A entrevista abaixo Secretária-geral da Unasul, a colombiana Mara Emma Mejia vem ao encontro do que penso: O Brasil precisa ajudar no desenvolvimento de toda a América do Sul.
Não podemos cometer o erro dos EUA que se desenvolveram às custas da miséria, da pobreza, da fome e do sangue latino-americano.
Hoje estão aí, construindo muros, enquanto que o maior desafio de todos os povos do mundo é derrubar todas as barreiras, todos os muros para que de fato a humanidade possa se desenvolver em sua totalidade e essencialidade.
A Globalização quer a derrubada apenas muros da economia, mas a humanidade precisa derrubar os muros do preconceito, da miséria e da fome.
E o Brasil tem muito a contribuir nesse século XXI e aprender com os erros dos EUA:
O Brasil não pode ser um oceano de prosperidade na América do Sul"
Secretária-geral da Unasul, a colombiana Mara Emma Mejia, em entrevista à Folha no Rio de Janeiro
Brasil sabe que não pode ser potência sozinho, diz secretária-geral da Unasul
CLAUDIA ANTUNES – FOLHA SP
Num mundo que caminha para a regionalização, o Brasil sabe que não poderá ser uma potência forte sem integração com os vizinhos, afirmou a colombiana María Emma Mejía, que assumiu em maio a secretaria-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
“Prevê-se que o Brasil será a quarta economia do mundo em 2014, é claro que o país tem um peso.
Mas temos que trabalhar juntos se queremos ser potência. O Brasil sozinho não é a mesma coisa que o Brasil com 12 juntos”, disse ela em entrevista à Folha, relembrando conversa recente sobre o tema com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota.
Mas temos que trabalhar juntos se queremos ser potência. O Brasil sozinho não é a mesma coisa que o Brasil com 12 juntos”, disse ela em entrevista à Folha, relembrando conversa recente sobre o tema com o chanceler brasileiro, Antonio Patriota.
Mejía dividirá o mandato de dois anos com o atual ministro de Energia da Venezuela, Ali Rodríguez Araque. É uma prova, segundo ela, do “enorme êxito político” do bloco em desmontar crises regionais, como a que opôs seu país à Venezuela do presidente Hugo Chávez, acusada pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe de apoiar as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Ministra da Educação e das Relações Exteriores nos anos 1990, Mejía dirigiu nos últimos oito anos a Pés Descalços, fundação educativa financiada pela cantora Shakira. Foi indicada pelo presidente colombiano Juan Manuel Santos para a Unasul apesar de ser ligada — mas não “militante”, diz — a um partido de oposição, o Polo Democrático (esquerda).
A secretária-geral da Unasul veio ao Rio para inaugurar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, criado pelo bloco para promover o intercâmbio de programas e estudos na área.
Ela destacou a tarefa de institucionalizar e dar “carne” à Unasul, criada em 2008 e cujo tratado acaba de entrar em vigor, depois de ratificado por dez dos 12 integrantes. Citou a organização de um secretariado “flexível, não burocrático e econômico”, em Quito, e a abertura há duas semanas do Centro de Estudos Estratégicos da Defesa, em Buenos Aires.
“É um tanque de pensamento [do inglês think-tank] para mostrar que podemos gerar nossa própria doutrina”, disse, prevendo que a proteção dos recursos naturais será a principal tarefa dos militares da região daqui a “algumas décadas”.
A Unasul também acaba de incorporar a estrutura técnica da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), antes coordenada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Segundo Mejía, será proposto aos presidentes um “plano decenal” com 73 obras prioritárias — uma meta ambiciosa, já que, nos dez anos de existência da IIRSA, 29 obras de grande parte foram concluídas.
A Unasul fará uma reunião de cúpula na próxima quinta-feira, em Lima, em paralelo à posse do presidente Ollanta Humala. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
FOLHA – A Unasul vem atuando mais como mediadora de crises na região e carece de uma institucionalização mais forte. Quais são os desafios?
MARÍA EMMA MEJÍA - A Unasul teve enormes êxitos políticos em desmontar crises, como foi o caso do rompimento de Colômbia e Venezuela, há menos de um ano, da tentativa de golpe de Estado de novembro de 2010 no Equador, da secessão prática de Santa Cruz [na Bolívia] em 2008. Todos foram problemas resolvidos, talvez de forma mais ágil do que por qualquer outro organismo multilateral que eu conheça.
A institucionalidade não existia porque somos muito jovens. O tratado foi firmado em 2008, é ratificado e entra em vigor em março de 2011. Agora, temos que gerar essa institucionalidade. O primeiro secretário-geral foi o presidente Néstor Kirchner [morto em outubro do ano passado], que teve que apagar incêndios nessas crises. Foi excelente mediador, mas não teve tempo de criar a secretaria, só ficou no cargo cinco meses. Agora nos cabe estabelecer a secretaria em Quito, trazer equipes, elaborar um orçamento, desenhar uma estrutura como os presidentes e presidentas querem: flexível, fácil, não burocrática, econômica.
O segundo desafio é a carne: os temas sociais; o Conselho de Defesa Sul-Americano, que é um grande modelo de soberania própria e não ditada por fórmulas; a área de saúde, criando esse instituto que é o segundo órgão ligado à Unasul, depois do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa, com sede em Buenos Aires.
Há muito mais na Unasul do que se vê no plano político. Atrás da cena há toda uma bagagem de trabalhos que nascem em 2000, quando se cria a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), que hoje está elaborando um plano decenal para 2022. Se os presidentes estiverem de acordo, queremos um plano decenal para todas as áreas, um pouco como fez a Europa quando se desenhou há mais de 40 anos.
Nas obras inicialmente escolhidas pela IIRSA, muita coisa ficou por fazer.
A herança técnica que recebemos da IIRSA foi o Cosiplan, Conselho Sul-Americano de Planejamento de Infraestrutura, presidido pela ministra brasileira, Miriam Belchior. Anteontem terminou em Montevidéu uma reunião em que analisamos 73 obras de um banco grande de projetos. Na última década foram realizadas 29, como a ligação entre o Atlântico e o Pacífico entre Brasil e Peru.
Iniciativas como essas eram impensáveis antes, incluindo as que reúnem dois, três, quatro, cinco países. Acaba de acontecer a cúpula de ministros de Relações Exteriores e especialistas em energia dos países andinos mais o Chile. Os cinco decidiram fazer um plano de desenvolvimento energético, chamaram também a Venezuela [que deixou a Comunidade Andina de Nações].
Não necessariamente têm que ser projetos de todos. Podem ser bilaterais, com apoio privado. Mas, se conseguirmos fazer em todas as áreas — infraestrutura, luta contra as drogas, proteção das reservas naturais, segurança e defesa, saúde, educação — um plano decenal como esse, teremos uma visão de como será a região ema 2022, quando terminam nossos bicentenários com o da Independência do Brasil. Não ditamos políticas de desenvolvimento, mas podemos ajudar a coordenar.
No dia em que a sra. foi nomeada para o cargo, o presidente colombiano Juan Manuel Santos disse que a América do Sul, a América Latina, era a região do futuro. É também a sua visão?
O presidente Santos disse uma coisa muito interessante: somos países muito fortes, mas unidos somos uma potência. Há alguns dias, quando o chanceler Antonio Patriota me visitou na sede da Unasul em Quito, eu lhe disse: vocês por si só são uma potência. Ele respondeu: uma potência só não pode fazer nada, faz mais ligada a outras.
Então creio que há entre os mandatários e também entre os especialistas uma sensação de que esta é a década da América Latina. Nós viemos de toda sorte de dificuldades políticas, econômicas e sociais, da década perdida dos 1980, da década frustrada dos 1990, de golpes militares, de carências de democracia, de hiperinflação. Agora arrumamos a casa, o crescimento [médio] foi de 6% no ano passado e neste ano está projetado em 4% a 5%, a inflação está controlada em quase todos os casos, e avançamos em temas sociais, alguns países mais do que outros.
Nesse tema creio que está nossa tarefa pendente e uma das grandes responsabilidades da Unasul. No dia 28, quando teremos a cúpula em Lima, os presidentes farão sua declaração sobre a igualdade, como podemos inclusive compartilhar modelos, o que o Brasil fez, o que continua fazendo para tirar gente da pobreza.
É uma realidade, não é uma fantasia, que a América Latina junta tem uma grande oportunidade. Os presidentes estão conscientes disso, que têm que atuar juntos, independentemente de outros mecanismos de integração, do Mercosul, da Comunidade Andina de Nações. A Unasul é uma experiência inédita, não há outro organismo igual.
O papel da Unasul é sobretudo de coordenação?
Depois de falar com quase todos os presidentes e presidentas da Unasul, creio que o papel político é o primeiro. Todos foram muito categóricos nesse objetivo. Hoje somos uma zona de paz, e isso nos permite trabalhar no objetivo político de nos unirmos em tudo que for possível, inclusive com as diferenças ideológicas e nos modelos de desenvolvimento que existem. Os presidentes querem dar uma enorme prioridade a essa unidade política. Como desenvolvê-la? Vamos trabalhar em como potencializamos áreas específicas para que sejam um elemento de integração.
Uma das coisas que mais me impressionou foi a receptividade dada à Unasul pelos europeus, os chineses. O mundo vai se dividir em blocos, é muito difícil negociar país a país. Uma entidade como a Unasul se torna muito mais poderosa do que apenas um conjunto de países muito assimétricos.
Antes do presidente Santos, a impressão é que a Colômbia resistia à Unasul. Mudou o líder ou também as circunstâncias? Fala-se que a aproximação do presidente Santos com os vizinhos ocorreu muito em função do atraso na ratificação do acordo de livre comércio com os EUA.
Houve uma mudança muito profunda na política externa colombiana, não apenas no tema dos Estados Unidos. Acho que em poucos dias vão aprovar o tratado de livre comércio [nos EUA], mas há uma visão em relação aos vizinhos muito forte do presidente Santos e de sua chanceler, María Ángela Holguín, que foi embaixadora na Venezuela, na ONU. Há muito peso nessa decisão, que privilegiou a paz com a Venezuela. Não é à toa que o presidente veio ao Brasil em sua primeira viagem ao exterior depois da posse, para mostrar a prioridade à região.
Devo dizer, no entanto, que foi o presidente Álvaro Uribe quem assinou o tratado de criação da Unasul e também, decisão mais difícil, assinou o acordo para o Conselho de Defesa Sul-Americano. Era uma coisa difícil para ele, uma pessoa que estava a ponto de assinar um acordo adicional de cooperação com os EUA. Acho então que há uma mudança, um olhar mais para o sul. Quem poderia pensar que na secretaria geral da Unasul poderia estar primeiro uma colombiana e depois um venezuelano?
O peso do Brasil na região também gera reações nos vizinhos, fala-se em alguns círculos de imperialismo brasileiro. Como o Brasil é visto nos outros países da região e na Colômbia?
Prevê-se que o Brasil será a quarta economia do mundo em 2014, é claro que é um país que tem um peso. Mas temos que trabalhar juntos se queremos ser potência. O Brasil sozinho não é a mesma coisa que o Brasil com 12 juntos. Creio que o Brasil é um país admirável, não apenas por ter conseguido transformar-se em potência emergente e estar no mapa mundial, mas também por seus avanços sociais. Não é minha sensação nem tem sido neste tempo que haja algo como o peso do império, como tivemos quase um século com os EUA.
É muito diferente. Creio que estamos nos aproximando mais, como nunca. O Brasil pesa na Unasul, é evidente, mas como podem pesar Venezuela, Peru, Uruguai, Argentina. Podemos trabalhar de forma complementar.
O próprio presidente Santos quando esteve no Brasil mencionou o superavit comercial brasileiro com a Colômbia. Não há uma cobrança para que o Brasil trabalhe por mais equilíbrio entre os países da região?
Na medida em que aprofundemos a institucionalidade da Unasul, não apenas como órgão de reflexão e reação política, mas como instância de integração real, o Brasil terá um peso específico grande porque há assimetrias internas profundas. Como lidar com isso os presidentes terão que dizer. Por enquanto é um organismo jovem, mas entramos em uma nova etapa. Temos que discutir como região, e eles como líderes, para onde queremos ir, que tipo de integração haverá, se vão criar um fundo de solidariedade, um fundo de complementaridade, se vão estudar modelos e exemplos de cada país, como estamos fazendo aqui hoje com o instituto de saúde.
A revista “Economist” qualificou a Área de Integração Profunda recém-lançada por Colômbia, Peru, Chile e México como um contraponto ao Brasil desses países banhados pelo Pacífico.
Não é um contraponto. Nascemos com o espírito integracionista de Simón Bolívar, San Martín, e agora que estamos celebrando o bicentenário estamos voltando a essas origens. Essa aliança do Pacífico, temos que ver como Ollanta Humala a vê, mas hoje há declarações interessantes do Rafael Roncagliolo, seu novo ministro de Relações Exteriores [ele disse que as prioridades externas do novo governo serão a Comunidade Andina de Nações e a Unasul].
Há diferentes instâncias de integração, todas podem coexistir e creio que são necessárias. Não acredito que tenhamos que fazer uma política excludente. A aliança do Pacífico não é um obstáculo nem concorre com o Brasil. São países que buscam alternativas de integração e acredito que todas elas são positivas.
Os países da região podem chegar ao ponto de tratar juntos do problema do narcotráfico, de prescindir da colaboração dos Estados Unidos?
O grupo de trabalho sobre drogas da Unasul já se converteu em um Conselho de Luta contra as Drogas, hoje coordenado por Bolívia, com plano de ação e estatutos. É um tema mais difícil, há divergências mais profundas, temos aqui três dos principais produtores de coca do mundo [Colômbia, Peru e Bolívia].
Avançamos muito, mas não vejo por enquanto a possibilidade de buscar uma política unitária de luta contra as drogas. Foi importante colocar o tema na agenda da Unasul, mas ainda há muito o que fazer. Há posições diferentes, é preciso ser francos.
O governo da Colômbia desistiu de levar ao Congresso o último acordo com os EUA [para uso de sete bases colombianas], não?
A Corte Suprema disse que seria preciso submetê-lo ao Congresso, e o presidente Santos não viu necessidade.
A presença de tropas americanas ainda suscita desconfianças nesta parte do continente. Há perspectiva do fim dessa presença e para o fim do conflito com as Farc?
Estou convencida de que o presidente Santos e seu governo estão buscando que esse signo trágico que a Colômbia teve, com uma presença insurgente de tantos anos, em algum momento se encerre. Mas podemos cooperar na região e ter boas relações com os EUA. Não se trata de amigos e inimigos, mas de somar todas as possibilidades que existem.
Só o fato de que pudemos recuperar a confiança em nosso país e em seu processo de integração, como demonstrado pela nomeação de um secretário-geral colombiano… Acho que é uma fórmula que nasceu aqui no Brasil, que caiu muito bem, que permite superar as preocupações que possam ter existido. Se armou uma institucionalidade que permitiu a superação das desconfianças.
Na relação entre Colômbia e Venezuela, também houve uma mudança de atitude no caso da Venezuela, não? Essa mudança na relação bilateral é duradoura?
As relações entre a Colômbia e Venezuela tiveram altos e baixos ao longo da história. Mas, quando alguém tem um irmão siamês, no final se entende. E isso é o bonito que sempre nos aconteceu. Hoje se reafirma uma relação que é muito realista, que tenta recuperar seus níveis comerciais, há cooperação na fronteira, entendem-se as diferenças. Creio que será duradoura pelo estilo em que estão levando, pela confiança. É possível ver isso no Conselho de Defesa Sul-Americano, agora que estamos trabalhando no tema da transparência dos gastos militares. Quando existe confiança, não há tantas suspeitas.
A esperança é que a Unasul parta para uma etapa de construção?
É a alternativa de criar nosso próprio modelo. A América do Sul sempre foi muito herdeira de modelos externos, e hoje temos uma possibilidade real, num momento de crescimento e de certa estabilidade econômica e política, de construir esse modelo de integração.
O último relatório da Cepal, além de destacar o crescimento da região, também advertiu para riscos de desindustrialização devido à China, que demanda as matérias-primas da região e exporta seus manufaturados. A integração pode ajudar a região a não voltar a a ser apenas exportadora de seus bens naturais?
Em primeiro lugar, somos um reservatório de biodiversidade, de água potável, de florestas.
A reflexão da Cepal é válida. Temos que ver onde estão nossos ativos e detectar com antecedência os riscos que enfrentamos. Não lidamos diretamente com o tema comercial, mas os presidentes discutem como teremos que ir ajustando nosso caminho num mundo global que mudou totalmente. Um grande desafio é como construirmos capital humano, porque aí é onde haverá uma diferença que nos permitirá uma inserção verdadeira entre os emergentes.
Como está funcionando o Conselho de Defesa?
Não só conseguimos criar o conselho como apresentá-lo à Junta Americana de Defesa [da Organização dos Estados Americanos] e a todos os presidentes e presidentas da região. Busca um protocolo de paz para dar transparência ao gasto militar. Há um aprofundamento do que pode ser a área de defesa e segurança numa zona que pode ser exemplo para o mundo, e que amanhã pode passar a converter-se em temas de defesa de nossos recursos naturais.
A defesa dos recursos naturais é hoje o papel dos militares na região?
Acho que será no futuro, em algumas décadas. O Centro de Estudos Estratégicos de Defesa que inauguramos em Buenos Aires é um tanque de pensamento [do inglês think-tank] próprio, da nossa própria doutrina, de apresentar quais são as nossas teses e mostrar também que em uma área tão complexa podemos ser inovadores e gerar nossos próprios pensamentos.
Não há desconfiança sobre os planos de modernização militar do Brasil?
Não vejo isso. Não sei porque você fala tanto de desconfiança, porque é o contrário. Há confiança, confiança, confiança. Em todos os setores, da política à defesa. Há a intenção de ser transparente, o que para mim é altamente positivo, pois é dessa forma que podemos crescer como região.
extraído do blog Luis Favre
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