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Investigação do Coletivo de Comunicadores Populares revela o que a mídia tradicional não ousa perguntar e abre espaço para apuração que pode ser devastadora
Por Blog Coletivo Outras Palavras
Está ciruculando nas redes sociais um vídeo imprescindível. Chama-se: Massacre do Pinheirinho: a verdade não mora ao lado. Acaba de ser produzido, por uma equipe que conhece o poder do jornalismo de profundidade e o pratica, mesmo tendo em mãos meios tecnológicos precários. Seus autores — Cristina Bescow, Yan Caramel, Gabriel de Bacelos e Jefferson Vasques — articulam-se no Coletivo de Comunicadores Populares e na Camará Comunicação Popular (Camaracom).
Reproduzido acima, o documentário expõe com clareza aspectos da operação policial que toda a mídia comercial poderia ter levantado, mas não o fez — possivelmente devido a seus compromissos ideológicos e partidários já conhecidos. Alguns destes aspectos poderão estimular investigações específicas. Está se abrindo espaço para livros importantes e de enorme repercussão, que exploram, como Privataria Tucana, os grandes temas mantidos na zona do “ponto cego” da mídia tradicional. Eis algumas das pistas abertas por A verdade não mora ao lado:
> O “proprietário” do terreno em que viviam e produziam cerca de dez mil pessoas é, mesmo, Naji Nahas, o megaespeculador que violou, além das leis, os próprios códigos de conduta da oligarquia financeira. Foi condenado à prisão pela Justiça brasileira no final dos anos 1990. Fugiu do país. Regressou graças a manobras judiciárias. É apresentado, no documentário, como alguém que contribui frequentemente com as campanhas eleitorais do PSDB.
Aqui, A verdade mora ao lado executa de forma brilhante um papel que os jornais tradicionais abandonaram: ir, num conflito social, além do óbvio e da superfície. Investigar os personagens, seus interesses. Evitar que a “defesa da ordem jurídica” seja apenas o escudo usado pelos poderosos para conservar seus privilégios. Lembrar que, embora reconheça o direito à propriedade, a Constituição o condiciona ao cumprimento de uma “função social” (artigo 5º, inciso XXIII). Logo na abertura, por exemplo, o documentário revela que o Pinheirinho era, até 2004, uma área abandonada. As imagens de mães, casas, crianças e bebês são um testemunho da humanização que o Estado e seu braço armado destroçaram.
> Chamava-se Selecta a empresa que, controlada por Nahas, possui direitos de “propriedade” sobre o Pinheirinho. Hoje é representada por uma “massa falida”. Tem dívida de 10 milhões de reais com a prefeitura de São José dos Campos, por sonegação de impostos. Diversos dispositivos do Estatuto das Cidades permitiriam desapropriar a área sem nenhuma dificuldade jurídica ou política, garantindo o cumprimento da função social. Mas, aparentemente, o prefeito Eduardo Cury (PSDB) não se serve da condição de credor para garantir o direito à moradia e sim para atingi-lo. Segundo A verdade não mora ao lado, Cury agiu, enquanto autoridade do município e, portanto, credor, parafrustrar o acordo, já quase fechado, que permitiria ao governo federal urbanizar o Pinheirinho.
> Seus motivos são um dos aspectos que merecem, no caso, investigação jornalística. As pistas estão no próprio documentário. “Tirou nós de lá para botar os bonitão, os grandão”, diz uma moradora, entrevistada pelos documentaristas. Não seria difícil apurar que empresas do setor imobiliário têm projetos para a área do Pinheirinho; quais seus vínculos com o prefeito, o governador e suas campanhas. Mas aposte: a mídia tradicional não o fará; é trabalho para alguém com a mesma garra e valores dos que fizeram A verdade mora ao lado.
> Outra vítima da desocupação revela o preconceito implícito nas atitudes do prefeito e do governo do Estado. “Ofereceram passagem para o Norte. Mas eu não tenho nada no Norte. Fiz minha vida aqui, meus filhos são todos paulistas”. Uma das grandes qualidades do documentário é expor sem arengas, por meio das próprias imagens, a miséria da política institucional. Numa solenidade, o governador Alckmin enaltece a condição de “polo tecnológico” de São José. Um corte remete para as ruas enlameadas do Pinheirinho sob nuvens gás lacrimogênio. Adiante, Alckmin alude à importância de “um teto seguro”, mas o que se vê na tela é um morador ferido pela polícia, por defender sua casa…
> A verdade mora ao lado não entra explicitamente no debate sobre a possível ocorrência de mortes, durante a desocupação. O clima de violência permanente e selvagem que marcou a ação aparece quando um policial saca uma pistola prateada e a aponta para a multidão, recuando no último momento; quando as imagens demonstram que até mesmo deputados foram impedidos de entrar na área; quando os ocupantes de uma viatura constrangem-se diante do repórter, que lhes indaga por que não portam identificação.
Na luta para democratizar as comunicações, foi importante, durante algum tempo, denunciar a baixíssima qualidade da mídia convencional (o “PIG”, Partido da Imprensa Golpista, na expressão do sempre criativo Paulo Henrique Amorim) e seus laços com o poder oligárquico e financeiro. A verdade mora ao lado mostra que talvez esteja na hora de passar desta fase. Há espaço para, mesmo com poucos recursos, resgatar o jornalismo — que a mídia convencional abandonou. Que este excelente documentário abra caminhos…
Leia o que o SPressoSP já publicou sobre o Pinheirinho aqui.
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