EUA estão por trás da crise no Brasil, acredita analista
ter, 03/05/2016 - 14:47
Atualizado em 03/05/2016 - 15:03
Jornal GGN – Em artigo
na Telesur, o analista de geopolítica Eric Draitser diz que está claro
para todo mundo o golpe em curso no Brasil, mas que ninguém analisou
ainda o contexto mundial em que a crise brasileira se insere. Para ele,
os Estados Unidos travam uma guerra neoliberal contra a América Latina,
capitaneada pela presidenciável democrata Hillary Clinton.
“Toda a direita em todo o continente
está operando em aliança”, acredita Draitser. “Ninguém se deveria
surpreender por atores chaves do golpe do impeachment da presidenta no
Brasil deixarem ver que recebem ordens diretas dos, ou, no mínimo, estão
em estreita colaboração com, os EUA”.
Enviado por Eliseu Leão
Da Telesur
Por Eric Draitser
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu, no Blog do Alok
Já não é novidade em todo o mundo que há
um golpe em curso no Brasil, e que a direita brasileira está usando
todo tipo de medidas arbitrárias e extraordinárias para derrubar a
presidenta eleita Dilma Rousseff.
O que nem a oposição brasileira discute
muito, em nenhuma das discussões que se travam sobre impeachment e
corrupção no Brasil é o contexto mundial em que o golpe de 2016 se
insere: o modo como o capital financeiro internacional está operando ao
lado de Hillary Clinton e outros nomes das elites políticas dos EUA para
reapertar as garras do Consenso de Washington no pescoço da América
Latina; como toda a direita em todo o continente está operando em
aliança; e como essa ação manifesta-se nos países-alvos.
Embora muitas das peças desse
quebra-cabeça permaneçam ainda escondidas pelo menos em parte, é hora de
começar a organizar as peças que temos, para ir vendo o grande quadro.
Brasil e Argentina: Casos a estudar, de intromissão de Wall Street
Enquanto o mundo espera pelo próximo
capítulo da novela brasileira em curso, é indispensável considerar por
que motivo está montado esse espetaculoso processo de impeachment.
Eleitos e reeleitos quatro vezes nas quatro últimas eleições, Dilma
Rousseff e o Partido dos Trabalhadores, PT, são, inegavelmente, a
formação política mais popular no Brasil, país tristemente conhecido
como local do mundo onde há a maior desigualdade social, dividido
desigualmente entre uma pequena elite de direita e rica, e as massas de
trabalhadores, os mais pobres e parte das classes médias urbanizadas de
esquerda que elegeram várias vezes os candidatos do Partido dos
Trabalhadores.
Com essa dinâmica, não surpreende que o
governo da presidenta Dilma Rousseff esteja sendo derrubado por uma
coalizão de fundamentalistas de direita, que congrega desde os que apoiaram empenhadamente a ditadura
militar que os EUA implantaram no Brasil, até os que simplesmente
querem que o Brasil siga modelo mais neoliberal de desenvolvimento
econômico.
Mas o que ainda talvez surpreenda muita
gente é o papel determinante que alguns poucos mas poderosos grupos de
interesses financeiros têm e continuarão a ter nesse processo e em
qualquer outro governo que haja no Brasil.
Em meados de abril, quando a votação do impeachment ainda não começara, a Reuters revelou que
o vice-presidente Michel Temer, da direita brasileira, já preparava
listas com os nomes de seus presuntivos ministros, a serem empossados
tão logo Dilma e o PT fossem derrubados. Temer estaria em contato com
Paulo Leme, cogitando de lhe entregar o ministério das Finanças ou o
Banco Central. Leme é presidente de operações do Goldman Sachs no Brasil
– o que o põe como candidato presuntivo ao posto de representante de
Wall Street no Brasil.
Evidentemente ninguém poderia
desconsiderar a significativa influência que têm empresas como Goldman
Sachs, que vão bem além dos negócios e holdings que o grupo controla
diretamente no país. Por exemplo, o capital financeiro de Wall Street
mantém relações muito próximas com o "homem mais rico do Brasil", Jorge Paulo Lemann, multibilionário suíço-brasileiro proprietário das empresas Heinz Ketchup [é sócio, portanto, de Teresa Heinz Kerry, mulher do secretário de Estado dos EUA; o casal se conheceu no Rio de Janeiro;
não se sabe por quê, esse pensamento dá-nos calafrios... (NTs)], Burger
King, sócio majoritário das empresas Anheuser-Busch e Budweiser, e
íntimo de Warren Buffett. Com tal pedigree na famiglia do capital
financeiro, não é surpresa que Lemann e os interesses que ele representa
estejam muito ativos no golpe no Brasil, apoiando financeiramente grupos envolvidos nos protestos de rua que pregam a derrubada do governo Dilma Rousseff.
Tampouco alguém ainda se poderia
surpreender com a informação de que outros grupos ativos nos protestos
de rua sejam financiados por outros interesses de Wall Street, a saber
os infames Irmãos Koch. Charles e David Koch são a fonte de dinheiro que mantém o Movimento Brasil Livre e os Estudantes pela Liberdade, mediante a Atlas
Economic Research Foundation e Atlas Leadership Academy, onde foram
treinados vários dos principais líderes das manifestações a favor do
golpe no Brasil.
Por tudo isso, ninguém se deveria
surpreender por atores chaves do golpe do impeachment da presidenta no
Brasil deixarem ver que recebem ordens diretas dos, ou, no mínimo, estão
em estreita colaboração com, os EUA. De fato, no dia seguinte, depois
da primeira votação pró-impeachment no Parlamento do Brasil, um
senador, Aloysio Nunes, do PSDB, apareceu em Washington para reuniões não
oficiais com o senador Republicano Bob Corker, membro influente e
presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado; e com o senador
Democrata Ben Cardin, apoiador-chave da candidatura de Hillary Clinton.
Nunes também tinha reuniões agendadas com o subsecretário de Estado Thomas Shannon,
ex-embaixador no Brasil; terceiro na hierarquia do Departamento de
Estado e encarregado de assuntos da América Latina; e também devia
encontrar-se com lobbyistas da ONG Albright Stonebridge Group, cuja
presidenta é a muito empenhada apoiadora de Clinton, Madeline Albright.
Sem dúvida esses encontros indicam o
claro desejo, dos conspiradores brasileiros, de colaborar de todos os
modos requisitados, com o Consenso de Washington – Republicanos e
Democratas, capital privado e agências do governo dos EUA – e fazer uma
transição suave, com mudança de regime no Brasil apoiado pelos EUA.
Pode-se mesmo acreditar que tenham programado uma reencenação do golpe
de 2009 em Honduras, autorizado e comandado porHillary Clinton e seus amigos e lobbyistas dentro do governo dos EUA.
Tudo sugere que aquelas palestras muito lucrativas que
Clinton vendeu a executivos e convidados do banco Goldman Sachs não
visavam simplesmente a impressionar o gigante de Wall Street com
promessas de que seu governo seria muito amigável, em termos
financeiros, dentro de casa; visavam também a demonstrar os muito
importantes serviços que seu governo pode oferecer aos seus patrões
também no campo da política externa. Para ver como esse pessoal trabalha
em perfeita coordenação e harmonia, basta olhar, ao sul do Brasil, o
ofuscante exemplo da Argentina.
Em novembro de 2015, Mauricio Macri
derrotou seu opositor e elegeu-se presidente da Argentina. Mas, se a
vitória era claramente sucesso para a direita Argentina, ela foi também o
equivalente político de uma tomada hostil do país, por Wall Street.
Poucos dias depois do sucesso eleitoral, Macri já revelava o núcleo duro
de sua equipe econômica,recheada de insiders de Wall Street e de representantes do Big Oil, dentre outras indústrias.
Em governo de Macri, a economia da
Argentina está hoje nas mãos de Alfonso Prat-Gay (ministro de Finanças),
há muito tempo banqueiro em Wall Street, ideólogo neoliberal e
ex-presidente do Banco Central da Argentina. Francisco Cabrera
(ex-empregado do banco HSBC e de outras fachadas financeiras) assume
como ministro da Indústria; e outro ideólogo do neoliberalismo, Federico
Sturznegger, é agora presidente do Banco Central. Como se fosse pouco, o
novo ministro da Energia Juan Jose Aranguren foi presidente da divisão
argentina da petroleira Shell.
Na essência, Macri nunca escondeu que
seu governo seria gerente de interesses do capital financeiro e do big
business, como a equipe que se vê em volta dele comprova. E o próprio
Macri, como presidente, logo deixou claro o que ainda não estivesse
claro, ao capitular ante
as exigências do bilionário e capitalista abutre Paul Singer, em
fevereiro, quando a Argentina aceitou pagar quase $5 bilhões (75% do que
os abutres exigiam) ao grupo de Singer, que continuava na guerra
'jurídica', desde que o governo de Cristina Fernandez recusara-se a
fazer o que os bilionários de Wall Street queriam. Com esse simples
movimento, Macri já demonstrou ao mundo, especialmente aos financistas
em New York e London, que a Argentina volta a abrir-se a todos os
negócios e negociatas.
Hillary Clinton e a Agenda Neoliberal na América Latina
Não há dúvidas de que um dos alvos na
América Latina ainda são algumas matérias primas e commodities: os dois
países, Brasil e Argentina, são conhecidos como ricas fontes de energia e
produtores de outras mercadorias; e a Venezuela ainda é dos maiores
produtores mundiais de petróleo. Assim sendo, e considerando-se só esse
aspecto, esses países interessam muito aos chacais de Wall Street. Mas a
coisa é muito mais profunda, dado que a América Latina foi convertida
em ponto focal na avançada para estender a hegemonia de EUA-Wall
Street-Londres, no campo econômico e no campo político.
Pode-se dizer que as peças centrais
dessa avançada são os muito discutidos 'tratados comerciais', o Tratado
da Parceria Trans-Pacífico (ing. Trans-Pacific Partnership, TPP) e o
tratado da Parceria Trans-Atlântico para Comércio e Investimento
(ing. TTIP), pensados para criar uma infraestrutura de negócios
supranacional que, na essência, subordina as nações signatárias ao
comando hegemônico de grandes empresas e do capital. Claro que as forças
progressistas na América Latina e seus aliados postaram-se como uma
muralha, para impedir que aqueles tratados fossem implementados. Mas
tudo sugere que, depois de Macri, e se o golpe no Brasil for
bem-sucedido, os tratados logo entrarão em plena vigência.
Macri já sinalizou que quer usar o
Mercosul como veículo para integrar-se ao Tratado Trans-Atlântico, que
abre o continente aos capitais e empresas europeias e norte-americanas.
Sinalizou também que quer aproximar a Argentina dos países da Aliança do
Pacífico, três dos quais – Chile, Peru e México – já assinaram o
Tratado da Parceria Trans-Pacífico. O sucesso desses movimentos
continentais depende crucialmente de dois importantes fatores.
PRIMEIRO: é indispensável remover do
poder o governo de Dilma Rousseff do Brasil, que, embora interessado em
participar das conversações sobre o Tratado da Parceria Trans-Pacífico,
não dá sinais de desejar subordinar os interesses do Brasil aos
interesses do capital de Washington e Londres.[2]
SEGUNDO: é indispensável que Hillary
Clinton seja eleita à presidência dos EUA – a principal representante de
Wall Street nas eleições de 2016 nos EUA. Os laços que ligam a candidata a Goldman-Sachs e
outros bancos poderosos são bem documentados; mas noticia-se menos – e a
campanha eleitoral 'repercute menos' – nos EUA e na América Latina o
empenho com que Clinton defende a guerra comercial como arma a serviço
da política dos EUA.
Clinton mentiu descaradamente em debates
nacionais entre candidatos Democratas sobre suas posições relacionadas
ao Tratado da Parceria Trans-Pacífico; disse que hoje se opõe ao
Tratado. Mas há apenas três anos, em 2012, como secretária de Estado,
ela disse que
o Tratado da Parceria Trans-Pacífico "define o padrão ouro em matéria
de acordos comerciais". Hoje, a candidata tenta fazer-se passar por
progressista, fingindo que se opõe a um tratado que gerará graves
dificuldades aos trabalhadores em todo o mundo – e também nos EUA.
Verdade é que Hillary dedicou toda a sua vida política a apoiar esse
tipo de política e acordo supostos "de livre comércio", mas que são
violentamente oligopolistas.
Por sua vez, Donald Trump – que merece o benefício da dúvida, no mínimo – declarou que se opõe ao Tratado da Parceria Trans-Pacífico,
mesmo que o argumento dele (que o tratado beneficiaria a China) seja
ridículo. Mas, pelo menos, Trump não dá sinais de sofrer de amor carnal
pelo tal tratado; e ele, com certeza, se eleito, mais atrapalhará que
ajudará a organizar os interesses a favor do tratado. Por isso também,
Hillary Clinton emerge como candidata preferencial de Wall Street.
Esse talvez seja o motivo pelo qual Charles Koch, um bilionários de direita Irmãos Koch, recentemente admitiu que
há alta probabilidade de ele apoiar Hillary Clinton, se Donald Trump
obtiver a indicação como candidato dos Republicanos. Fato é que essa já é
posição declarada de grande número de pensadores e estrategistas da
direita e extrema direita neoconservadora, entre os quais Max Boot, que se referiu a Hillary Clinton como "vastamente preferível"; Robert Kagan, para quem Hillary está "salvando os EUA" e Eliot Cohen que descreveu Clinton como "o mal menor, sem sombra de dúvida, por larga margem."
E por que todos esses neoconservadores
privateiros de direita e extrema direita, e tantos ideólogos neoliberais
da política dos EUA alinham-se tão organizadamente na defesa de Hillary
Clinton? Por uma simples razão: se eleita, Clinton fará o que diz que
fará. E no que tenha a ver com a América Latina, é importante para os
EUA, para assegurar o controle e a exploração econômica, levar a cabo
todas as mudanças de regime em curso naquele continente.
Desde a ascensão de Hugo Chávez, a
América Latina anda pelas próprias pernas, democratizando as relações
sociais e afastando-se cada vez mais do velho status de "quintal dos
EUA".
Com Hillary Clinton e Wall Street
trabalhando mãos nas mãos com os seus prestimosos serviçais de direita
na América Latina, Washington tenta reposicionar-se e reassumir o
controle. Todos pagaremos o preço disso, os povos da região e, sem
dúvida, também os norte-americanos.*****
Eric Draitser é analista independente de Geopolítica, com base em New York City. Edita o website StopImperialism.org e aCounterPunch Radio. Recebe e-mails em ericdraitser@gmail.com.
[2] A ideia dessa subordinação existe no Brasil desde 1952, quando o general Golbery da Costa e Silva escreveu, numa monografia para uso da Escola Superior de Guerra e em 1967 repetiu em seu Geopolítica e Poder,
que o Brasil só teria futuro se se desenvolvesse "ancorado aos países
desenvolvidos" (no pós-guerra, significava, claro, 'ancorar o Brasil'
aos EUA). É a mesma ideia-projeto que está por trás do golpe militar de
1964 – do qual o general Golbery foi um dos principais teóricos, que
levou o Brasil a quase meio século de ditadura militar, da qual ainda
subsiste hoje muito "entulho autoritário". E também, claro, que está por
trás do neogolpe hoje em curso, atentado pelo vice-presidente Michel
Temer, com a ajuda da tucanaria da privataria [NTs, com informações dehttp://mondediplo.com/2013/06/08latinam , traduzido ao português em http://www.conferenciapoliticaexterna.org.br/index.php/todas-as-noticias/13-internacional/43-brasil-cada-vez-maior-das-dificuldades-da-solidariedade-internacional-no-mundo-do-capital-global – leitura interessantíssima.]
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