Marco Aurélio Weissheimer
Sul, Tarso Genro (PT), defende que é hora de intensificar, por meio da
luta política e do debate junto à opinião pública, a agenda da chamada
regulamentação da mídia. Para Tarso, esse é uma questão chave para o
avanço da democracia no Brasil e uma promessa ainda não cumprida da
Constituição de 88. Em entrevista à Carta Maior, o governador gaúcho
critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático
brasileiro e o processo de ideologização das notícias. Ele cita como
exemplo o comportamento editorial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do
Sul:
"As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando,
baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo
Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo
oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das
privatizações e das demissões de servidores públicos de forma
irresponsável, as chamadas "demissões voluntárias".
O debate sobre o tema da regulamentação da mídia e do setor da
comunicação como um todo enfrenta pesada resistência e oposição no
Brasil. Na sua opinião, qual o lugar que essa agenda ocupa – se é que
ocupa – hoje no debate político nacional?
Tarso Genro: A questão da chamada "regulamentação da mídia" - que na
verdade não trata nem do direito de propriedade das empresas de
comunicação e muito menos da interferência do Estado nas redações ou
editorias - é uma questão-chave do avanço democrático do país, das
promessas do iluminismo democrático inscritas na Constituição de 88 e
mesmo da continuidade da presença dos pobres, índios, negros, excluídos
em geral, discriminados de gênero e condição sexual, trabalhadores
assalariados e setores médios que adotam ideologias libertárias, na cena
pública de natureza política.
Mas essa promessa permanece não cumprida. O que é preciso fazer, na sua avaliação, para que ela se torne realidade?
Tarso Genro: É preciso "forçar a barra", através da
luta política, para que ela reflita no Congresso a exigência de uma
sistema legal, regulatório e indutivo, para a formação de empresas de
comunicação, cooperativadas ou não, estatais e privadas, que possam
sobreviver e ter qualidade, independentemente do financiamento dos
grandes grupos de poder financeiro e econômico, que tentam controlar a
formação da opinião de forma totalitária.
Como fazem isso? Ideologizando as notícias e selecionando os fatos que informam o público consumidor de notícias, a partir da sua visão de Estado, da sua visão de desenvolvimento, da sua visão das funções públicas do Estado, gerando uma espécie de "naturalização" do neoliberalismo e mascarando as premissas dos seus argumentos.
Cito alguns exemplos: reforma do Estado significa reduzir o serviço
público e demonizar empresas estatais, como estão fazendo atualmente com
a Petrobras; redução dos gastos públicos significa diminuir as despesas
de proteção social; o "custo Brasil", para eles, é originário, não da
supremacia da política rentista, característica do projeto neoliberal,
mas principalmente das despesas com direitos trabalhistas e impostos;
parcerias público-privadas são vistas apenas como "oportunidades de
negócios", para empresas privadas e não como uma relação contratual, que
combine o interesse público com o interesse privado; a corrupção é
sempre culpa do Estado e dos seus servidores, omitindo que ela tem outro
polo, o polo mais ativo, o privado, que disputa obras e serviços,
corrompe funcionários e manipula licitações, nas suas concorrências
predatórias.
Essa relação entre a política e a mídia costuma ser carregada de
tensões e conflitos. Como político e gestor público, como procura lidar
com esse tipo de situação?
Tarso Genro: Tive algumas experiências diretas
interessantes com este tipo de manipulação: quando iniciei a
implementação das cotas para negros e afrodescendentes no país, através
do Prouni - ali eu era ministro da Educação - a grande mídia atacava a
proposta, apoiada por acadêmicos de direita e da chamada
extrema-esquerda, porque as cotas iriam baixar a qualidade da
Universidade, já que os negros e afrodescendentes eram originários da
escola pública e não tinham uma formação compatível para cursar as
Universidades da elite, que são as universidades privadas. Puro
preconceito, como se vê, tornado notícia isenta. Hipnose fascista, como
argumentava Thomas Mann, na época do nazismo.
Outra experiência bem significativa foi quando, como Ministro da
Justiça, deferi –baseado em jurisprudência do Supremo, nas leis e na
Constituição, o refúgio para Cesare Battisti. Battisti não era, para a
grande mídia, um cidadão italiano buscando refúgio, mas um "terrorista. O
pedido de refúgio era divulgado, então, como pedido do "terrorista
Césare Battisti", para induzir o consumidor da notícia a ser contra o
refúgio, pois ninguém de sã consciência quer abrigar terroristas em seu
território. A grande mídia repassava sem nenhum pudor, para os leitores e
espectadores, portanto, a tese do corrupto Berlusconi e dos fascistas
italianos, de que Battisti era um simples bandido. Pura manipulação da
informação para obter resultados favoráveis às suas opiniões e posições
políticas pré-concebidas. Quase conseguiram.
Os exemplos aqui no Rio Grande do Sul também são fartos. Atualmente
temos "fronts" onde esta disputa se desdobra. Temos o direito de dizer
que é um jornalismo comprometido com uma visão do passado, este, da Zero
Hora, que desqualifica constantemente o nosso governo, com distorções
em notícias, cujos fatos são selecionados para dar uma impressão de
neutralidade.
Com qual visão de passado, exatamente?
Tarso Genro: Ora, a situação financeira estrutural do
Estado é ruim há muito tempo e nós nos elegemos com o compromisso de
investir, melhorar o salário do servidores - que estavam arrochados
duramente- e recuperar as funções pública do Estado. As matérias de Zero
Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso
programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem
dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já
que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de
servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas "demissões
voluntárias".
O governo Britto fracionou e vendeu a CEEE por preços irrisórios,
deixando as dívidas trabalhistas e das aposentadorias dos servidores com
o Estado. Negociou as dívidas com a União, comprometendo-se a pagar
juros exorbitantes e promoveu, assim, um estoque de dívida impagável. A
governadora Yeda vendeu ações do Banrisul para pagar despesas correntes,
não para - por exemplo - pagar contrapartidas para drenar mais recursos
para investimentos, e fez o chamado (falso) "déficit zero", arrochando
salários e promovendo uma redução brutal nas políticas sociais e nos
investimentos públicos, além de não captar recursos da União Federal, já
que seu governo estava permanentemente atravessado por disputas
internas. Ou seja, este jornal - e alguns editoriais de rádio e TV da
mesma cadeia - estão já fazendo campanha eleitoral, para tentar
restaurar, no Estado, as políticas destes dois governos, pois à medida
que escondem as responsabilidades pela situação do Estado e exigem de
nós, soluções imediatas, que sabem ser impossíveis e que não foram
propostas no nosso Programa de Governo, estão saudosos destas políticas
de privatização do Estado, que não deram em nada em lugar nenhum, a não
ser atraso e crises sociais.
Um exemplo que chega ser hilário desta paixão saudosista é a forma com
que eles tratam a questão dos pedágios no Estado e a parceria
público-privada, para a construção da RS 10. Quanto ao primeiro assunto
(pedágios), jamais avaliam os superlucros e os preços cobrados pelos
pedágios, nem avaliam os investimentos feitos pelas concessionárias,
para medi-los com estes preços e lucros. Quanto ao segundo assunto
(parceria para a construção da RS 10) nos pressionam (ou pensam que nos
pressionam), através de editoriais e notícias mal disfarçadas - mas são
recados neoliberais - que devemos ser rápidos, acolhendo a proposta que
vinha sendo negociada pela Governadora Yeda, sem pensar um minuto nos
custos para o Estado e, inclusive, nas garantias que o Estado deve
oferecer, nas suas precárias condições financeiras, herdadas dos
governos Britto e Yeda, cujas promessas eles tinham grande simpatia.
Este tipo de crítica dirigida diretamente a uma empresa de
comunicação costuma ser associado a um tipo de censura ou ameaça à
liberdade de expressão. Como vê esse tipo de objeção?
Tarso Genro: Tem o direito de fazer tudo isso, é óbvio,
mas se tivéssemos fortes órgãos de imprensa, TVs e rádios, que fizessem
circular de forma equivalente as informações do governo e a opinião dos
usuários, obviamente toda a sociedade ficaria bem mais esclarecida e
livre, para formar a sua opinião. Para informar, como se sabe, os
governos que não adotam o receituário neoliberal, precisam pagar e pagar
bem, com as suas peças publicitárias, pois as matérias em regra não são
nem isentas nem equilibradas e passam, naturalmente, a ideologia
dominante na empresa jornalística, às vezes até editando o trabalho
feito pelo repórter, ou encaminhando para ele as "conclusões" isentas
que a matéria deve conter.
Considerando a natureza conflitiva dessa relação, é possível, na
sua opinião, manter essa postura crítica e, ao mesmo tempo, não fechar
os canais de diálogo?
Tarso Genro: Temos diálogo com eles e vamos continuar
tendo, até porque não confundimos a nossa função pública com as disputas
político-partidárias, que estão na base destes conflitos.
Frequentemente temos que usar, porém, os meios alternativos à grande
mídia, as redes, os "blogs", as rádios independentes para divulgar as
nossas posições, principalmente em épocas pré-eleitorais, quando a
isenção se torna ainda menor e eles passam a preparar os seus candidatos
para as próximas eleições. É o que está ocorrendo agora de forma
acentuada, em temas de alta relevância para o Estado, como as finanças
públicas, as parcerias e as políticas sociais do nosso governo.Carta
Maior
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O TERROR DO NORDESTE
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