A Globo pode estar fabricando um novo Collor
Marco Aurélio Garcia relembra uma frase que ouviu de Roberto Marinho, ao explicar por que a Globo apoiou Collor em 1989: “Era filho de um amigo meu, um rapaz de boa aparência, falava línguas. Eu achei que daria um bom presidente.” Garcia adverte: as Organizações Globo podem estar empenhadas em repetir a dose de 1989 e inventar um novo Collor.
Nocaute
Marco Aurélio Garcia relembra uma frase que ouviu de Roberto Marinho, ao explicar por que a Globo apoiou Collor em 1989: “Era filho de um amigo meu, um rapaz de boa aparência, falava línguas. Eu achei que daria um bom presidente.” Garcia adverte: as Organizações Globo podem estar empenhadas em repetir a dose de 1989 e inventar um novo Collor.
Nocaute
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Por Marco Aurélio Garcia
Quem viu os noticiários da Globo, da CBN, ou leu as páginas dos jornais das organizações Globo, teve a impressão nessa semana que passou que o único assunto que existia eram as delações da Odebrecht, que foram primeiro vazadas e depois de vazadas foram liberadas. O que é interessante observar, sobretudo no Jornal Nacional, que tem uma audiência, ainda que declinante, muito grande no país, é que foi praticamente o único assunto. E um único assunto vazado muito menos em termos de informação, mais parecia um programa político de um partido. Aí a pergunta que fica: mas as organizações Globo não são um partido político? Sabe que eu acho que não é bem assim.
E eu me lembrei de uma história que presenciei há muito tempo. Em 1992 eu fui à França e havia um seminário internacional sobre os Quinhentos Anos do Descobrimento e convidaram personalidades de toda a América Latina para estarem lá. Era o descobrimento evidentemente das Américas. E uma das personalidades que estava era o doutor Roberto Marinho, o condestável das organizações Globo. E quando ele tocou a falar, no teatro Odeon em Paris, ele sem nenhuma inibição, sem nenhuma cerimônia contou alguns episódios de sua intervenção na política e relatou que logo depois da democratização, mais concretamente em 89, ele havia patrocinado a candidatura presidencial do candidato Fernando Collor de Melo e diz: “Era filho de um amigo meu, um rapaz de boa aparência, falava línguas. Eu achei que daria um bom presidente.”
Ora, se fosse apenas uma opção pessoal, tudo bem, cada um tem a sua. Mas em se tratando de alguém que detém um instrumento de tamanha penetração na sociedade, como é a Rede Globo, com televisão, com rádio, naquela época poucas, hoje muito mais com jornais, evidentemente, isso muda de figura. E depois, pensando bem, eu digo: mas isso não tem nada de surpreendente.
Em 1954 o que existia das organizações Globo se engajou na derrubada do presidente Getúlio Vargas. Em 1955 eles tentaram obstaculizar a candidatura de Juscelino e durante todo o governo JK fizeram ferrenha oposição muitas vezes abrigando nas páginas do Globo artigos que propugnavam o golpe de Estado. Obviamente em 1964 apoiaram o golpe de Estado, apoiaram o Regime Militar nos vinte anos. Anos depois fizeram uma autocrítica, um perdão muito discreto e insuficiente, evidentemente.
Eu me lembrei também ligando justamente esse pronunciamento do Roberto Marinho que a Globo teve um papel muito complicado na distorção daquele debate que houve entre o Lula e o Collor. Sobretudo na divulgação num momento em que a propaganda já estava encerrada. A propaganda eleitoral já estava encerrada.
Portanto havia sinais muito evidentes que essa organização se comportava efetivamente como um partido político. Com sua linha própria e mais do que isso: os treze anos e pouco dos governos Lula e Dilma demonstraram que mais do que um partido político, ele se transformou num verdadeiro guia das forças de oposição no país.
Assim que não é para nada surpreendente que tenham utilizado essa concessão pública (porque a televisão é uma concessão pública) para enveredar num caminho extremamente perigoso.
E eu vou explicar porque é um caminho extremamente perigoso. O que está em questão no momento nas famosas delações de membros da Odebrecht, dirigentes, altos funcionários, não é concretamente uma denúncia com o foro jurídico, com qualidade suficiente e credibilidade que possa efetivamente ser o instrumento de uma ação penal. Ali são delações, e delações de pessoas implicadas até o pescoço, a começar pelos altos dirigentes da Odebrecht e depois por aqueles que seguiram as suas instruções criminosas, delações com as quais eles pretendem salvar suas vidas. Não por acaso um deles disse: o que eu quero é sair disso rapidamente, poder tirar minha tornozeleira e aproveitar o que me resta de vida. Isto é, o muito de dinheiro que ganharam, entre outras coisas, sugando o Estado brasileiro.
Mas qual é o problema. O problema é que pelo menos duzentas pessoas e sabe-se lá quantas mais, ficaram com sua credibilidade questionada. É verdade que muitos que estão ali são delinquentes, são um bando de ladrões que se apossou durante muito tempo do poder político do país em benefício próprio, em benefício de suas corporações. No entanto, existe uma coisa chamada Estado de Direito e o Estado de Direito tem como um dos pilares a presunção de inocência. Aquilo é uma delação, é uma denúncia, que vai ser depois processada pelo Ministério Público e pelo poder Judiciário e só aí ganhará efetivamente foros de veracidade até o julgamento final, inclusive, julgamento recorrível.
Antes disso, fazer desses elementos e sobretudo de uma forma muito seletiva, atacando, mais de 60% do tempo de divulgação, ao Lula e ao PT, então isso aí é outra coisa. Isso é difamação. Mas essa difamação não é uma difamação movida somente por um certo ódio de classes desses setores pudentes da sociedade brasileira. Ela tem um outro objetivo que é atacar o sistema político brasileiro. Ainda que alguns digam: eles foram longe demais porque estão atacando todo mundo. Isso me fez pensar naquela fala do Roberto Marinho. Quando o Collor se apresentou como candidato ele era um outsider, ele era um homem fora do sistema. E havia, evidentemente, depois do colapso da ditadura brasileira, que não foi um colapso militar, foi um colapso político, havia, digamos, todo um desejo de reconstrução da vida democrática do país. Essa reconstrução, era provavelmente para a Rede Globo ameaçada por candidatos que tinham compromissos mais diferenciados. Como o Lula, o Brizola, o Covas, todos, mesmo os candidatos mais conservadores. E eles estavam em busca de alguém que fosse um pouco aparentemente antissistema, mas que fosse perfeitamente dócil a uma condução de uma grande organização empresarial como já era naquela época e hoje muito mais o é a Rede Globo.
Então, a minha pergunta é: não estará a Rede Globo tentando potencializar mais ainda aquele papel que teve no passado? Hoje numa configuração distinta, associada a uma parte do Ministério Público, a uma parte do poder Judiciário, a uma parte, até certo ponto, dessa quadrilha que frequenta o Congresso Nacional, que agora começou a ser vítima também. E obviamente, a setores empresariais que começam a se preocupar com os rumos desse governo. Não estarão eles tentando produzir um novo Collor, um novo aventureiro que possa ser dócil nas suas mãos? Se eu faço essa pequena análise é para chamar a atenção e quero com isso concluir: nós estamos vivendo uma situação, já em outras ocasiões tivemos oportunidade de conversar sobre isso, uma situação de grave estremecimento do sistema democrático brasileiro. Não é possível que efetivamente nós venhamos a ter como forma de superação da crise atual, que é profunda, simplesmente um apelo a homens providenciais e a destruição da democracia brasileira. Essa democracia tem de ser reconstruída, mas ela não pode ser reconstruída com instrumentos que são próprios de um Estado de exceção.
Nós estamos vivendo um Estado de exceção no Brasil, mas nós estamos vivendo a cada dia que passa incrustações de um Estado de exceção no que nos queda de democracia nesse país. Esse é o momento de reagir. E o momento de reagir com os olhos postos no ano próximo, em 2018, quando haverá eleições e quando essas eleições, as mais livres que seja possível e imaginável, nós teremos a oportunidade de refazer a democracia e sobretudo de entender as grandes demandas que a sociedade brasileira está começando a vocalizar, sobretudo, porque ela começa a sentir os efeitos gravíssimos dessa contrarreforma social e econômica impulsionada desde Brasília por esses tiranos que ocuparam o Palácio do Planalto e os Ministérios.
Por Marco Aurélio Garcia
Quem viu os noticiários da Globo, da CBN, ou leu as páginas dos jornais das organizações Globo, teve a impressão nessa semana que passou que o único assunto que existia eram as delações da Odebrecht, que foram primeiro vazadas e depois de vazadas foram liberadas. O que é interessante observar, sobretudo no Jornal Nacional, que tem uma audiência, ainda que declinante, muito grande no país, é que foi praticamente o único assunto. E um único assunto vazado muito menos em termos de informação, mais parecia um programa político de um partido. Aí a pergunta que fica: mas as organizações Globo não são um partido político? Sabe que eu acho que não é bem assim.
E eu me lembrei de uma história que presenciei há muito tempo. Em 1992 eu fui à França e havia um seminário internacional sobre os Quinhentos Anos do Descobrimento e convidaram personalidades de toda a América Latina para estarem lá. Era o descobrimento evidentemente das Américas. E uma das personalidades que estava era o doutor Roberto Marinho, o condestável das organizações Globo. E quando ele tocou a falar, no teatro Odeon em Paris, ele sem nenhuma inibição, sem nenhuma cerimônia contou alguns episódios de sua intervenção na política e relatou que logo depois da democratização, mais concretamente em 89, ele havia patrocinado a candidatura presidencial do candidato Fernando Collor de Melo e diz: “Era filho de um amigo meu, um rapaz de boa aparência, falava línguas. Eu achei que daria um bom presidente.”
Ora, se fosse apenas uma opção pessoal, tudo bem, cada um tem a sua. Mas em se tratando de alguém que detém um instrumento de tamanha penetração na sociedade, como é a Rede Globo, com televisão, com rádio, naquela época poucas, hoje muito mais com jornais, evidentemente, isso muda de figura. E depois, pensando bem, eu digo: mas isso não tem nada de surpreendente.
Em 1954 o que existia das organizações Globo se engajou na derrubada do presidente Getúlio Vargas. Em 1955 eles tentaram obstaculizar a candidatura de Juscelino e durante todo o governo JK fizeram ferrenha oposição muitas vezes abrigando nas páginas do Globo artigos que propugnavam o golpe de Estado. Obviamente em 1964 apoiaram o golpe de Estado, apoiaram o Regime Militar nos vinte anos. Anos depois fizeram uma autocrítica, um perdão muito discreto e insuficiente, evidentemente.
Eu me lembrei também ligando justamente esse pronunciamento do Roberto Marinho que a Globo teve um papel muito complicado na distorção daquele debate que houve entre o Lula e o Collor. Sobretudo na divulgação num momento em que a propaganda já estava encerrada. A propaganda eleitoral já estava encerrada.
Portanto havia sinais muito evidentes que essa organização se comportava efetivamente como um partido político. Com sua linha própria e mais do que isso: os treze anos e pouco dos governos Lula e Dilma demonstraram que mais do que um partido político, ele se transformou num verdadeiro guia das forças de oposição no país.
Assim que não é para nada surpreendente que tenham utilizado essa concessão pública (porque a televisão é uma concessão pública) para enveredar num caminho extremamente perigoso.
E eu vou explicar porque é um caminho extremamente perigoso. O que está em questão no momento nas famosas delações de membros da Odebrecht, dirigentes, altos funcionários, não é concretamente uma denúncia com o foro jurídico, com qualidade suficiente e credibilidade que possa efetivamente ser o instrumento de uma ação penal. Ali são delações, e delações de pessoas implicadas até o pescoço, a começar pelos altos dirigentes da Odebrecht e depois por aqueles que seguiram as suas instruções criminosas, delações com as quais eles pretendem salvar suas vidas. Não por acaso um deles disse: o que eu quero é sair disso rapidamente, poder tirar minha tornozeleira e aproveitar o que me resta de vida. Isto é, o muito de dinheiro que ganharam, entre outras coisas, sugando o Estado brasileiro.
Mas qual é o problema. O problema é que pelo menos duzentas pessoas e sabe-se lá quantas mais, ficaram com sua credibilidade questionada. É verdade que muitos que estão ali são delinquentes, são um bando de ladrões que se apossou durante muito tempo do poder político do país em benefício próprio, em benefício de suas corporações. No entanto, existe uma coisa chamada Estado de Direito e o Estado de Direito tem como um dos pilares a presunção de inocência. Aquilo é uma delação, é uma denúncia, que vai ser depois processada pelo Ministério Público e pelo poder Judiciário e só aí ganhará efetivamente foros de veracidade até o julgamento final, inclusive, julgamento recorrível.
Antes disso, fazer desses elementos e sobretudo de uma forma muito seletiva, atacando, mais de 60% do tempo de divulgação, ao Lula e ao PT, então isso aí é outra coisa. Isso é difamação. Mas essa difamação não é uma difamação movida somente por um certo ódio de classes desses setores pudentes da sociedade brasileira. Ela tem um outro objetivo que é atacar o sistema político brasileiro. Ainda que alguns digam: eles foram longe demais porque estão atacando todo mundo. Isso me fez pensar naquela fala do Roberto Marinho. Quando o Collor se apresentou como candidato ele era um outsider, ele era um homem fora do sistema. E havia, evidentemente, depois do colapso da ditadura brasileira, que não foi um colapso militar, foi um colapso político, havia, digamos, todo um desejo de reconstrução da vida democrática do país. Essa reconstrução, era provavelmente para a Rede Globo ameaçada por candidatos que tinham compromissos mais diferenciados. Como o Lula, o Brizola, o Covas, todos, mesmo os candidatos mais conservadores. E eles estavam em busca de alguém que fosse um pouco aparentemente antissistema, mas que fosse perfeitamente dócil a uma condução de uma grande organização empresarial como já era naquela época e hoje muito mais o é a Rede Globo.
Então, a minha pergunta é: não estará a Rede Globo tentando potencializar mais ainda aquele papel que teve no passado? Hoje numa configuração distinta, associada a uma parte do Ministério Público, a uma parte do poder Judiciário, a uma parte, até certo ponto, dessa quadrilha que frequenta o Congresso Nacional, que agora começou a ser vítima também. E obviamente, a setores empresariais que começam a se preocupar com os rumos desse governo. Não estarão eles tentando produzir um novo Collor, um novo aventureiro que possa ser dócil nas suas mãos? Se eu faço essa pequena análise é para chamar a atenção e quero com isso concluir: nós estamos vivendo uma situação, já em outras ocasiões tivemos oportunidade de conversar sobre isso, uma situação de grave estremecimento do sistema democrático brasileiro. Não é possível que efetivamente nós venhamos a ter como forma de superação da crise atual, que é profunda, simplesmente um apelo a homens providenciais e a destruição da democracia brasileira. Essa democracia tem de ser reconstruída, mas ela não pode ser reconstruída com instrumentos que são próprios de um Estado de exceção.
Nós estamos vivendo um Estado de exceção no Brasil, mas nós estamos vivendo a cada dia que passa incrustações de um Estado de exceção no que nos queda de democracia nesse país. Esse é o momento de reagir. E o momento de reagir com os olhos postos no ano próximo, em 2018, quando haverá eleições e quando essas eleições, as mais livres que seja possível e imaginável, nós teremos a oportunidade de refazer a democracia e sobretudo de entender as grandes demandas que a sociedade brasileira está começando a vocalizar, sobretudo, porque ela começa a sentir os efeitos gravíssimos dessa contrarreforma social e econômica impulsionada desde Brasília por esses tiranos que ocuparam o Palácio do Planalto e os Ministérios.
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