Seis fortes indícios do interesse dos Estados Unidos nos resultados da Lava Jato
13 de maio de 2017 às 18h40
por Luiz Carlos Azenha
Barack Obama assume a Casa Branca e escala Hillary Clinton para o Departamento de Estado.
O órgão anda enfraquecido relativamente ao Pentágono, que deu as cartas na política externa durante George W. Bush.
Mas, a grana é curta. E Hillary fala em usar mais o “soft power“, apontando o Itamaraty — sob Celso Amorim — como exemplo da eficácia da estratégia.
Soft power é quase como influenciar o vizinho e convencê-lo
de que seus interesses são convergentes e que vocês podem trabalhar
juntos. Quando Estados Unidos e Belize trabalham juntos, por exemplo,
quem tem mais força na relação? E quando isso se dá entre Brasil e
Paraguai?
Soft power é usar sua diplomacia para conquistar mercados e
obras no Exterior, como fizeram a Suécia no caso dos caça Gripen, o
Brasil no caso das obras da Odebrecht e os Estados Unidos no caso do
Sistema de Vigilância da Amazônia, o SIVAM:
Espionagem do governo dos EUA e a ajuda de um militar
brasileiro garantiram à companhia norte-americana Raytheon a conquista
do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), projeto de US$ 1,4 bilhão
de proteção da bacia amazônica que será inaugurado na quinta-feira em
Manaus.
Documentos oficiais dos Estados Unidos revelam que, em junho e em
julho de 1994, nas semanas que antecederam a apresentação final das
duas propostas finalistas do processo de seleção do Sivam, a Casa Branca
soube, por meio de “fontes dos serviços de inteligência”, que as
condições de financiamento oferecidas de forma sigilosa pela francesa
Thomson-CSF (que mudou seu nome para Thales em 2000) eram melhores que
as da Raytheon.
Com base nessa descoberta, diplomatas americanos reuniram-se
sigilosamente com o tenente-brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, então
coordenador do processo de seleção da empresa que forneceria
equipamentos ao Sivam, e, todos juntos, puseram em prática uma
estratégia que melhorou a proposta da Raytheon e garantiu sua
vitória. Hoje, Oliveira é o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica.
Os documentos, cerca de 400, são do Departamento de Estado, do
Departamento de Comércio, da CIA (agência de inteligência) e da
embaixada dos EUA no Brasil. Foram obtidos pela Folha ao longo dos
últimos três anos com base na lei norte-americana da liberdade da
informação –“Freedom of Information Act”. Outros cem papéis sobre o
Sivam foram total ou parcialmente censurados.
No mundo real, é assim que funciona.
É óbvio que os Estados Unidos nunca engoliram a ideia de que o Brasil
poderia projetar poder sobre seu “quintal”, na América Latina,
disputando mercados e influenciando eleições. Mas, na diplomacia, isso
sempre foi assim (mais recentemente, na clara opção preferencial de
Vladimir Putin por Donald Trump).
Portanto, é bom juntar os indícios de que os Estados Unidos, se não
promoveram diretamente a Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma,
não assistiram passivamente aos acontecimentos no Brasil — por exemplo,
à aproximação preferencial com os Brics ou atuação destacada nos
organismos multilaterais.
Vamos a alguns deles:
1. A National Security Agency (NSA), dos Estados Unidos, espionou a
Petrobras e, pessoalmente, a então presidente Dilma Rousseff, que chegou
a utilizar um celular comum;
2. Assim que foi dado o golpe contra Dilma, as ações adotadas por
Michel Temer na estatal vieram ao encontro dos interesses dos acionistas
e, por acaso, dos Estados Unidos: transformar a Petrobras em mera
furadora de poço (não mais, como a Shell e a Exxon Mobil, uma empresa
que atua do poço à bomba). Isso significa acelerar a produção do
pré-sal, o que implica em derrubar o preço internacional do petróleo e
abrir mais espaço para as multinacionais, às quais faltam oportunidades
de negócios devido ao grande controle estatal sobre o petróleo em todo o
mundo;
3. O destaque dado por várias publicações norte-americanas ao juiz
Sergio Moro, que estudou nos Estados Unidos e fez um tour pelo país
bancado pelo Departamento de Estado;
4. A negativa de visto dos Estados Unidos ao senador Romero Jucá,
acusado mas ainda não condenado por envolvimento na Lava Jato. Um recado
a outros investigados: não há como escapar;
5. A descoberta, agora, de que o governo Lula — segundo os
marqueteiros João Santana e Monica Moura — pode ter interferido na
reeleição de Nicolas Maduro na Venezuela e na eleição de Mauricio Funes
em El Salvador, através da Odebrecht, fazendo avançar interesses da
diplomacia brasileira dentro do “quintal” dos Estados Unidos. É óbvio
que Washington tem olhos e ouvidos fiéis nos dois paises e jamais
aceitaria que outro país fizesse o que Washington faz todos os dias em
todo o planeta.
6. O jogo duro da Lava Jato não apenas com os executivos corruptos,
mas com a empresa Odebrecht, uma das maiores exportadoras de serviços do
Brasil. Acordos de cooperação internacional fechados pela PGR, dos
quais o Executivo brasileiro foi praticamente excluído, são
entendimentos entre burocracias que apenas aparentemente são
despolitizados. Vejam o caso da Raytheon, acima, para entender que nos
Estados Unidos há “vasos comunicantes” e cooperação entre as agencias
governamentais, de maneira a colocar acima de tudo os interesses
políticos, diplomáticos e econômicos de Washington.
Fiquem, agora, com recente entrevista do jurista Fábio Konder Comparato à Rede Brasil Atual:
Comparato: ‘Prender ou pelo menos incriminar Lula faz parte da política norte-americana’
Para jurista, depoimento de Lula mostrou que “não há o menor
indício de prova” contra o ex-presidente. Mas interesses por trás da
Lava Jato são poderosos: “Moro é um grande amigo dos Estados Unidos”
São Paulo – Para o jurista Fábio Konder Comparato, o destaque do
depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que o
interrogatório do petista pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba, na
quarta-feira (10), “demonstra claramente” que a acusação da compra do
apartamento no Guarujá pelo próprio Lula ou por sua esposa, Marisa
Letícia, é falsa.
Porém, ele avalia que, embora o depoimento tenha mostrado não haver
“absolutamente o menor indício de prova” contra Lula, existem interesses
enormes por trás da Operação Lava Jato. “É óbvio que a Lava Jato vai
procurar prender ou pelo menos incriminar o Lula. Porque isso faz parte,
entre outras coisas, da política norte-americana”, diz. “Assim que a
Dilma caiu, graças aos esforços de um senador chamado José Serra, eles
conseguiram quase imediatamente desnacionalizar o pré-sal.”
Ao comentar o destaque dado hoje pela imprensa comercial do país –
segundo a qual Lula atribui a Marisa Letícia o interesse e decisões
sobre o apartamento no litoral sul de São Paulo – Comparato ironiza a
falta de provas materiais que respaldem as acusações contra o petista.
“Veja só, essa é uma prova da falsidade do Lula.”
O que o sr. destacaria no depoimento de Lula?
A parte que vi demonstra claramente que essa acusação da compra do
apartamento no Guarujá é falsa. Mas, de qualquer maneira, é obvio que a
Operação Lava Jato vai procurar prender ou pelo menos incriminar o Lula.
Porque isso faz parte, entre outras coisas, da política
norte-americana. O Moro é, aliás, não digo um agente norte-americano
(risos), mas ele é sem dúvida um grande amigo dos Estados Unidos. Ele
fez o seu curso de pós-graduação lá. E vai quase todo mês aos Estados
Unidos.
Ora, para os americanos, a presidência do Lula não foi nada
agradável. Assim que a Dilma caiu, graças aos esforços de um senador
chamado José Serra, eles conseguiram quase imediatamente desnacionalizar
o pré-sal e depois foram vendendo a Petrobras aos poucos. O que
significa que já tiveram este resultado muito importante. Mas o outro
resultado importante foi tornar muito difícil a vida dos Brics com a
saída do Brasil. O que eu vi no depoimento é que não há absolutamente o
menor indício de prova ou qualquer coisa que seja possível apresentar
como prova.
Os advogados de Lula falaram em “anomalia e patologia processual” contra o ex-presidente, na Lava Jato…
Sim, e sobretudo em um momento em que o juiz Moro perguntou ao Lula
algo sobre o “mensalão”. Ora, se alguém ou alguma parte tivesse
perguntado isso, no interrogatório de um réu ou no depoimento de
testemunhas, ou seja, nesse caso do tríplex, o juiz iria impedir essa
pergunta. E no entanto ele resolveu fazer a pergunta ele próprio.
O sr. concordaria com algumas avaliações de que o juiz Moro teria ficado de certa maneira desmoralizado no processo?
Desmoralizado diante de quem?
Diante da opinião pública.
A opinião pública é falseada pelos meios de comunicação de massa.
A reação popular e a mobilização a Curitiba configuraria um tiro no pé da Lava Jato, como alguns avaliam?
Não, porque eles têm outros processos em andamento e, de qualquer
maneira, se os americanos decidiram que o Lula não pode se candidatar, é
óbvio que a Justiça brasileira vai impedir esta candidatura.
O sr. destacaria algum trecho específico do depoimento?
Eu vi… tudo aquilo que dizia respeito ao tríplex. Hoje o Estadão põe na primeira página algo como “Marisa tinha interesse no apartamento”. Veja só, essa é uma prova da falsidade do Lula.
A grande imprensa parte agora para essa nova narrativa, como se Lula não tivesse escrúpulos.
Exato, e como se o Lula não fosse uma pessoa adulta e responsável.
Teria que responder pela Marisa. Sobretudo porque a Marisa já não está
mais no mundo dos vivos, então ela não pode contestar essa questão.
Como o sr. viu a mobilização popular até Curitiba?
Muito boa a mobilização popular. Mas, pelo menos no que diz respeito aos meios de comunicação de massa, ela não foi divulgada.
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