O texto - A verdade está no fundo - Francisco Viana, publicado no Terra Magazine é uma das melhores reflexões que no li nesses últimos anos sobre um dos graves erros da mídia nesse sociedade do conhecimento: acusa-se primeiro para depois averiguar a realidade dos fatos.
E parece que tanto nos EUA como no Brasil a justiça está se deixando levar pela cobertura midiática, que leva ao clamor povo em certos fatos que envolvem autoridades ou a natureza do crime como no caso da camareira, supostamente estuprada em um quarto de hotel de Nova York.
Agora, o fato é: o cidadão é culpado até se prove a sua inocência. E quantas reputações foram jogadas no lixo? E quantas vezes, essa mídia dá a mesma oportunidade para o acusado se defender?
A verdade é que o cidadão, nessa sociedade do conhecimento, é culpado até provar sua inocência. E o julgamento é mais político do que processual. E o pior: parece que uma parte de nossos juízes ler o processo pressionado pela mídia.
Veja o caso de Cesare Battist - os juízes do Supremo Tribunal Federal tinham apenas que cumprir a Constituição Brasileira, mas deixaram se levar pela pressão midiática, arrastando esse caso por meses.
Será que aprenderemos com esse caso? E com tanto outros?
O autor foi muito feliz com esse texto reflexivo, quando o mesmo questiona, em certa a parte do texto:
O que mudou? A base tecnológica e amplitude dos impasses. Mudou a influência da mídia junto a Justiça e às autoridades. Tudo se mediatiza. Os aliados de ontem são os inimigos de amanhã. Se não inimigos, pessoas que viram as costas. Tudo é mediatizado. Tudo é "analisado" com a rapidez da Internet. Nada é a rigor novidade no sentido essencial. Prevalece, com maior ou menor intensidade, a capacidade de argumentar. Certamente, menos a demonstração - alicerçada em fatos - e mais o convencimento, baseado em versões.
O caso Dominique Strauss-Kahn ganha novo enfoque. De acusadora, a camareira de um hotel de luxo em Nova York, que teria sido alvo de uma tentativa de estupro, passa a ré.
E, pelos novos acontecimentos divulgados, ela estaria tentando arrancar dinheiro do ex-presidente do FMI. Essa é, em resumo, a reviravolta que ganha as manchetes na imprensa. O que está para acontecer? Se a acusadora perder, de fato, a credibilidade, Dominique Strauss-Kahn, é certo, voltará à França como herói e pode vir a ser presidente da república pelo partido socialista. O Le Monde (de sábado, dia 2) já noticiou na primeira página: só depende de Strauss-Kahn para que as eleições primárias o aguardem. Ele é o herói preso pelos americanos. Um caso singular de comunicação em que a reputação perdida é rapidamente recuperada e as situações se invertem: o vilão de antes passa a ser o herói de hoje. É como assinala o Le Monde: tudo isso só poderia acontecer com Strauss-Kahn. Pode existir elogio maior?
Mas, nada disso significa que o homem público não seja vulnerável. Pelo contrário, reforça a tese. A imprensa trabalha com ideias e fatos, mas nem sempre apura os fatos com o rigor necessário. E o que acontece quase sempre: quem é acusado é sempre visto como culpado. Faz parte do jogo da mídia. Faz parte da sociedade atual. Dai, o comunicador ser um dialético, isto é, precisa discutir, investigar, debater, argumentar. Pensar sempre: onde está a realidade dos fatos?
A dialética surge no ambiente da democracia ateniense do século V a.C, justamente quando com a liberdade política reuniram as contradições que permitiram a liberdade de pensamento e de expressão. A igualdade do cidadão diante da lei realizava-se no direito à palavra, podendo posicionar-se livremente contra ou a favor da democracia. A liberdade da palavra era maior em Atenas do que em qualquer outra cidade grega. Atenas era chamada a "amante do discurso" ou "de muitos discursos". Nesse contexto político-histórico deu-se o nascimento da sofística e, também, as filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles, nas quais a dialética adquiriu importância decisiva.
Data dessa época duas tendências em confronto ainda nos dias atuais. A primeira, busca discutir os acontecimentos no sentido de compreender a questão em si, ou seja, visando defender ou atacar uma tese a fim de estabelecer sua verdade ou falsidade. A segunda procura a contenda pela contenda e procura apenas vencer a discussão. Em ambos os casos, a ideia chave era produzir contradições.
No primeiro caso, a busca da verdade, o que pode ser defendido racionalmente, procurava chegar à demonstração, valoriza-se os fatos, a densidade, suas conexões históricas, a continuidade no tempo. Construía-se, assim, uma ciência. Um método. Falível, como toda ciência, mas com consistência da demonstração dos fatos.
Na segunda hipótese, busca-se o convencimento. O que é verdadeiro deve parecer falso, o que é falso deve parecer verdadeiro. O importante era se afirmar a razão, mesmo não a tendo objetivamente. O fio condutor da argumentação deixava a lógica de lado, ganhava múltiplas faces e estratagemas. Como por exemplo:
- Recorria-se à lógica das aparências para afirmar proposições falsas.
- A verdade objetiva era relegada a plano secundário em oposição a opiniões não fundamentas em fatos e às versões, também obscurecida pela inconsistência dos fatos.
- Desqualifica-se a argumentação do adversário.
- Provoca-se a raiva do adversário pois tendo raiva ele não pode julgar corretamente.
- Apelava-se à teoria da conspiração: o denunciante muitas vezes passava a ser culpado e o culpado denunciante.
- Passava-se à ofensiva, geralmente de forma grosseira, esquecendo-se o objeto da contenda.
- Como se pode ver pelo vai e vem do noticiário da mídia, pouca coisa mudou na essência.
O que mudou? A base tecnológica e amplitude dos impasses. Mudou a influência da mídia junto a Justiça e às autoridades. Tudo se mediatiza. Os aliados de ontem são os inimigos de amanhã. Se não inimigos, pessoas que viram as costas. Tudo é mediatizado. Tudo é "analisado" com a rapidez da Internet. Nada é a rigor novidade no sentido essencial. Prevalece, com maior ou menor intensidade, a capacidade de argumentar. Certamente, menos a demonstração - alicerçada em fatos - e mais o convencimento, baseado em versões.
A julgar pela reviravolta do caso Dominique Strauss-Kahn volta-se ao ponto de partida? O que de fato aconteceu no quarto do hotel em Nova York? As novidades, porém existem: a Justiça americana errou ao acusá-lo sem investigar antes os fatos? Quem é, de fato a denunciante? A causa do assedio sexual sai perdendo? Não seria prudente investigar antes, acusa depois, seja quem for o envolvido? As questões são muitas, os fatos ainda a exigir apuração consistente.
Resumindo, a questão de interesse geral é: onde, em qualquer situação, começam os fatos e onde terminam as versões. Ao comunicador, como profissional dialético, cabe sempre o cultivo da dúvida. Nas crises, se tende sempre a acreditar nas primeiras versões e se esquecer o questionamento profundo dos fatos. O drama é que na sociedade midiática tudo é feito com pressa. O culto ao efêmero é que dá o tom. Eis um tema chave de discussão em casos como o de Dominique Strauss-Kahn. Será que ele merecia tal exposição pública?
Fica uma constatação: a mulher de Strauss-Kahn é grande. Tem dimensão histórica e, nela, é que se reflete a verdadeira vencedora da crise. Foi solidária, manteve-se ao lado do marido independente do vendaval das versões. Curiosamente, esse é um fato pouco notado. Mas a lição é igualmente clara: nas crises o que importa é a prática. É nesses momentos que se sabe quem tem identidade quem não tem. Quem é aliado e quem não é. Quem vai até o fim e quem desiste ao menor sinal de incêndio.
A senhora Strauss-Kahn é um exemplo de identidade. Um paradigma a ser seguido. Discreta, mas ativa, mostrou como se pode associar a ética individual a ética pública. Fica por fim uma questão que o tempo trará a resposta: quanto irá custar - em termos tangível, isto é monetário, e intangível, isto é de imagem para os Estados Unidos - o caso Strauss-Kahn? No Le Monde já circula na Internet um editorial ( De New York à Paris, éloge de la lenteur) em que a justiça americana é acusada de julgar midiaticamente a culpa de Strauss-Kahn, sem presumir a inocência até a conclusão das investigações. Agora, é aguardar os desdobramentos e ver onde se vai chegar. Resta, contudo, a observação: é um caso para acompanhar e aprender as lições. É um caso singular, em todas as dimensões.
Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política pela PUC-SP, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: viana@hermescomunicacao.com.br)
Fale com Francisco Viana: francisco_viana@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário