Renda transferida a milhões de eleitores
Alcance dos programas de recomposição do salário mínimo e do Bolsa Família reforça a máxima: ‘Uma pessoa, um voto’
Henrique Gomes Batista e Maria Fernanda Delmas – O GLOBO
Duas das principais medidas econômicas do governo Lula beneficiaram diretamente a vida de, pelo menos, 58 milhões de pessoas. A primeira é o forte reajuste do salário mínimo acima da inflação nos últimos anos, que atinge 26,879 milhões de trabalhadores (dados de 2008) e 18,425 milhões de aposentados e pensionistas. A outra é a expansão dos benefícios sociais. O número de detentores do cartão que dá direito ao Bolsa Família chega a 12,6 milhões.
— O Bolsa Família tem escala para impactar o voto, apesar de representar pouco do PIB. É que, na política, uma pessoa é um voto — explica o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Se quem recebe os benefícios sociais ou teve a renda recomposta é potencial eleitor, o impacto econômico das medidas é ainda maior. Os números tratam dos titulares dos recebimentos, sem contar seus dependentes.
Neri lembra que o Bolsa Família, por exemplo, a um custo baixo, atinge famílias com muitas crianças e chefiadas por mulheres.
O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, calcula que entre 2003 e 2009 o governo alocou 0,5% do PIB no Bolsa Família.
O atual salário mínimo, de R$ 510, embute um aumento real de 53,67% no governo Lula, entre 2003 e este ano, segundo dados oficiais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para quem se lembra da luta para que o mínimo valesse US$ 100, uma informação: hoje ele equivale a US$ 291,40, muito acima dos US$ 65 do início do Plano Real. Segundo dados de 2008 do IBGE, 29,1% dos trabalhadores do país, incluindo informais, recebiam o mínimo.
No Nordeste, esse percentual chega a 48%.
O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz, reforça que os ganhos reais do salário mínimo têm um alcance além da vida dos trabalhadores que o recebem: mdash; O salário mínimo é um importante patamar da economia nacional. Vejo diversas categorias que conseguiram ganhos reais porque utilizaram o valor como parâmetro.
Ganz afirma que mesmo o aumento real de 7,7% das aposentadorias maiores que o salário mínimo, obtido em 2010, também usou como argumento o forte ganho do piso nos últimos anos. O especialista diz que o salário mínimo é um dos responsáveis pelo crescimento do PIB, principalmente pelo impacto que gera nas aposentadorias e na economia informal.
O professor da PUC-RJ Luiz Roberto Cunha concorda com a tese de que, se o Bolsa Família foi importante para a redução da pobreza, o mérito principal do aumento do salário mínimo foi a redução da desigualdade: — Muitos dizem que há efeitos negativos, como uma maior pressão no déficit da Previdência e na inflação. Mas os ganhos sociais e econômicos são enormes.
Amir Khair, mestre em finanças públicas pela FGV-SP, defende que as transferências de renda no Brasil sejam feitas numa camada de renda menor: — Quando se ativa a economia embaixo, todos saem ganhando.
Cria-se mais consumo, as empresas produzem e lucram mais e geram empregos.
Carneiro, da Unicamp, calcula que, no início do governo Lula, o salário médio no país era quase quatro vezes e meia maior que o salário mínimo.
No início de 2010, a diferença caiu para duas vezes e meia: — Não estou nem um pouco surpreso com o resultado das pesquisas eleitorais (que mostram Dilma Rousseff, do PT, bem à frente de José Serra, do PSDB, na disputa pela Presidência).
Economista faz releitura: ‘É o social, estúpido!’ Cunha cita inclusive a “boa inflação”, vista claramente no aumento do custo dos serviços de empregados domésticos, categoria de quase 8 milhões de pessoas no Brasil. Nos últimos quatro anos, a expansão dos preços desse serviço foi, no mínimo, o dobro da inflação oficial, medida pelo IPCA. Em 2005, a inflação geral foi de 5,72% e a do setor, 11,59%. No ano passado, a situação se repetiu. O IPCA subiu 4,31% e os preços do serviço doméstico, 8,74%.
— Certamente, a forte alta do preço dos serviços nos últimos anos foi motivada pelo aumento da renda de cabeleireiras, encanadores, marceneiros, costureiras.
Houve um impacto na inflação, mas certamente um forte ganho social. O salário mínimo ajudou muito na conquista deste momento de quase felicidade geral da nação que vivemos — afirma o professor da PUC.
Neri lembra que um ganho pequeno de renda faz mais diferença no bolso dos pobres. Há um crescimento chinês na base de distribuição, e a redução de desigualdade é o fermento no crescimento do bolo, acredita.
O economista da FGV até parafraseia a famosa frase de James Carville, o marqueteiro de Bill Clinton na eleição presidencial de 1992, que saiu-se com “É a economia, estúpido!” para explicar a George Bush pai por que o democrata liderava na corrida.
— É o social, estúpido! — brinca Neri, acrescentando que, em 2010, o governo está jogando dinheiro de helicóptero com os programas de transferências de renda em geral.
Postado por Luis Favre
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