Cerca de 30 mil metalúrgicos das cinco grandes montadoras do ABC paulista (Volkswagen, Mercedes Benz, Toyota, Scania e Ford), de outras fábricas da região e da cidade de São Paulo ocuparam as cinco faixas da pista local da Via Anchieta, em São Bernardo, na manhã desta sexta-feira (8). A novidade é que, em vez de cobrar reajustes salariais ou melhores condições de trabalho, a categoria cruzou os braços, de forma pacífica, a fim de alertar para a desindustrialização da economia.
Os trabalhadores estão preocupados com o aumento da presença de veículos e de outros produtos industrializados importados no mercado brasileiro. Na opinião da categoria, a política cambial do governo Dilma estimula a importação, prejudicando o parque fabril nacional e a geração de empregos.
“A manifestação dos metalúrgicos é justa e conta com o nosso irrestrito apoio”, declarou o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, nesta sexta, na abertura da reunião da Comissão Política do partido, em São Paulo. Segundo Renato, a “absurda sobrevalorização do real” está empurrando a economia brasileira para esse crescente e preocupante “processo de desindustrialização”.
A situação é tão peculiar que, para reivindicar o fortalecimento e a proteção da indústria nacional contra as importações, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligado à CUT, e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, da Força Sindical, se uniram pela primeira vez. Os protestos desta sexta começaram em frente à porta da Mercedes, em São Bernardo do Campo. De lá, os metalúrgicos marcharam pela Via Anchieta, na altura do quilômetro 12,5, em São Bernardo — a rodovia abriga várias indústrias do setor automobilístico.
“Estamos aqui em defesa da indústria nacional. A previsão da produção da Volks, por exemplo, é de 1 milhão de automóveis no ano. Para se ter uma ideia, esse é o número que importamos no período. São 103 mil empregos que estamos deixando de gerar”, denuncia Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Na opinião dos sindicalistas, a valorização do real e os altos impostos prejudicam a competitividade da indústria brasileira. Contra essa ameaça, é preciso garantir investimentos em tecnologia e inovação, redução da taxa básica de juros e políticas de qualificação profissional.
“Não dá pra admitir que nossos portos fiquem escancarados para o produto do exterior. Se não melhorarmos, no futuro nossos filhos e netos estarão sofrendo com um país sem indústria”, alerta Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Vários setores ameaçados
Em alguns setores, a produção local já foi trocada pela importação ou mesmo pela abertura de unidades na China. Segundo Sérgio Nobre, é o que ocorre com fabricantes de eletroeletrônicos. Levantamento da LCA Consultores revela que o total de veículos leves comprados do exterior chegou a 23% do total de licenciamentos registrados no país nos três primeiros meses de 2011.
"O problema de competitividade, não só da indústria automotiva, é muito claro. Nosso medo é que as matrizes das montadoras deixem de produzir aqui e desloquem suas operações para a China, onde o custo é muito menor. Aí não sobrarão sequer parafusos para a gente apertar", avalia Nobre.
O líder da Força — que visitou recentemente a matriz da Volkswagen, na Alemanha — teme que a montadora "invariavelmente passe a importar" itens produzidos por sua unidade na China nos próximos anos. "Um terço das produção mundial da Volks já está na China. Nos próximos cinco anos pode chegar à metade."
Mais ações à vista
De acordo com Nobre, a manifestação conjunta é apenas o primeiro passo de uma série de ações. Na segunda-feira, o sindicato organiza um seminário para apresentar os resultados de um estudo da Fundação Vanzolini, que projeta a situação da atividade industrial brasileira — e particularmente da indústria do ABC — daqui A 15 anos.
Os sindicatos do setor também vão formar uma frente para levantar propostas de enfrentamento da desindustrialização e para dialogar com o empresariado e com o governo. "O grupo vai solicitar uma audiência com a presidente Dilma e também promover mais manifestações, porque é preciso mobilização social para termos medidas efetivas”, diz Nobre.
“Estamos pensando em ir para a Avenida Paulista e expor produtos importados para esclarecer a população sobre as diferenças de qualidade. Vamos mostrar que eles não geram emprego no país", agrega o sindicalista, lembrando que até o setor empresarial também está mobilizado. Recentemente, CUT, Força Sindical e Fiesp elaboraram um documento com várias reivindicações.
“Estamos dizendo claramente que precisamos que a Dilma nos receba para ouvir o que a indústria precisa”, afirma Vagner Freitas, secretário nacional de Finanças da CUT. “A indústria é a principal criadora de empregos no Brasil. Não existe país forte sem investimento na indústria interna. A questão da unidade dos sindicatos é corretíssima e não é uma luta só de sindicatos — mas de toda a classe trabalhadora. A classe trabalhadora não é de uma central sindical ou outra.”
Já o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), citou outro dado preocupante. “A situação da indústria é muito grave. Todos os dias, por exemplo, entram 800 carros da Argentina no Brasil. O caso da China é ainda pior — significa que há lá fora mais de 100 mil empregos de boa qualidade, enquanto aqui temos empregos de baixa qualidade.”
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