CARTA CAPITAL.
A respeito das violações de dados secretos, pairam diversas dúvidas. Uma delas: como ligar as criminosas quebras de sigilo à sucessão? Na quarta-feira 1º, ante as evidências de que tanto a procuração quanto a assinatura de Verônica Serra, filha do presidenciável José Serra, eram falsas, a Receita Federal foi obrigada a reconhecer que o sigilo fiscal da empresária havia sido acessado com base em documento falso. Foi mais um capítulo de um crime que a Receita não conseguiu dimensionar com clareza, que atingiu centenas de cidadãos e que tem alimentado o mais recente capítulo da disputa eleitoral.
É realmente suspeito o fato de cinco personagens ligados a Serra terem o sigilo fiscal violado. Além de Verônica, os ex-ministros Eduardo Jorge e Luiz Carlos Mendonça de Barros, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima do candidato, e Ricardo Sérgio de Oliveira, o homem do “limite da irresponsabilidade” da privatização do Sistema Telebrás, tiveram seus dados violados, segundo a investigação da própria Receita.
Mas, ao lidar de forma pouco transparente com o assunto, o órgão público alimenta as teses mais convenientes para quem ainda tem esperança de alterar o quadro da sucessão. A autarquia poderia se esforçar para elucidar algumas dúvidas: apenas tucanos – e só os ligados a Serra – tiveram seus sigilos quebrados ilegalmente? Há dirigentes de outros partidos? Trata-se de um crime político ou da descoberta de um balcão de venda de informações fiscais de contribuintes indefesos?
São algumas das muitas perguntas ainda em aberto. A revelação do acesso não autorizado à situação fiscal de Verônica elevou ao mais alto decibel as acusações do PSDB contra a suposta chantagem política armada pela campanha de Dilma Rousseff. Serra declarou que a adversária e o PT cometeram um “ato criminoso”. Sérgio Guerra, presidente do partido, afirmou que Dilma e o presidente Lula “atentam contra a democracia”.
Os tucanos entraram com representação no Tribunal Superior Eleitoral com o intuito de cassar o registro da ex-ministra, que lidera com ampla margem todas as pesquisas, e a mídia relembrou o fantasma do “aparelhamento do Estado” e cunhou a expressão “aloprados II”, em alusão à prisão de petistas em um hotel de São Paulo que provocou o segundo turno em 2006. Na quinta 2, o TSE arquivou a representação. O presidente da República disse confiar na Receita e Dilma chamou de levianas as acusações de que as violações são obra de sua campanha.
Até o momento, só muita imaginação e um alto grau de leviandade permitem uma ligação tão linear entre a violação de sigilo e o seu suposto uso como arma suja de campanha – e especificamente pelo comitê de Dilma Rousseff. O que não quer dizer que ela não possa vir a ser provada.
O próprio caso do acesso ao sigilo de Verônica destoa dos demais. Ele ocorreu no fim de setembro do ano passado em uma delegacia da Receita em Santo André (SP). Os outros foram violados no início de outubro em Mauá. Naquela altura, nem Dilma era candidata nem o PT havia montado uma estrutura de campanha, muito menos o intitulado “grupo de inteligência”.
Os dados da filha do presidenciável foram obtidos por um advogado que aparentemente frequenta o submundo da negociação de dados sigilosos, o contador Antonio Carlos Atella Ferreira, dono de quatro CPF e com vários processos no lombo. Em várias entrevistas na quarta 1º, Ferreira admitiu ter solicitado à delegacia da Receita de Santo André as informações de Verônica, mas negou saber que a procuração e a assinatura eram falsas. Declarou-se eleitor de Serra e afirmou não lembrar o nome de quem lhe havia solicitado o serviço (“atendia de 15 a 20 pedidos desses por dia”). “Assinou, mandou para mim, eu tiro. E a Receita tem de entregar. A Receita não é nem a culpada, coitada. Não estou defendendo, mas a funcionária pega uma solicitação e tem de cumprir o ato administrativo”, afirmou o contador à Folha de S.Paulo. É a justificativa da analista Lúcia de Fátima Gonçalves, que liberou os dados mediante a procuração: “Não sou perita criminal. Não lembro a quem entreguei. Mas verifiquei que tinha firma reconhecida”.
Diante de uma funcionária enganada por fraude, como atribuir, neste caso, a culpa à Receita ou vociferar contra o “Estado policial”? E mais: quais as evidências a permitir as ilações de que os interessados em obter os dados de Verônica integrariam (integrariam, pois em setembro, recorde-se, não havia estrutura de campanha) o comitê de Dilma?
É preciso relembrar o noticiário que precedeu a atual celeuma. Em 12 de junho, a Folha de S.Paulo afirmou que entre os papéis de um suposto dossiê montado pelo “grupo de inteligência” sob o comando do jornalista Luiz Lanzetta constavam extratos da declaração de renda de Eduardo Jorge. Nenhuma menção a Preciado, Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio ou Verônica. O jornal, nem nenhum outro veículo, não foi capaz até o momento de responder às seguintes perguntas: quem da equipe de Dilma obteve de forma criminosa os dados dos tucanos? Quando? A candidata autorizou a baixaria ou ao menos soube da operação? Por que, em junho, falou-se apenas em Eduardo Jorge?
No início de junho desenrolava-se uma briga interna no comitê petista entre Lanzetta, indicado por Fernando Pimentel, amigo da presidenciável e ex-prefeito de Belo Horizonte, e o grupo paulista ligado ao deputado Rui Falcão. As facções disputavam o controle da milionária estrutura de comunicação da campanha.
Lanzetta tentava trazer para o comitê o jornalista Amaury Ribeiro Jr., repórter premiado e que trabalhou nas principais redações do País. Seu último emprego fora no Estado de Minas. Nesse diário, Ribeiro Jr. havia iniciado, a pedido da direção, uma apuração dos escândalos da privatização no governo Fernando Henrique Cardoso. Preciado, Ricardo Sérgio e Mendonção, além do próprio Serra e de Verônica, eram personagens na mira. O start da reportagem teria sido dado após uma solicitação do ex-governador Aécio Neves. Informado da existência de uma bisbilhotagem a seu respeito, supostamente conduzida por Marcelo Itagiba, deputado carioca e ex-policial federal ligado a Serra, Aécio teria buscado uma forma de neutralizar o “fogo amigo”. À época, o mineiro ainda alimentava o desejo de disputar a indicação do PSDB à Presidência com o colega paulista.
O jornal mineiro nunca publicou nada, mas Ribeiro Jr. afirma que, diante das informações recolhidas, decidiu escrever um livro sobre os escândalos. Ele promete lançá-lo no ano que vem. Segundo ele, a intenção é “evitar o uso político em ano eleitoral”. Mas um dos capítulos, no qual são citados explicitamente Preciado e Verônica Serra, veio a público em junho e pode ser facilmente encontrado na internet. O repórter, hoje no núcleo investigativo da Rede Record, nega ter se baseado em informações obtidas de forma ilegal. “São todos documentos públicos.”
Outra dúvida sobre o episódio: para ter o efeito eleitoral supostamente desejado, um dossiê contra Serra deveria ser amplamente divulgado e suas informações precisariam ser críveis ou, no mínimo, verossímeis. Em resumo: um meio de comunicação de influência nacional teria de aceitá-lo como verdade e uma onda de jornais, canais de tevê e rádio deveria repercuti-lo amplamente sem maiores objeções. Dia e noite. Espera aí. Não é justamente o que a mídia faz neste momento ao embarcar na teoria de que o comitê de Dilma Rousseff cometeu atos criminosos contra o adversário?
É realmente suspeito o fato de cinco personagens ligados a Serra terem o sigilo fiscal violado. Além de Verônica, os ex-ministros Eduardo Jorge e Luiz Carlos Mendonça de Barros, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima do candidato, e Ricardo Sérgio de Oliveira, o homem do “limite da irresponsabilidade” da privatização do Sistema Telebrás, tiveram seus dados violados, segundo a investigação da própria Receita.
Mas, ao lidar de forma pouco transparente com o assunto, o órgão público alimenta as teses mais convenientes para quem ainda tem esperança de alterar o quadro da sucessão. A autarquia poderia se esforçar para elucidar algumas dúvidas: apenas tucanos – e só os ligados a Serra – tiveram seus sigilos quebrados ilegalmente? Há dirigentes de outros partidos? Trata-se de um crime político ou da descoberta de um balcão de venda de informações fiscais de contribuintes indefesos?
São algumas das muitas perguntas ainda em aberto. A revelação do acesso não autorizado à situação fiscal de Verônica elevou ao mais alto decibel as acusações do PSDB contra a suposta chantagem política armada pela campanha de Dilma Rousseff. Serra declarou que a adversária e o PT cometeram um “ato criminoso”. Sérgio Guerra, presidente do partido, afirmou que Dilma e o presidente Lula “atentam contra a democracia”.
Os tucanos entraram com representação no Tribunal Superior Eleitoral com o intuito de cassar o registro da ex-ministra, que lidera com ampla margem todas as pesquisas, e a mídia relembrou o fantasma do “aparelhamento do Estado” e cunhou a expressão “aloprados II”, em alusão à prisão de petistas em um hotel de São Paulo que provocou o segundo turno em 2006. Na quinta 2, o TSE arquivou a representação. O presidente da República disse confiar na Receita e Dilma chamou de levianas as acusações de que as violações são obra de sua campanha.
Até o momento, só muita imaginação e um alto grau de leviandade permitem uma ligação tão linear entre a violação de sigilo e o seu suposto uso como arma suja de campanha – e especificamente pelo comitê de Dilma Rousseff. O que não quer dizer que ela não possa vir a ser provada.
O próprio caso do acesso ao sigilo de Verônica destoa dos demais. Ele ocorreu no fim de setembro do ano passado em uma delegacia da Receita em Santo André (SP). Os outros foram violados no início de outubro em Mauá. Naquela altura, nem Dilma era candidata nem o PT havia montado uma estrutura de campanha, muito menos o intitulado “grupo de inteligência”.
Os dados da filha do presidenciável foram obtidos por um advogado que aparentemente frequenta o submundo da negociação de dados sigilosos, o contador Antonio Carlos Atella Ferreira, dono de quatro CPF e com vários processos no lombo. Em várias entrevistas na quarta 1º, Ferreira admitiu ter solicitado à delegacia da Receita de Santo André as informações de Verônica, mas negou saber que a procuração e a assinatura eram falsas. Declarou-se eleitor de Serra e afirmou não lembrar o nome de quem lhe havia solicitado o serviço (“atendia de 15 a 20 pedidos desses por dia”). “Assinou, mandou para mim, eu tiro. E a Receita tem de entregar. A Receita não é nem a culpada, coitada. Não estou defendendo, mas a funcionária pega uma solicitação e tem de cumprir o ato administrativo”, afirmou o contador à Folha de S.Paulo. É a justificativa da analista Lúcia de Fátima Gonçalves, que liberou os dados mediante a procuração: “Não sou perita criminal. Não lembro a quem entreguei. Mas verifiquei que tinha firma reconhecida”.
Diante de uma funcionária enganada por fraude, como atribuir, neste caso, a culpa à Receita ou vociferar contra o “Estado policial”? E mais: quais as evidências a permitir as ilações de que os interessados em obter os dados de Verônica integrariam (integrariam, pois em setembro, recorde-se, não havia estrutura de campanha) o comitê de Dilma?
É preciso relembrar o noticiário que precedeu a atual celeuma. Em 12 de junho, a Folha de S.Paulo afirmou que entre os papéis de um suposto dossiê montado pelo “grupo de inteligência” sob o comando do jornalista Luiz Lanzetta constavam extratos da declaração de renda de Eduardo Jorge. Nenhuma menção a Preciado, Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio ou Verônica. O jornal, nem nenhum outro veículo, não foi capaz até o momento de responder às seguintes perguntas: quem da equipe de Dilma obteve de forma criminosa os dados dos tucanos? Quando? A candidata autorizou a baixaria ou ao menos soube da operação? Por que, em junho, falou-se apenas em Eduardo Jorge?
No início de junho desenrolava-se uma briga interna no comitê petista entre Lanzetta, indicado por Fernando Pimentel, amigo da presidenciável e ex-prefeito de Belo Horizonte, e o grupo paulista ligado ao deputado Rui Falcão. As facções disputavam o controle da milionária estrutura de comunicação da campanha.
Lanzetta tentava trazer para o comitê o jornalista Amaury Ribeiro Jr., repórter premiado e que trabalhou nas principais redações do País. Seu último emprego fora no Estado de Minas. Nesse diário, Ribeiro Jr. havia iniciado, a pedido da direção, uma apuração dos escândalos da privatização no governo Fernando Henrique Cardoso. Preciado, Ricardo Sérgio e Mendonção, além do próprio Serra e de Verônica, eram personagens na mira. O start da reportagem teria sido dado após uma solicitação do ex-governador Aécio Neves. Informado da existência de uma bisbilhotagem a seu respeito, supostamente conduzida por Marcelo Itagiba, deputado carioca e ex-policial federal ligado a Serra, Aécio teria buscado uma forma de neutralizar o “fogo amigo”. À época, o mineiro ainda alimentava o desejo de disputar a indicação do PSDB à Presidência com o colega paulista.
O jornal mineiro nunca publicou nada, mas Ribeiro Jr. afirma que, diante das informações recolhidas, decidiu escrever um livro sobre os escândalos. Ele promete lançá-lo no ano que vem. Segundo ele, a intenção é “evitar o uso político em ano eleitoral”. Mas um dos capítulos, no qual são citados explicitamente Preciado e Verônica Serra, veio a público em junho e pode ser facilmente encontrado na internet. O repórter, hoje no núcleo investigativo da Rede Record, nega ter se baseado em informações obtidas de forma ilegal. “São todos documentos públicos.”
Outra dúvida sobre o episódio: para ter o efeito eleitoral supostamente desejado, um dossiê contra Serra deveria ser amplamente divulgado e suas informações precisariam ser críveis ou, no mínimo, verossímeis. Em resumo: um meio de comunicação de influência nacional teria de aceitá-lo como verdade e uma onda de jornais, canais de tevê e rádio deveria repercuti-lo amplamente sem maiores objeções. Dia e noite. Espera aí. Não é justamente o que a mídia faz neste momento ao embarcar na teoria de que o comitê de Dilma Rousseff cometeu atos criminosos contra o adversário?
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