Brasil, 2010: grandes oportunidades, alguns riscos, um pouco de fé e muita paciência!
2010 (e também 2011) é o ano da retomada do crescimento econômico, interrompido – no momento de sua arrancada em direção a um ciclo virtuoso em 2008 – pela crise mundial. Até 2020 poderemos estar entre as cinco maiores economias do mundo.
Francisco Carlos Teixeira
Este não ano vai ser,
Igual aquele que passou,
Eu não brinquei,
Você também não brincou.
"Até Quarta-Feira" (H. Silva - Paulo Alves Sette).
2010 (e também 2011) é o ano da retomada do crescimento econômico, interrompido – no momento de sua arrancada em direção a um ciclo virtuoso em 2008 – pela crise mundial. Desta vez parece que vamos honrar o acróstico BRIC e estaremos, até 2020, entre as cinco maiores economias do mundo.
A crise passou...
Tudo isso sem provocar um repique inflacionário ou estourar as contas públicas (muito embora a capitalização do BNDES, para manter a liquidez da economia e as seguidas renúncias fiscais tenham criado fortes discrepâncias, que merecerão correção de rumo ao longo de 2010... Mas, em face da paralisia da Grã-Bretanha ou do déficit dos Estados Unidos, só para ficar nestes exemplos, não é nada de assustar). Mais do que isso: nos últimos 15 anos o Brasil tirou da miséria algo em torno de 19 milhões de pessoas. Lá, na pobreza indigna e suja, ainda está um grande bolsão: para alguns restam ainda 20 milhões de miseráveis no país, para outros são 30 milhões. Ora, se nos últimos 15 anos retiramos quase 20 milhões de concidadãos de uma situação humilhante, desesperante, com um crescimento que o Prof. Carlos Lessa chamou de “vôo de galinha”... Ou seja, saltando baixinho de 1,2 ou 3% ao ano. Ora, agora podemos começar a voar ao menos como rolinhas ou cambaxirras, com uma capacidade de tirar nossos parceiros de Brasil da humilhação, com perspectivas verdadeiramente reais de crescimento econômico... Ou seja, pela primeira vez na história (sic!) temos chances reais de ver a miséria desaparecer do país na nossa geração. Podemos encerrar aí a famosa profecia (de Stefan Zweig) de o Brasil ser o (eterno) país do futuro. Pois é, o futuro é agora.
A superação do monetarismo
A grande novidade foi a opção corajosa do Governo Lula de quebrar as amarras do monetarismo e optar pelo desenvolvimento econômico e social. Não foi fácil. Desde as eleições de 2002, como mostra a “Carta aos Brasileiros”, o pânico anti-PT ameaçava levar o país ao caos. Assim, houve desde logo uma forte preocupação em alguns escalões do governo em manter as metas monetárias, o equilíbrio fiscal, o controle da inflação, etc... Muitas vezes em detrimento do desenvolvimento. Garantida a estabilidade econômica, pode-se em fim ( e esta é a marca do segundo Governo Lula ) investir no crescimento. Assim, quebrou-se o mito, montado pela tecnocracia vinculada ao monetarismo, que o Brasil não podia crescer, sob o risco de quebrar sob o impacto da inflação.
No entanto, mais uma vez desafiando os manuais da ortodoxia, o Brasil cresceu. Vários foram os fatores causais. O fim da inflação; a abertura do crédito, em especial do micro-crédito; os programas de transferência de renda; o aumento real do salário mínimo e, virtuosamente, o próprio crescimento econômico voltado para o mercado interno, cada vez mais capaz de comprar. Estes fatores proporcionaram ao país condições concretas de expandir sua economia, gerar empregos e acumular divisas. Tudo isso serviu de “air bag” para a crise mundial de 2008/09. Ok, não foi “marolinha” – interrompeu a arrancada de um ciclo virtuoso – mas, convenhamos não foi também tsunami. O Brasil está “descolado” dos grandes centros do capitalismo mundial, pela primeira vez na história (sic!!). O Presidente estava certo!
Mídia e agentes econômicos erraram
O pânico inicial ficou muito mais na mídia – the worl in disruption! – e nos próprios agentes econômicos, que verdadeiramente não souberam prever, evitar ou propor medidas de recuperação em tempo real. Mais do que isso, paralisados paralisaram a própria dinâmica do país. Muito possivelmente o país teria se saído melhor da crise, caso os principais agentes econômicos não estivessem psicológicamente “colados” nos centros do capitalismo mundial.
Aqui, nos Estados Unidos ou na Europa coube ao Estado agir e regular, depois de décadas de ausência de regulação (desde Thatcher e Reagan, em 1980/82) para salvar a economia e sociedade da crise. O fundamentalismo liberal ruía com a crise. O problema, passada a face aguda da crise, é buscar o equilíbrio, o justo termo aristotélico. Evitar a manutenção, para além do necessário, do peso do Estado sobre a sociedade. Como também cabe não esquecer, para não repetir, a irresponsabilidade de entidades, empresas e seus agentes no desencadear da crise. Tais questões põem em cheque os mitos liberais acerca da discutida “autonomia dos bancos centrais” e a capacidade reguladora das agências autônomas de regulação. Não fosse a intervenção do Estado, em especial – repito! – dos Executivos em face dos Legislativos nacionais, da mídia dita especializado e dos empresários em pânico – com certeza a crise teria sido bem pior.
Da mesma forma, o país apresenta hoje uma quase inédita (“nunca antes...” etc, etc, etc...) estabilidade institucional. O marco regulatório é reconhecido e medianamente respeitado (é só compararmos com a Argentina ou outro qualquer dos nossos vizinhos), com respeito aos contratos, ao arranjo constitucional, as regras e normas (regime de preços, caráter dos investimentos, etc..). Isso foi uma conquista recente, decididamente pós-Collor.
A saída brasileira
Na crise econômica o Brasil fez um “bom dever de casa” (argh!): os bancos públicos, em plena seca, mantiveram a liquidez necessária para não paralisar (de todo) o ciclo econômico; a desobrigação fiscal (isso sim, deve ser permanente) salvou setores industriais arruinados em outros países, como a indústria automobilística; os compulsórios bancários foram reduzidos; programas de desenvolvimento, em especial aqueles geradores de postos de trabalho (construção civil, por exemplo) foram criados ou expandidos... Uma receita boa, talvez também velha. Boa no sentido de evitar uma ruptura drástica no processo produtivo e capaz de relançar, com rapidez, o crescimento econômico. Mas, velha em que sentido? Montou-se uma estratégia anti-ciclo centrada no relance do igual. Mais e melhor do mesmo. Faltou, nas ações do governo, ações que pudessem representar um salto de qualidade. Nos referimos aqui a ausência de um amplo programa de educação, de apoio e incentivo a inovação. Talvez não tenha havido tempo. Talvez possamos trabalhar nisso agora. Aproveitar a crise para ensejar um salto de quanta, uma mutação. Enquanto na França, nos Estados Unidos e no Japão surgiram programas, criados pelos executivos locais, de largo incentivo tecnológico – reforma educacional, economia verde e exigência de gestão inteligente da administração pública, como nos Estados Unidos – nada foi feito de parecido no Brasil. Saímos da crise maiores, e mesmo melhores (encolhendo a desigualdade social), mas não sairemos, lamentavelmente, diferentes.
O que falta?
Eis aqui onde reside o primeiro patamar de risco: o país não produziu, até o momento, um conjunto de ações – um programa coerente, sistemático – de educação, tecnologia e inovação. Conseguimos romper com a paralisia monetarista, entramos na nova era de crescimento. Agora, caberá ao novo governo o salto de qualidade. Quando o mundo que vale como diferente aposta na economia-saber, continuamos extensivamente fordistas-keynesianos. Ainda não operamos um salto de quanta no paradigma do desenvolvimento econômico e social brasileiro. Esta é a tarefa urgente!
Diretamente vinculado a isso, mas correndo em raia própria, surge um segundo patamar de atraso e risco na economia brasileira: a qualidade da gestão. A gestão brasileira, pública e privada, é largamente ruim. Somos o país que afundou uma plataforma de petróleo; uma estação de metrô; um rodo-anel; produz seguidos desastres ecológicos; não consegue gerir o transito, o transporte coletivo e de mercadorias; evitar apagões de energia, de gestão aeroportuária; ou mesmo de entregar uma mercadoria certa, no endereço correto, no dia marcado... A crise de gestão produz prejuízos incalculáveis ao país, perdas constantes e atrasa a chegada do futuro, anunciada para hoje.
Este é o país, seguindo as determinações dos alvarás de El-Rey de Portugal – que exigia que seus súditos “nada inovem em relação ao que aqui está mandado...” – cuja cultura popular registra dois dos mais burros axiomas do conservadorismo: de um lado, “só erra quem faz” e, de outro, “time que está ganhando não se mexe”. Numa economia do tamanho da economia brasileira, não há mais espaço para posturas de ensaio e erro. A tolerância com os erros deve ser zero. Devemos exigir, impor, a regra da excelência, sem espaço para o erro. Para isso precisamos de educação, de escolas especializadas e de formação. Formação continuada, sempre à frente das próprias exigências do processo produtivo. Formação para a cidadania, para os direitos, para uma maior igualdade social.
Superar o conservadorismo
Da mesma forma, a cultura do conservadorismo – “nada se mexe” -, gerando a mesmice, a cópia, a rotina deve ser combatidas. Para isso devemos, ainda uma vez, exigir formação. E mais: flexibilidade, quebra de hierarquias, incentivos de equipe e de grupo em todos os níveis da administração pública e da produção..
Em fim, temos imensas oportunidades e alguns riscos graves. Gravíssimos. Cabe nestes próximos anos decidir se queremos um país grande, importante, mas não relevante no processo global de crescimento. Se, ao contrário, queremos um país diferente, mais do que grande, rico e justo, devemos buscar, para agora, o salto de quanta, a grande mutação, em direção à economia do saber.
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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