Dida Sampaio/AELula 'está fazendo um movimento de renovação que os outros partidos não fizeram’, diz Ab’Sáber
Veja amigos e amigas, O Lula de costas não é mera coincidência. O que esse pessoal quer mesmo é ver o Lula de costas e por baixo. Muita gente do PIG se alegrou a com a enfermidade do Lula.
Nesse sentido, a história mostrará que nunca na República brasileira um presidente foi tão ridicularizado pela mídia como o Lula. E por quê? Respondo: preconceito e principalmente porque Lula venceu todas as barreiras criadas por uma elite que se apoderou do Brasil durante toda a sua existência.
Portanto, leia abaixo o texto O livro 'Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica'
postado no blog de Luis Nassif em 19/02/2012 - 08:29
Por Otto
Do Estadão.com.br
Senhor do carisma pop
Para psicanalista, Lula encarna um produto midiático que pode ser perfeitamente redesenhado
MÔNICA MANIR
Era o X Congresso dos Metalúrgicos, 1979, Poços de Caldas, e o João Bittar ali, na porta do banheiro do hotel, na cola do Lula. Diz que o Lula saiu do banheiro e, entre irritado e desafiador, levantou a blusa: "Quer fotografar o meu umbigo também?" Estava tudo engatilhado, Bittar não pensou duas vezes. Clicou a foto mais importante da sua vida. Anos depois ele diria que, se Lula escorregasse numa casca de banana, o fotografaria do mesmo jeito. Bittar morreu em dezembro do ano passado e o ex-presidente continua surfando no próprio carisma. É hoje tema de escola de samba e articulador do PT na campanha para prefeito de São Paulo, que esquenta forte os tamborins.
Num primeiro momento, o psicanalista Tales Ab’Sáber achou a foto "muito comercial" para ser capa do seu livro. Num segundo, entendeu a proposta do editor. Lula apontando para o umbigo apontava para dentro do livro também e tinha a ver com o mergulho que esse professor de filosofia da psicanálise da Unifesp fazia na personalidade do ex-presidente. Mais ainda: "É uma foto icônica, uma imagem de autocondescendência e narcisismo, muito narcisismo, de resto que nem o do Fernando Henrique". É disso que Tales trata nessa entrevista: do lançamento do livro Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica, da Hedra, em que ele pensa a figura desse homem público com poderes de mercadoria; dos efeitos da quimioterapia no redesenho desse produto; da oposição brasileira aparentemente perdida num vazio ideológico; e da falta de crítica à homogeneidade que está aí. "A arte e o pensamento estão mortos", sentencia, arranhando a barba.
Estado: Lula tema da Gaviões da Fiel é a representação máxima de seu carisma pop?
Tales Ab’Sáber: Já faz muito tempo que as escolas de samba puxam uma asa para o discurso oficial, às vezes de forma vendida, às vezes de forma comprada. Já teve escola fazendo o Maranhão, que era um jeito paralelo de falar do José Sarney. É um movimento das escolas de tentar se colocar à altura dos poderes da sociedade. Então não surpreende que uma delas eleja o Lula como tema, considerando o sucesso e a intensidade recente do personagem. Agora, é claro que existe um vínculo muito especial e pouco pesquisado do Lula com o Corinthians.
Estado: O que foi pouco pesquisado?
Tales Ab’Sáber: A cidade tinha um estádio pronto, um estádio tradicional, um estádio grande, um estádio bom. Como isso foi abandonado para construir do zero um outro estádio? É evidente que é uma decisão econômica, de bons negócios, e isso fala muito do nosso momento. Se é racional, se não é racional, todas as discussões desaparecem diante do fato de que algumas pessoas vão enriquecer com isso. É uma história mal contada. No futuro a gente vai saber como é que o presidente, de algum modo, teve uma agendinha pro Corinthians. Isso está sendo coroado agora, no carnaval.
Estado: Em que medida a falta de barba e talvez um prejuízo na voz afetam o carisma do ex-presidente?
Tales Ab’Sáber: Acho que, no Brasil, houve uma mudança do nível do carisma. Ele funciona agora como uma marca, um brand forte, tal qual a Coca-Cola. Funciona sozinho, não precisa de esforço para se reproduzir. O governo Lula e as forças que se congregaram em volta acabaram por transmutar a posição de um carisma pessoal, popular, para um carisma midiático, algo semelhante à propaganda. Se houver uma perda significativa na voz, isso é muito sério pro Lula. Sua voz é uma singularidade do seu corpo. Agora barba, signos assim, podem ser perfeitamente redesenhados, como se redesenha uma mercadoria de ponta, sem perder nada. O pacto desejante ao redor dele é muito grande.
Estado: Só por causa do carisma?
Tales Ab’Sáber: Não só. É também pela facilidade de conciliar contradições, de colocar na mesa inimigos que não se relacionariam em nenhum outro lugar. Lula é o conciliador da direita com a esquerda, o popular com o capital. Essa figura política é muito importante, esse lugar ele não perde. O mensalão foi, paradoxalmente, o grande golpe do acaso a favor do Lula. Aquela foi uma crise muito grave, botou o governo em risco, mas acabou por diminuir a potência do PT e liberar o poder do seu líder, que era o presidente. Ele precisava ficar protegido e, ao mesmo tempo, negociar uma possível anistia para o mensalão. Um ano e meio antes, Lula era uma figura simbólica. Com a queda do José Dirceu e toda a estrutura do partido, entrou como articulador do seu próprio governo.
Estado: A crise econômica global ajudou também.
Tales Ab’Sáber: Sim, houve uma mudança do significante que vem do todo. O capitalismo regrediu e o Brasil continuou na mesma. Podia ter acontecido antes ou depois, embora não tenha sido por acaso o fato de estarmos protegidos nesse cenário. O sistema financeiro era forte; a China era um guarda-chuva para o País porque comprava e compra grande parte dos nossos produtos; e íamos vender petróleo. O capitalismo está regredindo agora, mas daqui a cinco anos pode crescer pelo Brasil. Isso é a estrela do Lula. Ele tem sorte para que todas essas coisas aconteçam para ele.
Estado: Ao mesmo tempo, tentou três vezes a Presidência e não conseguiu. A estrela ainda não estava no ponto?
Tales Ab’Sáber: O que permitiu ao PT chegar ao poder foi a adesão aos parâmetros do capitalismo contemporâneo. Com isso ele ocupou as funções históricas do PSDB, cuja base social, o capitalismo financeiro brasileiro, aderiu ao projeto petista. Além disso o PT agregou, por meio do Lula, a ideia de que a grande massa de excluídos brasileiros está incluída via mercado. Lula conseguiu um pacto de aceitação da classe trabalhadora da gestão capitalista da sua existência. Para tanto, as pessoas precisavam acreditar que estavam ganhando algo, mesmo que fosse pouco mais do que ganhavam. A integração é simbólica. Aí está o carisma no sentido mais forte. As pessoas acreditavam que estavam num processo de integração por amor a ele. Do ponto de vista crítico, essa integração é mínima. A vida dos brasileiros continua horrorosa, as pessoas continuam acordando às 4 da manhã para pegar um ônibus lotado, para ganhar muito pouco, para não ter perspectiva alguma de educação, para morar em lugares horríveis. Mas todas essas mazelas estão suspensas por um horizonte de que está acontecendo alguma coisa. Tem um psicanalista, o Donald Winnicott, que diz que a mãe precisa ser suficientemente boa para o bebê. Ela não é infinitamente boa, nem perfeitamente boa. Ela é boa o suficiente no trabalho difícil de ajudar o filho a crescer. Poderíamos dizer que o governo Lula foi suficientemente bom para uma integração capitalista brasileira. Bom o suficiente. Nem bom demais, nem bom de menos. Isso é raro no Brasil. Essa é a obra de Lula, mais do que o Bolsa-Família.
Estado: O Obama, quando eleito, tinha uma popularidade altíssima, que regrediu nos últimos tempos. Foi apenas o acaso da crise do capitalismo do mundo?
Tales Ab’Sáber: Não dá para comparar o estágio atual de desenvolvimento dos dois países nem sua estrutura política. O Brasil inventou esse presidencialismo de coalizão, que tende a trazer todos os pequenos partidos e os de centro para dentro do governo. O PT era fortemente crítico a esse jogo fisiológico da política brasileira. Ele viria para modernizar e racionalizar isso daí. Cedeu em toda a linha, cedeu à tradição brasileira.
Estado: E continua cedendo, aceitando uma maior proximidade com o PSD?
Tales Ab’Sáber: O PSD quer o poder, porque esses partidos são partidos de poder. É muito diferente dos EUA. Lá o Obama enfrenta uma oposição ferrenha, irracional, antissocial, que chega a ser delirante. E, nessa luta ferrenha do partidarismo, o Obama perdeu força porque não conseguiu operar bem essa linha. Lá é branco e preto, lá tem que vencer o inimigo. Ele não conseguiu forças pra isso, então congelou o governo por um bom tempo. Só que os americanos são muito pragmáticos. Querem que o Obama faça, é responsabilidade dele achar um modo de resolver isso. Aqui quase toda a oposição é a favor do governo.
Estado: Como avalia o momento do PSDB, com a indefinição quanto às prévias para escolher um candidato à prefeitura de São Paulo?
Tales Ab’Sáber: Essa insolidez do PSDB tem origem lá trás, quando as bases sociais do PSDB migraram para o projeto petista-lulista. Isso ficou claro quando banqueiros vieram do primeiro para o segundo turno dizendo que, para eles, tanto fazia a vitória do Lula ou do Alckmin, que não importava mais o teatrinho do passado em relação ao PT. Importava a eficácia do partido em mobilizar o capitalismo contemporâneo. Ali o PSDB acabou. O PSDB nunca teve enraizamento social ligado a movimentos sociais, não conseguiu se infiltrar na federação como o PMDB. O PSDB era o partido que modernizaria o capitalismo brasileiro e que serviria como tampão para evitar a chegada ao poder do PT. Como o PT virou o horizonte de modernização do capitalismo, a necessidade política do PSDB se desfez. Hoje o PSDB é um monte de cacique sem estrutura, sem força política, lutando para ver se se sustenta como um símbolo vazio.
Estado: A candidatura de José Serra poderia reverter esse processo?
Tales Ab’Sáber: Olha, daria para fazer um livro sobre o Serra também. Neste momento, o Serra precisa assumir que é uma liderança importante e desarticuladora. Sempre foi. É uma tendência autoritária dele se impor a todos os debates. O que o Lula tem de agregador, ele tem de ataque às ligações. Ao mesmo tempo, é o herdeiro da confiança da elite conservadora paulistana, que agora não tem objeto em que depositar sua esperança a não ser ele. De algum modo, o PSDB está refém do Serra. O partido não tem alternativa, não dá para vir com o neto do Mario Covas, que é um moleque. É muito patética essa tentativa de construir um Chalita na última hora.
Estado: Falando em Gabriel Chalita, como classificar o carisma dele?
Tales Ab’Sáber: Esse é um grande sedutor. A carreira dele é a construção de mecanismos de sedução. O Chalita era um professor do Colégio Santa Cruz quando tentou ser vereador. Depois foi professor da PUC, onde quase virou reitor. É um demagogo, mas um neodemagogo, um demagogo pós-moderno. O Lula tem carisma, mas sempre representou forças reais, como representava Getúlio Vargas. O suicídio do Getúlio foi uma ação carismática com um gesto sobre o próprio corpo. Mesmo que sobre a morte, ele barrou o processo político que estava acontecendo. E aí a gente vê o tipo de compromisso que o Max Weber fala que o líder carismático tem. Ele empenha sua existência, chama o jogo para si, é o cara. E o Chalita? É um tipo Jânio, só a sua própria voz.
Estado: Por que ele seduz?
Tales Ab’Sáber: O Chalita é o menininho falso brilhante de classe média. Ele escreveu 60 livros. Seria um gênio, se um livro dele prestasse. Foi secretário de Educação do governo Alckmin, uma barbaridade. Um moleque sem lastro técnico nenhum dirigindo a Universidade de São Paulo, a Unicamp, e não houve reação a isso. Aí você vê como essas figuras conservadoras são fortes em São Paulo. Ele é uma mistura de radialista, animador e falso intelectual, que no entanto funciona perfeitamente. O Lula tem muito medo dele. O Lula vê que a demagogia dele é eficaz.
Estado: E que símbolo é o Fernando Henrique?
Tales Ab’Sáber: O Fernando Henrique foi negado pelo tucanato durante todo o governo Lula, não por acaso. No fim do governo Fernando Henrique, ele era um passivo muito grande para o PSDB, se configurando uma figura antipopular porque o País ficou anos parado, sem crescimento. Os marqueteiros tinham pesquisas dizendo: "O Fernando Henrique tira votos". Então ele tinha que ser deixado de lado porque a ideia era levar o Serra para o segundo turno para que o PSDB não sumisse naquela hora. Houve um momento de pânico. Depois disso, a própria Dilma fez um gesto de recuperar o Fernando Henrique, talvez como figura histórica, como diferenciação dela em relação ao Lula, na mesma linha do afastamento do imbróglio diplomático com o Irã. São gestos fáceis, que não significam nada, até pela avaliação de que o PSDB está estraçalhado. Com o esvaziamento do tucanato, o Fernando Henrique volta como uma coisa bem brasileira, que o Machado de Assis chama de medalhão, uma pessoa acima do bem e do mal, embora o livro A Privataria Tucana mostre que os tucanos não estão assim tão acima do bem e do mal. Aliás, se o Serra for mesmo o prefeito, espero que esse livro finalmente venha à tona. Os políticos não querem tocar nisso porque é provável que toda a política brasileira esteja funcionando assim hoje. É isso que é aderir incondicionalmente ao capitalismo.
Estado: O Lula volta em 2014?
Tales Ab’Sáber: Tem que lustrar a bola de cristal. Não sei. Depende muito do seu estado físico. Parecia que o mandato da Dilma seria um tampão para a volta do Lula, mas, se o governo dela estiver indo bem, talvez não haja necessidade disso. Acho que o Lula é um político de horizontes mais amplos, não necessariamente precisa estar no governo, desde que esteja produzindo um projeto político.
Estado: Ele não precisa dos holofotes?
Tales Ab’Sáber: Acho que precisava até chegar à Presidência. O fato de não ter flertado com o terceiro mandato abriu uma perspectiva mais ampla do que a mera política de estar no poder. No momento está jogando para a conquista da prefeitura de São Paulo, fazendo um movimento de renovação que os outros partidos não fizeram. Ele escolheu a Dilma, neófita, por um motivo que parece técnico. Do mesmo jeito escolheu o Haddad, um tipo de quadro de que o PT não gosta porque não vem das bases operárias, não vem da gestão cotidiana do partido. Curioso que o Haddad seja um pouco semelhante à Marta. É um cara que tem ligações com a universidade, um especialista, um professor, foi escolhido a dedo para ganhar esse povo que resiste ao PT em São Paulo. Vão atacá-lo porque roubaram uma prova do Enem? Não é culpa do MEC roubarem uma cópia do Enem. Foi um crime comum, um caso de polícia. O Haddad não conseguiu dizer isso. Ele passou recibo, aceitou como se fosse uma coisa do ministério. Nesse sentido, mostra que não é um político muito hábil.
Estado: No fim do livro você escreve que a homogeneidade cultural prepara a homogeneidade política. Tudo está junto e misturado?
Tales Ab’Sáber: Tudo é a mesma coisa. Isso é uma péssima notícia política para o tucanato. Ele não faz mais diferença. Perfume francês, falar inglês e ter passado por Harvard seis meses? Pode ser o Kassab também. Todos os políticos querem inflar a economia, inserir mais gente no consumo, e vai criando este mundo em que mesmo as pessoas de vanguarda não suportam a vanguarda. Não suportam a negatividade. O Brasil está muito fechado nisso. O centro do capitalismo, por causa da crise, perguntou que mundo é este. No Brasil, não. Aqui, o mundo é este. No centro do capitalismo se sabe que o capitalismo não entrega inteiramente o seu bife. Cria-se toda essa cultura de fetichismo e uma hora isso acaba. Puf! E aí as pessoas podem passar dez anos num inferno. Já se pergunta se esse é o melhor jeito de a humanidade viver, com tanta riqueza, com tanta tecnologia. Mas isso vai demorar muito tempo para se transformar numa teoria crítica de transformação. Vai se fazer uma nova rodada de todo poder ao mercado, de todo poder ao dinheiro, com tudo o que isso tem de doença.
Estado: Se o mundo não acabar neste ano.
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