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sábado, 13 de fevereiro de 2010

Os EUA foram os mentores e executores do golpe militar em Honduras.


Movimento social hondurenho muda estratégia
À frente da resistência, Lorena Zelaya defende foco na convocação da Assembleia Constituinte, e boicote aos golpistas


Por Bárbara Mengardo, Gabriela Moncau, Julio Delmanto, Leandro Uchoas e Otávio Nagoya
de Porto Alegre (RS)
Fotos: Gabriela Moncau

No dia 27 de janeiro, o golpe de Estado em Honduras, cometido em junho de 2009, deu novo passo. Porfirio "Pepe" Lobo, vencedor das eleições (boicotada por movimentos sociais) realizadas em novembro de 2009, assumiu o comando do país em substituição ao ditador Roberto Micheletti. Por sua vez, o presidente deposto Manuel Zelaya deixou o país.

Líder da Frente Nacional de Resistência Popular, principal articulação contra o golpe de Estado, Lorena Zelaya (que não possui nenhum parentesco com o presidente deposto) deu entrevista à Caros Amigos durante o Fórum Social Mundial (FSM) 10 anos, em Porto Alegre (RS). Lúcida e destemida, ela afirma que não vai haver negociação com o governo “eleito” do país e acusa os golpistas de tortura e boicote econômico.


Caros Amigos – Queríamos conhecer um pouco da história desse movimento.
Lorena Zelaya – É um movimento composto por trabalhadores e trabalhadoras, sindicalistas, colégios magisteriais, grupos de jovens. Um espaço com muitas organizações, que surge da luta contra os tratados de livre comércio. Isso é importante, porque o que aconteceu agora em Honduras tem a ver com essa resistência. Fomos contra as privatizações, pelos direitos trabalhistas etc.

Mas em que ano surge?
Em 2000. Já havia outros espaços em Honduras desde a década de 1980. Foi muito forte a mobilização. Muitos estudantes morreram. Até hoje há desaparecidos. E por que isso é importante? O atual assessor de Michelleti, por exemplo, é quem fez desaparecer, torturou e matou pessoas nos anos 1980. Chama-se Billy Joya Amendola e é o assessor de segurança. O que acontece em Honduras é então uma grande radiografia dessas conexões. Não somente do golpe, mas todas as conexões das oligarquias, dos meios de comunicação. Quando o golpe aconteceu, o país inteiro estava se preparando para sair a votar. Iríamos todos às urnas. E, às seis da manhã, recebemos a notícia do golpe de Estado. Ninguém sabia se era sério ou brincadeira. Antes disso, já haviam dito ao presidente Zelaya que não poderia haver consulta de nenhum tipo, apesar de termos uma lei de participação cidadã e de constitucionalmente podermos. Ameaçaram destituir o presidente. Quando veio o golpe, todo mundo começou a chegar à casa presidencial. Vinha gente de todo lado. Então, criamos a Frente Nacional contra o Golpe de Estado.

O que foi decisivo para que se desse o golpe?
Zelaya começou a manter relações com o movimento popular. Outra coisa que fez foi aderir à Alba [Alternativa Bolivariana para as Américas, aliança que reúne Antigua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas e Venezuela] e à Petrocaribe [aliança petrolífera entre a Venezuela e países da América Central e do Caribe]. Eram ações muito fortes, que foram deixando-o cada vez mais só. A única alternativa que tinha era o movimento popular. Então, quando a corte diz que ele não podia fazer o referendo, ele leva as urnas a uma base militar. Subiu em um ônibus para trazer as urnas. Imagine o presidente da República na porta de um ônibus para trazer as urnas. Por isso, as pessoas acreditavam que poderia haver mudanças. Ele aprovou um salário mínimo que nunca se pensou que se poderia ter. Mais de 50% de aumento. De 3 mil a 5,5 mil lempiras [cerca de R$ 546]. O aumento historicamente sempre foi de 8%, no máximo 10%. Então, por acreditar nele, a população saiu às ruas.

Como foi o processo da convocação das eleições?
Um ano antes do processo eleitoral, Zelaya já fez a convocatória. O Tribunal Superior Eleitoral é composto pelos mesmos partidos tradicionais golpistas. São autônomos, mas são conservadores. Ele convocou as eleições tendo ainda um tribunal supostamente novo. Como não estamos presos a nenhum partido, candidatamos um companheiro trabalhador. Era presidente do Sindicato da Indústria de Bebidas. Para isso, nos pediam 40 mil assinaturas, e coletamos 60 mil. Não nos podiam dizer que não. Mas, quando entregamos a documentação, nos pediram um mês e meio. Antes disso, acontece o golpe. Durante a mobilização pós-golpe, dizem a Carlos [H. Reyes], nosso candidato, que ele podia concorrer. Tudo isso para dar legitimidade ao golpe. Mas a candidatura independente renunciou às eleições, e a Frente deu indicativo para não votar. As pessoas não foram. Mas como o tribunal está nas mãos dos mesmos golpistas, dizem que foram as eleições mais votadas da história. Milhões de pessoas nas ruas dizem que não foram votar. Sabemos que, mesmo que ninguém vá votar, se há um voto, eles ganharam. Mas queremos mostrar à comunidade internacional que a maioria da população estava contra o golpe.

Qual a posição da Frente perante o resultado das eleições?
A Frente não reconhece o governo. E a tarefa que tem agora é evidenciar que é um continuísmo do golpe. Há organizações que são combatidas pelo governo, porque não se renderam. Nós não vamos fazer nenhuma negociação com Porfírio Lobo, a não ser que o que esteja colocado seja a Assembléia Nacional Constituinte.

O que você pensa da participação do governo brasileiro?
Tem sido importante para nós. O presidente viveu em terras brasileiras por mais de três meses, na Embaixada. Tem sido determinante para que não o tivessem retirado, apesar de terem tentado de mil formas – com sons, sonegando água, lançando bombas de gás lacrimogêneo, lançando químicos pelo ar. Se não fosse pelo apoio, acredito que ele estaria morto. Então, tem sido muito importante. Recentemente li que o Brasil não iria reconhecer o governo de Porfírio Lobo. O que pedimos à comunidade internacional é isso. Mas se Zelaya sai do país, lamentavelmente vai haver muita mudança nas relações internacionais.

E quanto à participação do governo dos Estados Unidos? O que você pensa?
Ao longo do golpe, houve decisiva participação dos Estados Unidos. Retiram o presidente de sua casa, e o levam a uma base militar estadunidense em Honduras. E a partir dali sai para a Costa Rica. Além disso, antes do golpe, chegou a Honduras John Negroponte, um dos maiores torturadores da história, inclusive em Honduras, onde foi embaixador. Embora em outros momentos os Estados Unidos pudessem retirar facilmente o presidente, agora não podiam. Isso justifica esse discurso dúbio. Sustentaram econômica, técnica, tática e militarmente o golpe. Os Estados Unidos são os golpistas intelectuais, os executores.

Vocês sofreram muita repressão?
As primeiras mobilizações, no primeiro dia, foram brandas. Achavam que iriam liquidar rapidamente, em um país onde há muitos golpes de Estado. No segundo dia, quando viram que a resistência seria grande, se deu o primeiro ato de repressão do Exército. Repreenderam nas ruas, com bombas lacrimogêneas, com paus, pedras. Muitos foram feridos. E, desse dia em diante, todas as mobilizações são acompanhadas pelo Exército. Em muitos momentos houve repressão, embora as mobilizações fossem sempre pacíficas. Desde os anos 80 eu não via tanta bomba. Caíam como chuva.

Você sofreu pessoalmente alguma repressão?
A repressão está menos intensa. O Exército está preparado para qualquer reação. Mortes acontecem todos os dias. Então, temos muitos companheiros que têm saído do país. E temos que procurar o que fazer com eles. Temos que contar com a solidariedade de todo o mundo: guatemaltecos, salvadorenhos, nicaraguenhos. Eu pessoalmente não sofri nada. Sobretudo entre os jovens, há muitos que sofreram fraturas. É complicado, porque o Estado não cumpre o papel de cuidar da saúde dessas pessoas, então nós temos que nos virar.

Qual foi o papel da mídia na manutenção da hegemonia conservadora em Honduras?
Esse é a grande chave para nós. Os meios de comunicação são os maiores golpistas. Há inúmeras ligações entre eles. O golpe foi anunciado de uma forma incrível. “Ocorreu um golpe de Estado em Honduras. Voltemos a nossa programação normal”. Não reconhecem que existem mortos, que existe resistência. Referem-se a Micheletti como o presidente, e Zelaya é o que quis desrespeitar a Constituição. Há uma rádio popular que fez um trabalho muito bom e foi fechada. Há a rádio do Congresso, também fechada. Na televisão, só o canal 36 transmite alguma coisa. O mesmo ocorre entre os jornais.

Qual a sua avaliação da situação atual de Honduras?
Há algum tempo, o povo suspendeu as mobilizações diárias. Era muito complicado manter, depois de 190 dias. A última foi agora em janeiro. Muitíssima gente. Pessoas muito felizes de voltar a se encontrar. Nossa meta é a Assembleia Nacional Constituinte, então não vai haver tanta mobilização quanto no início. Mas as pessoas não estão quietas. Não apenas em Tegucigalpa, mas em todo o país. Em todas as comunidades há resistência.

Qual o papel de Zelaya agora?
É um homem que chegou à presidência sem pensar que iria fazer tudo isso. Lembro quando ele dizia: veja, agora já entendo o que é livre comércio, agora já entendo o que é o neoliberalismo. Por isso, o discurso de Zelaya foi mudando, inclusive nas Nações Unidas. As pessoas se perguntavam de onde ele tinha tirado aquilo. A princípio, pensou apenas que o povo hondurenho tinha que viver melhor. Não pensou em princípios de esquerda. Depois foi aprendendo coisas. Os setores que o apoiaram deixaram-no só. Os empresários que estavam com ele, quando veem que ele havia – para eles – enlouquecido, vão deixando-o sozinho. E ele vai se aproximado cada vez mais dos movimentos sociais. Ele está convencido cada vez mais que o que está acontecendo é ótimo. Ele nunca reivindicou a reeleição, coisa de que lhe acusaram muito. Reivindicava reeleição para os que viriam depois.

Há a possibilidade de Zelaya trocar de partido?
Em Honduras, são cinco os partidos. O Liberal e o Nacionalista são os principais. O que chamam de alternância de poder é a troca entre eles. E são a mesma coisa, ou seja, não havia alternância de poder. Representavam os mesmos oligarcas, os mesmos ciclos de poder. Surgiram outros três. A democracia-cristã, que nunca cresceu. Os socialdemocratas, que são golpistas também, apesar de terem em suas bases um setor que se declarou não-golpista. E há também um partido de esquerda, que nunca cresceu. Estamos começando um novo período em que temos que ver como atuar, e não acreditamos que vai ser por meio de um novo partido.

Existe a possibilidade de migrar para o partido de esquerda que já existe?
O partido de esquerda tem mais ou menos 15 anos, e não cresce. Não é um partido que a cada ano vai tendo mais militantes, mais deputados. E nesse momento, atuamos diferente. Porque nós convocamos a população a não comparecer ao processo eleitoral. E esse partido, o Unificação Democrática, participou do processo eleitoral. Eles não renunciaram para não perder o partido. Mas seguem fazendo resistência. Não podemos dizer que são golpistas.

Como está o país do ponto de vista econômico?
Vou responder em uma palavra: quebrada. Quando se dá o golpe de Estado, e se retira toda a cooperação internacional, perdemos muito investimento. E os golpistas começam a usar o dinheiro de forma questionável. Usaram os fundos de pensão dos professores, dos funcionários públicos, dos aposentados. Estão descapitalizando o país. Por isso a preocupação de gPepe h Lobo de restabelecer essa relação com a comunidade internacional. Porque senão não sei como vai governar. O país está quebrado.

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