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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Quem pagará a conta dos EUA? Os pobres?




Batalha desigual nos EUA: uma implacável luta de classes vinda de cima

Para os trabalhadores comuns, a recessão só trouxe dificuldades econômicas. Contudo, para as corporações norte-americanas, significou outra coisa: uma oportunidade.
Por Gregory Elich* [28.07.2011 17h18]

Nunca se pode ter dinheiro demais. Nos EUA, um por cento da população arrecada quase um quarto da renda nacional e goza de 40% da riqueza. Para essa classe, o problema é que isso não basta.


Para os trabalhadores comuns, a recessão só trouxe dificuldades econômicas. Contudo, para as corporações norte-americanas, significou outra coisa: uma oportunidade. Para elas, foi a oportunidade de moldar de forma permanente a economia em algo que se aproxima do modelo do terceiro mundo: uma enorme riqueza e privilégios para os mais ricos e desemprego, queda dos salários e serviços sociais inadequados ou inexistentes para o resto da sociedade.

Mesmo que a recessão tenha terminado há dois anos, mais de nove por cento da população ainda está desempregada. Se levarmos em conta os trabalhadores informais e os trabalhadores de meio-período que desejam um posto em tempo integral, quase uma sexta parte da força de trabalho está subempregada. Para as pessoas de ascendência africana, a situação é ainda mais grave, com uma taxa de desemprego que é quase o dobro. No entanto, os legisladores não pensaram sequer num programa de emprego.

Ao invés disso, a tendência foi a redução dos benefícios em um momento de maior necessidade, ao mesmo tempo em que se exigem mais cortes de impostos para os ricos. Os déficits criados pelo governo de George W. Bush e pelo presidente Barack Obama deram à direita uma ferramenta para impor sua vontade e disciplinar os trabalhadores. O presidente Obama não teria precisado dos votos do Congresso se estivesse disposto a deixar expirar simplesmente os cortes fiscais de Bush.

Ao insistir em uma impossível continuação parcial desses cortes, Obama se assegurou de que a totalidade do pacote seguisse em vigor. Num momento em que a recessão provocou uma queda nas rendas fiscais, privando o governo dos fundos quando mais eram necessários, está se cobrando pedágio da população para ter acesso ao bem-estar, e se abriu a porta para o corte dos benefícios. Segundo o Gabinete de Orçamento do Congresso, a continuação dos cortes fiscais de Bush até o ano 2020 agregará 3,3 bilhões de dólares à dívida nacional. Este dinheiro poderia ser utilizado na prestação dos mais necessários serviços sociais e para colocar em marcha um programa real de emprego, assumindo, obviamente, que exista vontade política para fazê-lo – coisa que tem estado notavelmente ausente.

Adicionemos o fato de que as guerras no Iraque e Afeganistão da Administração Bush estão custando a bagatela de $1,2 bilhões, principalmente de empréstimos contraídos. Consideremos também que com os custos associados, o preço total das guerras do Iraque e Afeganistão se elevarão a pelo menos $3,2 bilhões, segundo o projeto Cost of War. E essas guerras continuam devorando recursos; mas, como se isso não fosse suficiente, agora o presidente Obama adicionou uma terceira guerra, a da Líbia. Não há fim à vista ao aventureirismo militar, e o orçamento de defesa segue intocável. Esse departamento permanece imune ante todos os discursos de cortes orçamentários. De fato, a Câmara de Representantes votou recentemente para aumentar o já inflado orçamento de defesa em $17 mil milhões.

O que temos em lugar de uma política fiscal responsável e progressiva ou do corte do orçamento de defesa é o constante bombardeio de mensagens de pânico pela dívida, com grandes exigências da necessidade de cortar os serviços sociais, reduzir as aposentadorias e o salário, e, por estranho que pareça, oferecer reduções de impostos para os ricos. Este pânico da dívida se converteu no argumento de todos os ataques contra os trabalhadores. Está ocorrendo uma guerra de classes, e ao se sentir próxima da vitória, a classe dominante não está disposta a levar prisioneiros.

As políticas atuais já marginalizam a recuperação econômica dos trabalhadores. No percurso de dois anos de recuperação, os salários dos trabalhadores seguem essencialmente estáticos, mostrando, de fato, uma ligeira diminuição. Enquanto isso, a remuneração média dos diretores (CEOs) aumentou 27% somente em 2010, chegando a simpáticos US$9 milhões. Os lucros corporativos antes dos impostos foram ainda melhores, com um crescimento de quase 37% em 2010 e mantém seu ritmo de nove por cento de crescimento adicional no primeiro semestre de 2011. De fato, tão unilateral foi a recuperação que os benefícios empresariais representam hoje 92% do crescimento da renda nacional desde o início da recuperação.

Estes são tempos de auge para as corporações. E em grande medida, isso ocorreu às custas dos trabalhadores. Quando os trabalhadores são despedidos, os que permanecem no trabalho assumem a carga adicional. Depois de eliminar milhões de empregos durante a recessão, o mundo empresarial permaneceu relutante em contratar trabalhadores para período integral durante a recuperação. A metade dos novos empregos criados está nas agências de ajuda temporária, e muitos dos novos postos de período integral carecem de benefícios. Mais de 90% do crescimento da produção se deve ao aumento da produtividade. Os trabalhadores que, no entanto, têm a sorte de ter um posto de trabalho estão obrigados a trabalhar mais, a aguentar mais horas e a assumir mais tarefas sem nenhum tipo de pagamento adicional. Em termos simples, a exploração do trabalho é cada vez maior.

Os trabalhadores estão completamente temerosos. Com uma taxa de desemprego tão alta, e com os milhões de desempregados para os quais é difícil ou impossível encontrar outro trabalho, ninguém está disposto a se arriscar. As circunstâncias fazem com que os trabalhadores sintam que têm que suportar qualquer condição que seus gerentes optem por impor. O atual clima de medo eliminou a ação sindical.

Sem dúvida, esta é uma continuação de uma tendência de longa data. Durante a década de 1970, milhares de trabalhadores participaram, em média, de 269 paralisações de trabalho por ano. Sob o ataque de Reagan dos anos 1980, a média se reduziu a 69 por ano, e logo a 34 por ano na década de 1990. Em 2009, houve somente cinco paralisações importantes, de longe o total mais baixo desde que começaram os registros em 1947. No ano passado houve somente 11 greves e, no ritmo que vai 2011, não se alcançará nem sequer este número. A recessão produziu um sonho tornado realidade para o mundo empresarial, com uma força de trabalho composta essencialmente por “dessindicalizados”.

Mas apesar das medidas de aceleração, os cortes de benefícios e a baixa dos salários, as empresas dos EUA seguem exportando empregos para outros países. Por que pagar um trabalhador estadunidense $8 a hora, quando se pode conseguir alguém na Indonésia, por exemplo, que faça o mesmo trabalho por 50 centavos a hora? Na década anterior a 2009, as corporações multinacionais estadunidenses cortaram 2,9 milhões de empregos. Ao mesmo tempo, se somaram 2,4 milhões de empregados no exterior. Esta cifra representa somente a contratação direta e não leva em conta a subcontratação de empresas estrangeiras, que normalmente é o meio utilizado para transformar uma fábrica numa oficina clandestina (sweatshops).

Então, que conclusão se pode extrair disso tudo? Se você escutar os especialistas e os políticos, a necessidade urgente, agora, é acabar com os “privilégios” dos trabalhadores do governo. Destruir os sindicatos de empregados do governo, reduzir as aposentadorias ou eliminá-las por completo, reduzir os salários e despedir trabalhadores. Tempos econômicos difíceis exigem sacrifício compartilhado. Ao escutar-lhes, se poderia pensar que o povo estadunidense está pedindo a gritos o fim dos benefícios decentes para todos os trabalhadores: todos devem dividir a dor. O presidente Obama já congelou os salários dos empregados federais por dois anos – na prática, a aplicação de um corte salarial. E ele recentemente teria dito: “No setor público, o certo é que alguns dos planos de aposentadorias e os benefícios de saúde que estiveram em vigor estão fora de proporção com o que está ocorrendo no setor privado, assim uma grande quantidade de contribuintes começa a sentir ressentimento... O que isso significa é que todos nós vamos ter que fazer alguns ajustes”. Quer dizer, todos menos os ricos, que podem continuar com a festa.

A filosofia da direita é profundamente anti-governo. Aos seus olhos, a única função própria do governo é servir aos ricos e idealizar novas formas de lhes permitir enriquecer mais ainda. E para isso, fazem incessantes esforços para convencer o resto do mundo de que todas as funções governamentais são essencialmente ilegítimas e devem ser reduzidas ou abolidas. Em sua visão, a única tarefa urgente do momento é como oferecer mais cortes de impostos para as corporações, apesar de que dois terços das empresas agora não pagam nada de impostos à receita federal, e a maioria das companhias Fortune 500 paga uma menor porcentagem em impostos federais sobre suas rendas do que os trabalhadores comuns.

Dizem-nos que os impostos excessivos são a única coisa que impede a criação de emprego. O ditado é que devemos liberar o poder do mercado reduzindo os impostos às corporações. Contudo, estas mesmas corporações já estão sentadas sobre uma pilha de $1,9 bilhões de dólares de reservas em caixa, às quais se agarram como uma cobertura contra a insegurança econômica. A adição de outro bilhão mais ou menos a esta pilha não vai animá-las a construir novas fábricas para aumentar a produção quando os consumidores ainda estão sendo golpeados com tanta força que não há suficientes compradores para os produtos que já estão no mercado. A premissa da criação de emprego, obviamente, é uma cortina de fumaça para conseguir a aceitação pública de canalizar ainda mais dinheiro para os bolsos dos ricos. É desanimador ouvir o presidente Obama repetindo esses mitos, como num comentário que fez no final de junho de que “tem sentido” considerar “outros incentivos fiscais para o investimento empresarial que poderiam fazer uma grande diferença quanto à criação de mais postos de trabalho”.

Um dos planos mais importantes é o de uma anistia à repatriação do imposto sobre as corporações. Hoje em dia, as multinacionais estadunidenses não pagam impostos federais sobre o dinheiro ganhado no exterior até que – e somente se – dito dinheiro seja repatriado aos EUA. Muitas têm sedes fictícias estabelecidas em lugares como as Bermudas, e os fundos são desviados através de filiais no exterior, tudo com o fim de burlar as leis fiscais. A Cisco Systems, por exemplo, reduziu seus impostos em $ 7 bilhões ao registrar quase a metade de seu lucro em uma pequena filial na Suíça.

Grupos empresariais de pressão estão ganhando considerável apoio para a proposta de anistia fiscal, entre senadores e congressistas. Ao invés de pagar uma taxa máxima de 35%, a exoneração temporária de impostos permitiria às empresas transferir esses fundos aos EUA a uma taxa máxima de pouco mais de 5%. Este plano, nos dizem, poderia gerar mil bilhões e assim fomentar o investimento e a criação de emprego. O único problema é que essa proposta foi tentada antes, quando se impôs uma anistia durante dois anos ao imposto pela repatriação concedida em 2004 para o mesmo objetivo. Nessa ocasião, as multinacionais estadunidenses aproveitaram a oportunidade para transferir 400 bilhões de dólares aos EUA, e utilizaram este dinheiro para pagar dívidas, oferecer dividendos aos acionistas, e dar bônus aos diretores, enfim, tudo exceto a criação de postos de trabalho. É improvável que uma repetição produza um resultado diferente. De fato, a aprovação de tal plano seria um sinal a mais para as empresas de que devem exportar uma maior parte de sua produção, já que somente teriam que esperar outra ocasião para desfrutar da anistia de impostos e pagar menos impostos do que teriam que pagar se mantivesses duas fábricas nos EUA.

A recessão reduziu drasticamente as rendas fiscais para os governos estatais em todo o território, mas com 29 governadores republicanos à frente, as deficiências foram a oportunidade para atacar os trabalhadores no âmbito estatal e introduzir cortes nos serviços sociais em quase todos os estados.

Em Nova Jersey, por exemplo, o governador Chris Christie eliminou os fundos para planificação familiar, reduziu a assistência médica para a atenção domiciliar e residências de idosos, acabou com o financiamento dos programas legais da Universidade de Rutgers que ajuda aos pobres, e cortou em 40% o financiamento de serviços legais para os necessitados. Não cedeu dinheiro ao programa Zona Empresarial Urbana, que havia sido pensado para fomentar o desenvolvimento econômico nos bairros pobres. Também retirou o financiamento de programas depois da escola, enquanto que as mudanças nas regras de elegibilidade farão com que mais de 50 mil pessoas pobres percam o acesso à cobertura de saúde.

Esses cortes são considerados necessários em razão das inadequadas rendas estatais, mas ao mesmo tempo, Christie concedeu 180 milhões de dólares às empresas, em cortes de impostos.

A Corte Suprema de Nova Jersey revogou os cortes de 1 bilhão feitos por Christie na educação, no ano passado, ordenando que o estado gaste a metade dessa quantidade em suas escolas mais pobres no ano fiscal em curso. Entretanto, Christie considera isso só um impedimento momentâneo. Irremediavelmente hostil à concepção da educação pública, Christie prevê a completa privatização da educação em seu estado, e para ajudar a impulsionar os esforços nessa direção, nomeou Christopher Cerf como Comissário da Educação, ex-presidente da Edison Schools Incorporated. A substituição da educação pública com um sistema de bônus está há muito tempo no programa da direita. Os ricos, que mandam seus filhos a escolas privadas, se ressentem de ter que pagar impostos para apoiar a educação pública. Com seu rechaço narcisista do conceito de bem público, somente se preocupam com seus próprios interesses pessoais. Aos seus olhos, as belezas do sistema de cupons são muitas. As famílias pobres não seriam capazes de pagar a diferença dos valores dos cupons, resultando em que seus filhos estariam condenados a ir a escolas com menos fundos. A “plebe”, em outras palavras, estaria fora de vista. Por outro lado, no entanto, os ricos pagariam menos do que pagam atualmente às escolas privadas, pelo valor dos cupons. E o melhor de tudo na mentalidade do livre mercado, seria a eliminação dos sindicatos de professores e a oportunidade para as empresas privadas de manejar as escolas, onde a qualidade da educação estaria em um distante segundo plano depois do afã pelo lucro.

Para dar outro exemplo, o governador de Ohio, John Kasich, desempenhou um papel especialmente destacado no ataque aos trabalhadores. Inclusive antes de assumir o cargo, anunciou que ia matar o incipiente programa para levar o mais que necessário serviço de trem para unir as cidades de Cincinnati, Columbus e Cleveland, onde a maior base populacional carece de tal serviço. O serviço que ia levar finalmente o trem de alta velocidade se tornou impopular com o novo governador, já que seria de propriedade pública.

Apesar das persistentes manifestações de oposição, Kasich conseguiu facilmente a aprovação de um projeto de lei que elimina os direitos de negociação coletiva para os trabalhadores estatais. Mediante esforços decididos pelo movimento operário, se uniram 1,3 milhões de firmas para uma iniciativa de lei que derrube a anterior, e o resultado desta batalha ainda está para acontecer. Mesmo que os resultados da pesquisa sejam inicialmente animadores, as grandes somas de dinheiro em publicidade que seguramente serão dedicadas na campanha, convencerão os votantes a rechaçar a medida.

Em sua primeira conferência de imprensa depois da vitória eleitoral, Kasich prometeu aplicar um corte de impostos de 4%. Ao assumir o cargo, proclamou que era necessário reduzir os serviços sociais porque não havia suficiente dinheiro nos cofres do Estado. No orçamento estatal recentemente aprovado, Kasich cumpriu sua promessa de aplicar a redução fiscal. No orçamento, se reduziu o apoio aos governos locais em US$630 milhões, o que, sem dúvida, se traduzirá em um efeito adverso nos serviços sociais locais. Cinco prisões serão privatizadas, e há planos de privatizar a rodovia com pedágios de Ohio, com o que se espera que se aumentem fortemente as tarifas aos usuários. Os diferentes municípios estão fornecendo a possibilidade de vender os edifícios de propriedade dos governos locais, para logo alugá-los para novos proprietários, como um amável presente para os interesses dos ricos. Também se inclui no orçamento um plano para ajudar às pequenas empresas, e se espera que se reduzam as rendas do Estado em US$100 milhões em dois anos. Também está programada a eliminação do imposto ao patrimônio a partir de 2013, o que reduziria as rendas dos governos locais em US$250 milhões ao ano. E em outro presente aos interesses corporativos, o orçamento de Kasich proíbe as cidades de tentar regular o uso de gorduras trans nas comidas de restaurantes.

Não se enganem. O pior ainda está por vir. A Câmara de Representantes nas mãos dos republicanos continuará empurrando o presidente Obama para a direita. E está claro em que direção irão as eleições de 2012. Cabe dizer que muitos trabalhadores, preocupados com o desemprego e a diminuição dos níveis de vida, estão expressando sua vontade de votar em uma candidatura republicana, com a ilusão de que uma vitória republicana beneficiará os trabalhadores. As corporações estão planejando inundar a próxima temporada de campanha com publicidade política, e em uma cultura onde a maioria das pessoas depende da televisão para formar sua visão de mundo, esse tipo de publicidade surte efeitos.

Os grupos empresariais de pressão estão sitiando Washington, todos empurrando as mesmas propostas. E os formadores de opinião de direita estão operando a toque de caixa, produzindo uma quantidade alarmante de recomendações de política que recebem muita atenção no Capitólio. Estes esforços determinam, em grande medida, os limites do discurso e as questões que são consideradas dignas de atenção. Como resultado, as preocupações dos trabalhadores ficam fora do espaço do debate, se colocando na mesa somente o programa das corporações.

Não há muita variação nas políticas pelas quais advogam os lobistas corporativos e os grupos de reflexão de direita. Onde quer que se olhe, se vê o mesmo conjunto de recomendações. Assim, é suficiente considerar um só exemplo, o do Cato Institute, como típico da natureza das propostas para reduzir o tamanho do governo federal.

O seguro-desemprego, afirma o Cato, distorce a economia e deve ser reformado. Num momento em que milhões de estadunidenses são incapazes de encontrar trabalho, o Cato quer substituir o seguro-desemprego por um sistema de poupança pessoal. Segundo o Cato, o seguro-desemprego causa desemprego, já que todas essas pessoas que recebem os pagamentos, que são insuficientes para cobrir seus gastos, estão desfrutando da experiência, e optam por não buscar trabalho. Os trabalhos estão por aí, diz, para quem se importa em procurá-los. Isto é tão extraordinariamente disparatado que desafia a compreensão. Os trabalhadores só devem economizar para cobrir os possíveis períodos de desemprego, recomenda Cato. Não importa se a maioria dos trabalhadores ganha apenas o suficiente para pagar suas contas, e que os jovens trabalhadores que perdem seus postos de trabalho não tiveram muito tempo para economizar. Outra alternativa sugerida pelo Cato é por toda a operação ao nível dos estados, o que permitiria aos estados “ser livres para passar um sistema mais orientado ao mercado”, e “revogar as leis que impedem as companhias de seguros de oferecer políticas privadas de seguro-desemprego”. Aqui chegamos ao cerne da recomendação do Cato Institute: sob o sistema atual, as empresas privadas não têm vela neste velório. Para que serve o seguro-desemprego se as corporações não podem se beneficiar diretamente dele?

Não é surpreendente que o Departamento de Trabalho atraia a ira do Cato. Os serviços de emprego e formação devem ser eliminados, porque “não cumprem com nenhuma necessidade crítica que os mercados privados não satisfaçam”. O Congresso “deve reduzir o tamanho das atividades de regulamentação do Departamento de Trabalho”. Cato logo se queixa de que a Administração de Segurança e Saúde, a Divisão de Horas e Salários, e outras agências impõem uma densa rede de normas relativas aos empregadores dos Estados Unidos. O tema principal não é o custo destes organismos no orçamento federal, mas o “dano à economia, causado por regulamentos desnecessários, tais como o salário mínimo federal”. Do ponto de vista das corporações, é o momento de se desfazer das incômodas normas que ajudam a proteger os trabalhadores de condições inseguras, e de eliminar qualquer limitação à capacidade das empresas de reduzir os salários. Essas “normas desnecessárias” se interpõem com a capacidade das empresas de aumentar seu lucro.

A leitura da filosofia do Cato quanto aos sindicatos é uma experiência alucinante. É difícil crer que inclusive os gerentes corporativos possam aceitar isto literalmente, e que estejam tão agudamente conscientes de seus interesses de classe, e tão em desacordo com os interesses de classe dos trabalhadores. Talvez as declarações de posição do Cato estejam destinadas a convencer aqueles trabalhadores que não têm consciência de classe de atuar contra seus próprios interesses. “As principais intervenções federais a favor da sindicalização”, tais como o National Labor Relations Act de 1935, raciocina o Cato, “se baseiam na falsa idéia de que a gestão empresarial e o trabalho são inimigos naturais. De fato, tanto a patronal como a laboral são empregadas pelos consumidores ao produzir bens e serviços, e, portanto, não tem sentido supor que haja uma grande diferença entre esses grupos”. Só estando fora da realidade para fazer uma afirmação tão descabelada nestes tempos econômicos difíceis. Além disso, o objetivo das empresas é produzir lucro, e os bens que produzem são só um meio para fazê-lo.

“É importante que as autoridades reexaminem as leis sindicais e que revoguem aquelas leis que são prejudiciais para o crescimento econômico e incompatíveis com uma sociedade livre”, sugere amavelmente o Cato. E os legisladores estão respondendo a essas propostas, e estão realizando esforços em vários estados para proibir que os sindicatos de recebam através de deduções da folha de pagamento. Os trabalhadores se veriam obrigados a escrever um cheque no nome do sindicato a cada mês. A intenção é óbvia: tornar mais difícil que os sindicatos tenham direitos, e assim mutilar suas operações. Os direitos de negociação coletiva dos empregados estatais estão sob assédio em vários estados. As empresas não estão contentes com suas vantagens, desde já desiguais. Estão buscando a vitória total, pela qual os trabalhadores ficariam sem meios de defender seus direitos.

O Cato Institute quer que sejam revogadas todas as leis favoráveis aos trabalhadores. Uma de suas prioridades é a eliminação da proibição à contratação de trabalhadores não-sindicalizados. “Uma regra que exija que os trabalhadores permaneçam não-sindicalizados como parte dos requisitos do trabalho”, explica o Cato, “e o trabalhador é livre para aceitar e rechaçar a oferta de trabalho”. Quão livres seríamos, em um mundo de livre mercado ideal, no qual o resultado inevitável seria que quase todos os empregadores iriam impor o requisito de não-filiação como condição de emprego. O trabalhador teria a liberdade de escolher: ou firma tal contrato ou passa fome.

Entre as “reformas importantes” que o Cato apela para que o Congresso aprove está a eliminação da representação exclusiva, em outras palavras, a autorização da multiplicidade de sindicatos; a aprovação de uma lei de direito ao trabalho, que permitiria às empresas contratar permanentemente trabalhadores substitutos; e permitir as empresas se negar a seguir empregando os representantes sindicais. O Cato também gostaria de ver um projeto de lei que permita os sindicatos de empresas, já que, como disse, “a proibição atual à cooperação... não tem sentido econômico”.

As recomendações do Cato para o Departamento de Saúde e Serviços Humanos não são menos draconianas. “O Medicare reduz a liberdade individual”, proclama o grupo de análise. O Cato Institute ressuscita esta velha e cansada ladainha de que o Medicare é uma “pirâmide que permite que cada geração de aproveite da seguinte”. O Cato se pergunta por que a gente jovem teria que se submeter à imposição de ter que apoiar os idosos. Não importa que as pessoas mais velhas já tenham abandonado o sistema. Uma vez mais, se evidencia a muito comum hostilidade sociopática da direita com o bem-comum. “O Congresso deve reduzir o gasto da Medicare”, exige o Cato, já que “os idosos estão mais prósperos do que nunca”. O Congresso deveria dar um fim ao Medicare e oferecer aos aposentados um bônus para adquirir um seguro de saúde. Essa é a solução do Cato. Depois de tudo, qual é o benefício de um programa do qual as empresas não podem obter lucros? Caberia se perguntar, no entanto, quantas companhias de seguros estariam dispostas a assegurar uma pessoa idosa, e, se é assim, que preços cobrariam?

Cato louva a reforma dos programas de apoio social de 1996 do presidente Clinton por ter reduzido em dois terços a lista de pessoas aptas a receber o apoio. Mas pode-se fazer mais. “O objetivo final da reforma,” explica o Cato, “deve ser a eliminação de todo o sistema de rendas de bem-estar para as pessoas em condições de trabalhar. Isto significa a eliminação não só dos cupons TANF, mas também dos cupons de alimentos, da moradia social e outros programas. As pessoas que não estejam dispostas a se sustentar através do mercado de trabalho teriam que depender do apoio da família, da igreja, da comunidade ou da caridade privada”. É o modelo perfeito do Terceiro Mundo, esperando ser importado aos EUA. Talvez o Cato não tenha se dado conta, mas o mercado de trabalho não funcionou tão bem para empregar pessoas dispostas, inclusive ansiosas, por trabalhar. E nem todos têm parentes aos quais podem recorrer, nem tampouco todas as famílias que vão bem economicamente podem assumir despesas adicionais. Devemos nos perguntar como o Cato espera que as organizações de beneficência e as igrejas assumam a tarefa de manter os milhões de pessoas que não necessitam. Não há albergues suficientes para que caibam todos. Mas não importa, porque “a caridade privada é superior à assistência social do governo”. E além de tudo há um monte de bancos nos parques onde se pode dormir, e pontes sob as quais se pode instalar.

O Cato tem uma especial hostilidade com o Departamento de Transporte. “A Administração Federal de Trânsito deve ser eliminada”, devido a seu apoio ao transporte ferroviário. A perda dos subsídios de trânsito federais obrigaria os governos locais a abrir “os mercados de transporte a operadores privados”. O controle do tráfico aéreo deveria ser “eliminado do orçamento federal” e as operações geridas por uma empresa privada. A Amtrak também deveria ser privatizada. E a Administração Federal de Estradas deve ser eliminada, o que incentivaria os governos estatais a “olhar para o setor privado para ajudar no financiamento e operação de estradas”, incluindo os pedágios eletrônicos, tudo isso com magníficas utilidades, naturalmente. Imagine uma vida na qual para dirigir pelas estradas acarretaria repetidas cobranças, e onde o trem como um serviço de transporte alternativo seguro, rápido e mais amigável ao meio ambiente tenha sido permanentemente eliminado... essa é uma pequena amostra de algumas das maravilhas que esse livre mercado ideal pode nos trazer.

Esses não são somente alguns dos conceitos absurdos, por mais que dêem essa impressão. Os grupos de pressão e de análise sentem que chegou o momento, e estão levando a cabo seus objetivos. Os governos estatais já estão avançando para pôr em prática alguns desses objetivos políticos, e os republicanos da Câmara introduziram uma série de projetos de lei nesse sentido. De fato, a proposta do Presidente do Comitê do Orçamento da Câmara, Paul Ryan, reflete as recomendações de organismos como o Cato Institute e inclui muitas das mesmas idéias. Enquanto que a proposta de Ryan não tem nenhuma possibilidade de passar a lei sem mudanças, o certo é que cedo ou tarde alguns elementos encontrarão espaço na lei.

Os Republicanos da Câmara propõem que se privatize a Amtrak. Efetivamente, isso significaria a venda do corredor noroeste a uma empresa privada que opere a linha, cobrando tarifas mais altas dos usuários. E já que a rentabilidade dessa linha ajuda a apoiar o serviço de trens para o resto da nação, é improvável que as demais linhas encontrem compradores, o que resultaria em seu fechamento. A China embarcou num programa de US$ 1 bilhão para a construção de uma ferrovia de alta velocidade, infraestrutura e estradas, enquanto que nos EUA esse tipo de dinheiro está reservado para as aventuras militares e reduções de impostos. Ao invés disso, nos oferecem planos de transporte baseados na privatização, a eliminação das alternativas ao carro e infraestrutura deteriorada. O senador de Illinois, Mark Kirk, apresentou um projeto de lei que tipifica este enfoque, chamando ao investimento privado nas estradas e aeroportos, e a “comercialização” das áreas de descanso nas estradas.

Do modo como vão as coisas, estas idéias só ganharão mais força com a eleição de um presidente republicano. Os trabalhadores enfrentam uma eleição pouco invejável em 2012: votar no Presidente Obama, que podemos ter certeza que seguirá servindo aos interesses corporativos, ou votar pelo candidato republicano, que fará o mesmo, só que de uma maneira mais dura.

Nos próximos meses, podemos estar seguros de que veremos mais cortes selvagens das pensões e serviços sociais, assim como tentativas de sufocar a Segurança Social. Os juízes de dois casos judiciais, em Colorado e Minnesota, descartaram os desafios legais apresentados por trabalhadores estatais aposentados que tiveram os reajustes por custo de vida de suas pensões eliminados. Essas decisões são amplamente vistas como um sinal verde para que outras legislaturas estatais cortem as pensões, e desde já o governador Christie de Nova Jersey firmou uma lei que corta severamente as pensões e os benefícios de saúde dos trabalhadores estatais. E Christie disse que recebeu chamadas dos governadores de outros estados, lhe pedindo assessoramento sobre a forma com que podem repetir a mesma ação.

Com o baixo nível de solidariedade entre trabalhadores, a luta é desigual. Mas os sindicatos, debilitados como estão, seguem envolvidos numa oposição enérgica aos ataques contra os trabalhadores. Permanecem sendo a melhor arma para nos defender, e merecem todo nosso apoio. O mundo empresarial está realizando agressivamente seu programa. Não deveríamos ser menos militantes na defesa de nossos direitos.

*Gregory Elich é membro da Junta Diretiva do Jasenovac Research Institute e do Conselho Assessor da Comissão da Verdade na Coréia. Também é autor do livro Strange Liberators: Militarism, Mayhem, and the Pursuit of Profit. (Estranhos Libertários: Militarismo, Caos, e a Busca pelo Lucro).

(Tradução Cainã Vidor)
Foto: http://www.flickr.com/photos/seiu/4565124342/

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