via Brasil 247
Um
“passarinho” muito bem informado me telefona para contar que o PT está
preocupadíssimo com o recente indiciamento de Lula pela Procuradoria da
República do Distrito Federal (PRDF) em inquérito aberto para apurar
denúncia que o ex-presidente sofreu de Marcos Valério Fernandes de
Souza, condenado pelo STF a 40 anos de prisão.
Lula foi acusado por Valério de ter negociado em 2005 com o então
presidente da Portugal Telecom o repasse de recursos para o PT em troca
de benefícios à empresa, e a PRDF diz enxergar motivos para investigar
essa denúncia.
Sobre motivos, os de preocupação não faltam ao partido. Esse é o
primeiro inquérito aberto com o objetivo único de investigar se Lula
atuou no “mensalão”, apesar de a Ação Penal 470 (iniciada em 2007 pelo
Supremo Tribunal Federal) tê-lo investigado antes de aceitar a denúncia
da Procuradoria Geral da República.
Tanto o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza – autor da
denúncia do escândalo – quanto o STF, porém, à época entenderam que não
havia elementos para indiciar Lula juntamente aos outros 38 acusados
naquela ação penal.
Lula, portanto, jamais foi indiciado como alvo específico. Assim, o
significado do que acaba de ocorrer é muito maior do que se pensa, ainda
que o alarde da mídia sobre o fato ainda esteja esperando a hora certa
para ter início.
A investigação que começa a tramitar na Procuradoria do Distrito
Federal, segundo petistas graúdos – que só agora começam a se preocupar
de verdade com a utilização do MPF e do Judiciário por seus adversários
políticos –, tem todas as características da AP 470 e já é dado por
aqueles “petistas graúdos” como certo que deverá ter o mesmo destino, se
nada for feito enquanto é tempo.
Em primeiro lugar, lembremo-nos de que o julgamento do “mensalão”
subverteu toda ordem jurídica e as jurisprudências conhecidas, inovando
em procedimentos e critérios, chegando ao ponto de dar tratamento
diferente àquele inquérito do que foi dado a outros absolutamente
iguais, como no caso do desmembramento do processo quanto aos réus que
não tinham foro “privilegiado”, o que não foi feito com o inquérito do
“mensalão tucano”.
Dessa maneira, esqueçamo-nos de que Lula não tem mais foro
privilegiado e de que, assim, não pode ser julgado pelo STF, tendo
direito ao que aquela Corte negou a réus da AP 470 que tampouco deveriam
ser julgados por ela: o duplo grau de jurisdição.
Detenhamo-nos um pouco mais nesse princípio do Direito Processual.
Segundo a doutrina prevista na Constituição Federal do Brasil em seu
artigo 5º, inciso LV, o duplo grau de jurisdição é parte dos princípios
do contraditório e da ampla defesa.
O princípio em tela garante ao jurisdicionado sem “foro privilegiado”
a reanálise de seu processo por instância superior. Em casos em que
existe esse “privilégio”, a competência cabe à instância máxima do
Judiciário, o STF, de forma que o duplo grau fica impossibilitado.
Em contrapartida, o “foro privilegiado”, apesar de negar a reanalise
da primeira decisão judicial a que o jurisdicionado for submetido, dá a
ele o benefício de ser julgado por um órgão colegiado como o Supremo
Tribunal Federal em vez de ser julgado monocraticamente por um único
magistrado em cada uma das duas instâncias do duplo grau de jurisdição.
Além disso, o réu sem “foro privilegiado” tem possibilidade de ser
julgado três vezes e, na última, pelo mesmo colegiado que julga uma
única vez quem tem esse “privilégio”, ou seja, pelo mesmo STF.
A desvantagem do “foro privilegiado” para réus de ações penais é a de
que o STF pode, a seu bel prazer, antecipar prazos e criar
jurisprudências, como aconteceu no caso da AP 470, com sua teoria do
“domínio do fato”, ou negar um desmembramento da ação que fora concedido
a outra praticamente idêntica, só que envolvendo o PSDB e não o PT.
Para réus de ações penais, portanto, o “foro privilegiado” não traz privilégios. Muito pelo contrário.
A má notícia para Lula, para o PT e até para a presidente Dilma
Rousseff – ainda que ela pareça não entender isso – é que o STF pode,
sim, arrogar para si o julgamento do ex-presidente, caso a Procuradoria
do Distrito Federal opte pela abertura de ação penal contra ele, pois
aquela Corte pode entender que a característica da denúncia a enquadra
no mesmo processo que condenou José Dirceu e companhia petista limitada.
O Supremo Tribunal Federal começou o julgamento dos 38 réus do
escândalo do “mensalão” no dia 2 de agosto de 2012. Já nos primeiros
momentos de um processo visto por inúmeros e respeitados juristas como
um julgamento de exceção pelas inovações que perpetrou, já era possível
prever no que daria.
Naquele primeiro momento, movimentos sociais e sindicatos ligados ao
PT, tais como MST, CUT etc., prometeram mobilização, manifestações,
ações que visassem mostrar aos que pretendiam promover uma farsa
jurídica que a sociedade civil não a aceitaria. Porém, ficou só no gogó.
O PT, por sua vez, soltou uma ou duas notinhas tímidas de protesto e
nada mais. Lula se calou – e até hoje segue calado – e Dilma manteve uma
distância daquela vergonha que, anotem aí, irá lhe cobrar um preço
muito mais alto do que pode sequer imaginar. E que não se resumirá à
muito maior dificuldade que terá em se reeleger caso seu principal cabo
eleitoral, ano que vem, seja alvo de uma ação penal no Supremo.
Lula, hoje, é o alvo mais apetitoso não só da direita midiática
brasileira, mas da de toda a América Latina. Não é apenas o maior
eleitor do Brasil. Com a morte de Hugo Chávez, vai assumindo o posto de
líder máximo da esquerda na região. Levá-lo à desmoralização – e quem
sabe até ao cárcere – é um dos sonhos mais acalentados por essa direita.
Com a esquerda brasileira apeada do poder, um efeito dominó será
desencadeado pela América Latina. Com a direita governando a maior
potência regional haverá rompimento de acordos e até sufocamento de
governos de esquerda em países como Argentina, Bolívia, Equador, Peru,
Venezuela e outros.
Para o Brasil, a volta da direita midiática ao poder será a maior
desgraça de sua história. Essa retomada do poder visa interromper um
processo que está eliminando a característica mais perversa deste país, a
de pátria da desigualdade.
Alguém acha que não gostam de Lula e do PT por serem feios, sujos e
malvados? A direita midiática não gosta dele porque é formada por uma
elite étnica e regional minúscula que durante o nosso meio milênio de
história concentrou uma parte indecente da renda nacional, colocando o
Brasil como o país virtualmente mais injusto do mundo até hoje.
Ora, a maior obra dos governos Lula e Dilma não vem sendo a queda do
desemprego ou o aumento da renda das famílias, ou tampouco a melhora na
infraestrutura ou a solidificação da economia, mas, justamente, o
exorcismo lento, gradual e contínuo do grande fantasma que assombra a
América Latina: a concentração de renda.
Será preciso explicar que, para redistribuir alguma coisa, só tirando de um para dar a outro?
A elite minúscula que concentra uma parcela quase inacreditável da
renda nacional está perdendo com os governos petistas, ainda que esteja
enriquecendo junto com o país. Está perdendo percentualmente.
Negros pobres não frequentam apenas os mesmos aeroportos e shoppings
que a elite branca de ascendência europeia do Sul e do Sudeste. Agora
começam a frequentar as mesmas universidades. Em alguns anos, por todo
país surgirá uma geração de médicos negros – um fenômeno impensável até
aqui, mas que irá ocorrer em pouco tempo devido ao Prouni e às cotas
para negros nas universidades.
Empregadas domésticas com FGTS e horas extras? Redução nos lucros da
privataria elétrica e da banca vampira, com redução da conta de luz e
queda nas taxas de juro ao consumidor? “Vade retro, justiça social!” É o
que brada a vampiresca elite tupiniquim.
A governança petista, caro leitor, está aplicando distribuição de renda na veia da nação.
A elite brasileira logo ficará morena e este não será mais um país de
poucos, como continua sendo até hoje meramente porque o processo
redistributivo em curso ainda tem muito a caminhar para se tornar
minimamente irreversível, se é que se pode usar esse termo.
Vou, então, contar mais um segredinho enorme que aquele “passarinho”
sabido me confidenciou: o PT e o próprio Lula já pensam em ele buscar o
julgamento das urnas para se contrapor ao julgamento de exceção que
preparam contra si.
Trocando em miúdos: Lula pode sair candidato a governador ou a
presidente, dependendo da gravidade e da velocidade do processo ora
desencadeado contra si.
Aliás, vale dizer que tal estratégia pretende ser, também, um
elemento de dissuasão dos que pretendem dar ao ex-presidente o mesmo
destino de José Dirceu.
Na visão deste que escreve, é pouco, muito pouco. Quase nada.
Eis que se o PT, os movimentos sociais, os sindicatos, o próprio Lula
e a presidente Dilma continuarem achando que o processo de destruição
do PT vai parar no seu maior líder, estão loucos. A direita
judiciário-midiática não irá parar até que o último petista vire pó e os
ideais do partido sejam apagados da face da Terra.
O que fazer? A sugestão é, pura e simplesmente, a de que os citados
no parágrafo anterior radicalizem de verdade. Como? Com o partido, os
movimentos sociais e o próprio Lula indo às ruas. E com Dilma pondo a
boca no trombone, como é seu direito constitucional. E não são só às
ruas do Brasil, mas as do mundo.
Acontecerá? Duvido. Todos esses, infelizmente, parecem possuídos por um dos piores demônios que assediam o homem: o medo.
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