embate”. Ou seja, até mesmo os procuradores admitem com naturalidade para a imprensa que estamos diante de uma disputa entre um juiz e um réu. Fica cada vez mais difícil acreditar que estamos diante de um julgamento justo.
É compreensível que o réu, um político que acredita estar sendo vítima de perseguição política e jurídica, traga o depoimento para sua zona de conforto. Mas é inadmissível que um juiz tope essa disputa no campo político, fato que se repetiu em diversos momentos. Moro trouxe declarações não relacionadas ao caso e ressuscitou o caso do Mensalão no depoimento. Vejamos:
Quis explicação sobre uma declaração em comício político que foi bastante explorada pela imprensa durante a semana: “o senhor prestou a seguinte declaração em evento partidário: ‘se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mande prendê-los pelas mentiras que ele contam’. (…) O senhor acha apropriado fazer esse tipo de declaração?”
Pediu a opinião do réu sobre um caso já julgado pelo STF: “Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre a sua opinião no caso do mensalão. (..) o senhor vislumbra alguma contradição na sua posição em afirmar que não tem qualquer responsabilidade em todos esses crimes (mensalão), mas também não reconhecer publicamente qualquer responsabilidade de pessoas que trabalham no partido e no governo?”
São perguntas que jornalistas da Globo News fariam com intuito de render boas manchetes, mas não me parecem adequadas dentro do âmbito de uma ação que julga uma acusação referente a três contratos firmados entre OAS e Petrobras e o triplex do Guarujá.
Foram várias as perguntas feitas sobre o Mensalão — caso ocorrido há 12 anos — , a maioria delas baseada em declarações que Lula deu à imprensa. Esta parte do interrogatório indignou os advogados de defesa, que chamaram a atenção para a natureza política das perguntas e orientaram o réu a não responder.
Moro, com o curioso apoio da promotoria, respondeu à reclamação dizendo que as informações eram relevantes para entender a relação de Lula com subordinados e contribuir para a “formação da convicção judicial”.
E sabe quem concorda com os advogados de Lula? Novamente ele, senhores e senhores, Reinaldo Azevedo — o maior antilulista dos últimos 15 anos fez uma avaliação que destoou da narrativa abraçada pela igrejinha da grande mídia.
“a maioria das perguntas do juiz nada tinha a ver com processo no qual depunha o petista.”
“Sem poder apresentar provas de que o tríplex pertence a Lula, Moro optou por uma condução da audiência que fez picadinho do devido processo legal.”
“No estado de direito, condena-se com provas. E Moro não as tinha. Ao contrário, as evidências materiais apontam que o imóvel pertence à OAS.”
“Moro optou por um comportamento lamentável, que agride o devido processo legal. Resolveu fazer perguntas a Lula que diziam respeito aos quatro outros inquéritos a que o petista responde.”
“o juiz demonstrou incômodo com a liderança política de Lula, o que é um despropósito. Quis saber por que o ex-mandatário emitiu juízos contraditórios sobre o… mensalão!!! O que a dita Ação Penal 470 tinha a ver com o apartamento de Guarujá? Nada!”
A flagrante condução política do julgamento conseguiu a façanha de colocar Reinaldo Azevedo ao lado de Lula para poder defender o Estado de Direito. É simbólico demais.
Nas considerações finais, Lula discursou sobre a perseguição que sofre pela grande imprensa e apresentou números do Manchetômetro. O juiz não gostou e, como se fosse um oponente político em debate eleitoral, disse que também é perseguido por parte da imprensa: “infelizmente, eu já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs supostamente que supostamente patrocinam o senhor. Então padeço dos mesmos males em certa medida”.
Ora, ora. Ao final do interrogatório, o juiz faz uma ilação estranha sobre “blogs que patrocinam” Lula. Mas não vamos nos apegar ao estranho uso do verbo “patrocinar”, mas ao fato de o julgador se colocar como uma das partes do processo e afirmar que está sendo atacado por aliados do réu. Parece que há, sim, influência da imprensa no julgamento, não é mesmo? Usando esta mesma linha de raciocínio, talvez seja possível dizer que a Globo patrocina o nobre magistrado.
O papel da imprensa no julgamento de Lula, por João FilhoPor João Filho
Do The Intercept Brasil
DEPOIS DE VAZAR ilegalmente para a Globo conversas particulares de Lula, de pedir o apoio da opinião pública através da imprensa, de ter discursado em eventos patrocinados por políticos do PSDB, de ter sua esposa dando entrevistas e aparecendo em capas de revistas, de assistir docilmente diversos vazamentos ilegais — e condenar apenas um, justamente o que em tese favoreceria a Lula — , o juiz Sérgio Moro teve a coragem de afirmar não ter nada a ver com o que é publicado pela imprensa.
“o senhor tem essas reclamações com a imprensa, e eu compreendo, mas o juiz não tem nenhuma relação com o que a imprensa publica ou não publica, e esses processos são públicos”.
Moro afronta a realidade dos fatos na tentativa de conferir legitimidade a um processo que já está caracterizado como uma briga entre um juiz e um réu. Quem acompanha minimamente o noticiário nos últimos anos, sabe que Moro encarnou com gosto o papel de mocinho no espetáculo midiático em que Lula já foi condenado como vilão. A narrativa da luta do mocinho implacável contra a corrupção versus o bandidão-chefe de quadrilha brilhou nas manchetes de jornais e capas de revista. É compreensível a tentativa de Moro em querer minimizar o papel da imprensa no caso, mesmo tendo em diversos momentos do interrogatório sustentado suas afirmações com base em publicações da grande mídia.
O clima de embate político instalado durante os dias que se antecederam ao depoimento se confirmou na quarta-feira. Apesar de a tropa de choque de jornalistas da Globo News passar a noite inteira amenizando o caráter político da atuação de Moro e ressaltando o de Lula, o que se viu em boa parte do interrogatório foi, sim, um debate político entre um juiz e um réu, por mais inacreditável que isso possa parecer.
Dos integrantes da tropa de choque destacada para cobrir o caso, Dony De Nuccio, Natuza Nery, Merval Pereira, Eliane Cantanhêde e Cristiana Lobo demonstraram claramente de que lado estavam. Havia uma premissa clara em todas as análises: Lula é culpado.
Cristiana Lobo, talvez empolgada pela grande sacada, repetiu por várias vezes ao vivo na Globo News algo como “Voltou o Lula do mensalão, que não sabia de nada”.
A surrada carta do “Lula não sabia de nada” voltou para o espetáculo. Claro, o vilão da Rede Globo só poderia estar mentindo. Merval também insistiu na tese de que “Lula jogou a culpa na Marisa”.
A jornalista Natuza Nery disse no dia seguinte que “o curioso nesse interrogatório é que Lula tentou ficar em sua arena de conforto, a arena política, enquanto Sérgio Moro tentava puxá-lo para arena de conforto do juiz, que é a arena jurídica”. Não foi bem assim. De fato, em muitos momentos, Moro tentou puxar o político para o campo jurídico, mas, em outros, não se furtou ao debate. Não foi pouco o tempo que Moro dedicou a assuntos de natureza política sem nenhuma relação com o caso do triplex, como veremos mais a seguir.
Natuza também relatou uma conversa que teve com procuradores da Lava Jato. Eles teriam dito que “tudo saiu da normalidade. Não dá pra dizer que um lado nocauteou o outro, embora aliados do petista achem que ele teria ganhado esse embate”. Ou seja, até mesmo os procuradores admitem com naturalidade para a imprensa que estamos diante de uma disputa entre um juiz e um réu. Fica cada vez mais difícil acreditar que estamos diante de um julgamento justo.
É compreensível que o réu, um político que acredita estar sendo vítima de perseguição política e jurídica, traga o depoimento para sua zona de conforto. Mas é inadmissível que um juiz tope essa disputa no campo político, fato que se repetiu em diversos momentos. Moro trouxe declarações não relacionadas ao caso e ressuscitou o caso do Mensalão no depoimento. Vejamos:
Quis explicação sobre uma declaração em comício político que foi bastante explorada pela imprensa durante a semana: “o senhor prestou a seguinte declaração em evento partidário: ‘se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mande prendê-los pelas mentiras que ele contam’. (…) O senhor acha apropriado fazer esse tipo de declaração?”
Pediu a opinião do réu sobre um caso já julgado pelo STF: “Eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre a sua opinião no caso do mensalão. (..) o senhor vislumbra alguma contradição na sua posição em afirmar que não tem qualquer responsabilidade em todos esses crimes (mensalão), mas também não reconhecer publicamente qualquer responsabilidade de pessoas que trabalham no partido e no governo?”
São perguntas que jornalistas da Globo News fariam com intuito de render boas manchetes, mas não me parecem adequadas dentro do âmbito de uma ação que julga uma acusação referente a três contratos firmados entre OAS e Petrobras e o triplex do Guarujá.
Foram várias as perguntas feitas sobre o Mensalão — caso ocorrido há 12 anos — , a maioria delas baseada em declarações que Lula deu à imprensa. Esta parte do interrogatório indignou os advogados de defesa, que chamaram a atenção para a natureza política das perguntas e orientaram o réu a não responder.
Moro, com o curioso apoio da promotoria, respondeu à reclamação dizendo que as informações eram relevantes para entender a relação de Lula com subordinados e contribuir para a “formação da convicção judicial”.
E sabe quem concorda com os advogados de Lula? Novamente ele, senhores e senhores, Reinaldo Azevedo — o maior antilulista dos últimos 15 anos fez uma avaliação que destoou da narrativa abraçada pela igrejinha da grande mídia.
“a maioria das perguntas do juiz nada tinha a ver com processo no qual depunha o petista.”
“Sem poder apresentar provas de que o tríplex pertence a Lula, Moro optou por uma condução da audiência que fez picadinho do devido processo legal.”
“No estado de direito, condena-se com provas. E Moro não as tinha. Ao contrário, as evidências materiais apontam que o imóvel pertence à OAS.”
“Moro optou por um comportamento lamentável, que agride o devido processo legal. Resolveu fazer perguntas a Lula que diziam respeito aos quatro outros inquéritos a que o petista responde.”
“o juiz demonstrou incômodo com a liderança política de Lula, o que é um despropósito. Quis saber por que o ex-mandatário emitiu juízos contraditórios sobre o… mensalão!!! O que a dita Ação Penal 470 tinha a ver com o apartamento de Guarujá? Nada!”
A flagrante condução política do julgamento conseguiu a façanha de colocar Reinaldo Azevedo ao lado de Lula para poder defender o Estado de Direito. É simbólico demais.
Nas considerações finais, Lula discursou sobre a perseguição que sofre pela grande imprensa e apresentou números do Manchetômetro. O juiz não gostou e, como se fosse um oponente político em debate eleitoral, disse que também é perseguido por parte da imprensa: “infelizmente, eu já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs supostamente que supostamente patrocinam o senhor. Então padeço dos mesmos males em certa medida”.
Ora, ora. Ao final do interrogatório, o juiz faz uma ilação estranha sobre “blogs que patrocinam” Lula. Mas não vamos nos apegar ao estranho uso do verbo “patrocinar”, mas ao fato de o julgador se colocar como uma das partes do processo e afirmar que está sendo atacado por aliados do réu. Parece que há, sim, influência da imprensa no julgamento, não é mesmo? Usando esta mesma linha de raciocínio, talvez seja possível dizer que a Globo patrocina o nobre magistrado.
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