Golpes para 'mudança de regime' na América Latina: O que a Rússia tem a ver com isso? - O empastelador
18/5/2016, Dmitry Babich, Information Clearing House -
É mais que hora de a Rússia iniciar movimento diplomático para declarar ilegal a política patrocinada pelos EUA para 'mudança de regime', sobretudo agora, ante os recentes eventos na América Latina.
Esses desenvolvimentos já se vão tornando tão 'rotineiros', que se podem descrever como golpes de Estado 'institucionais', com presidente populares eleitos removidos do poder e substituídos por funcionários neoliberais, e que recebem apoio pode-se dizer declarado e ostensivo do governo dos EUA e da Grande Finança norte-americana.
"O que se vê hoje no mundo é uma tentativa, pelo chamado 'ocidente histórico', para preservar a sua dominação no campo dos assuntos internacionais" – disse o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Ryabkov, em conferência sobre desenvolvimento latino-americano em Moscou. "A América Latina não é exceção a essa tendência global. Veem-se esforços dos EUA para interferir diretamente em assuntos internos de alguns países daquela região. Argentina, Brasil, Venezuela são apenas os exemplos mais recentes."
Semana passada, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, de inclinações esquerdistas, foi afastada do poder por um grupo extremamente impopular de senadores, apesar de ter sido legitimamente e legalmente eleita por mais de 54 milhões de votos, que foram às urnas há um ano e meio. Rousseff foi afastada por acusações de corrupção. Mas ninguém, em toda a mídia-empresa dominante nos EUA acreditam que haja fundamento para aquelas acusações.
O New York Times, à véspera do dia em que Rousseff foi afastada do poder, considerou "discutíveis" as acusações feitas contra ela; e acrescentou que "a Sra. Rousseff tem razão ao questionar os motivos e a autoridade moral dos políticos que tentam derrubá-la."
Em 2014-2015, campanha semelhante de ataques e 'assassinato de reputação' aconteceu na Argentina contra a presidenta Cristina Fernandez de Kirchner, também de tendência de esquerda.
Nos dois casos, os candidatos preferidos dos EUA deram 'jeito' de chegar ao poder, apresentando-se como se fossem a única alternativa viável às governantes derrubadas do poder.
No Brasil, o vice-presidente Michel Temer assumiu o poder, sem que tivessem havido novas eleições. O procedimento seria legal, se as acusações contra Dilma estivessem provadas; e não estão. Temer, cuja popularidade no Brasil não chega aos dois dígitos, já começou o que Juan Manuel Karg, especialista em assuntos da América Latina no jornal RT, chamou de "realinhamento" da política externa do Brasil.
O tal "realinhamento" deve "levar o Brasil para mais perto dos EUA e da União Europeia, com ou sem Mercosul" (bloco que reúne e integra os mercados e economias de países latino-americano).
"Deve-se observar que o programa de política exterior do partido de Temer, PMDB, redigido em 2015, sequer menciona o grupo dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – importante bloco de países para cuja criação o Brasil teve papel importante, em 2009" – escreveu Juan Manuel Karg na edição em espanhol de RT.
O PMDB – Partido do Movimento da Democracia Brasileira – é uma associação frouxa de forças centristas e direitistas, que jamais alcançou mais votos que o Partido dos Trabalhadores de Rousseff. O próprio Temer alcança 58% de rejeição entre os brasileiros.
O novo presidente argentino Mauricio Macri tampouco dá qualquer sinal de querer seguir a política de Fernandez de Kirchner, de descobrir novos horizontes para a Argentina na China e Rússia. Durante o mandato dela, de 2007 a 2015, Cristina Fernandez de Kirchner reuniu-se várias vezes com os dois presidentes russos no período, Vladimir Putin e Dmitry Medvedev, liberou o canal RT em espanhol, para ser incluído no conjunto de canais de TV acessíveis à televisão pública, e ampliou laços com a Rússia. Até aqui, essas políticas não tiveram prosseguimento, no governo Macri.
Na Venezuela, a situação é ainda mais clara: os EUA não fazem qualquer segredo do apoio que dão à oposição "antichavista" que trabalha contra o presidente Nicolas Maduro, sucessor de Hugo Chávez, que dá nome ao "chavismo," uma ideologia que combina vender petróleo aos EUA, e aplicar os ganhos desse comércio no desenvolvimento social.
Todas as mídia-empresas norte-americanos dão total apoio à oposição anti-chavista, apesar do papel que essa oposição tem nos violentos protestos de rua, que já deixaram várias dezenas de mortos. "A política dos EUA, de apoiar protestos violentos é indesculpável, porque a Venezuela não é uma ditadura. O país mantém vários veículos que são militantemente anti-Maduro, os eleitores tiveram total liberdade para eleger ao Parlamento, a maioria dos críticos do presidente Maduro" – explica Andres Izarra, um dos ministros do presidente Maduro, no governo de 2014. "O governo da Venezuela sugeriu um diálogo com o governo dos EUA, queríamos construir um acordo. Mas Washington simplesmente não tem política alguma para a América Latina, exceto o golpe, que os EUA chamam de 'mudança de regime'."
Mas por que a Rússia deu sinais de preocupação com a pressão que os EUA estão fazendo contra países latino-americanos? À primeira vista, os interesses econômicos de Moscou não estão voltados para aquela direção. A fatia do comércio exterior russo que envolve países latino-americanos, com a importante exceção da Venezuela, permanece relativamente pequeno, em todos os casos muito menor que o comércio entre Rússia e União Europeia ou entre Rússia e China.
O ponto é que, em anos recentes, os diplomatas russos viram claramente que a política de 'mudança de regime' na América Latina, Síria, Ucrânia e – por último, mas nem por isso menos importante – na própria Rússia é sempre conduzida pelo mesmo grupo em Washington D.C. e em Bruxelas, e usam sempre a mesma 'tecnologia' de golpe. Assim sendo, os eventos no distante Brasil podem, sim, ter impacto direto na Rússia.
"Tentar 'deixar passar' as revoluções coloridas implantadas pelos EUA simplesmente não é ideia inteligente," diz Joshua Tartakovsky, analista de política externa que tem sede nos EUA, e que recentemente visitou a Venezuela e a Ucrânia. "Mais cedo ou mais tarde, os norte-americanos partidários de planos para 'mudar regimes' acabam sempre abrindo guerra contra todos os regimes que, mesmo que só remotamente, possam significar ou vir a significar qualquer ameaça contra a dominação pelos EUA. Primeiro, farão isso no hemisfério ocidental, mas não demorará muito para que cheguem à Rússia, China e também à Índia. O único modo de os BRICS sobreviverem como países independentes é se unirem e agirem juntos – antes de que seja tarde demais."
O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, diferente nisso dos representantes oficiais de Índia e China, diz abertamente que já vê sinais de esforços, pelo ocidente, para fazer uma 'mudança de regime' também na Rússia. Na América Latina, o único ministro de Relações Exteriores que tem coragem similar para olhar de frente os fatos é, até aqui, o ministro da Venezuela; os demais preferem a tática de, como Tartakovsky a descreve, "deixar passar" as tempestades dos golpes inspirados por Washington.
"Ouvi os líderes ocidentais que anunciaram sanções econômicas contra a Rússia," disse Lavrov em reunião com especialistas em política exterior, no outono de 2014. Falava do momento depois do golpe que os EUA patrocinaram na Ucrânia, em 2014, que derrubou o governo centrista do presidente Yanukovich na Ucrânia, ação que levou a uma guerra civil.
"Esses líderes ocidentais disseram abertamente que seriam aplicadas sanções contra a Rússia, de modo a incapacitar a economia russa, processo que eles esperam que leve a protestos populares. O ocidente está claramente enviando uma mensagem à Rússia: não queremos só mudar a política da Federação Russa; queremos mudar o regime da Federação Russa. Fato é que aqueles líderes ocidentais sequer negam esse desejo."
Até que ponto irá a Rússia no apoio que lhe interessa dar à independência de países latino-americanos? Quem e como conseguirá bloquear a Rússia para que resista contra a política dos golpes para 'mudança de regime' de seu poderoso vizinho do norte?
É óbvio que Lavrov não acalenta a ilusão de que a Rússia, só ela, poderia garantir a independência dos países latino-americanos que os EUA ataquem. Na 69ª Assembleia Geral da ONU, no outono de 2014, o ministro de Relações Exteriores da Rússia sugeriu que se aprovasse uma declaração que tornasse inadmissível a política de 'mudança de regime', e afirmasse o "não reconhecimento de táticas de golpe como método para mudar o poder nos estados."
Naquele momento, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil não apoiou abertamente a sugestão de Lavrov – e estava presente àquela sessão da Assembleia Geral da ONU. E, isso, depois de, em 2013, ter feito discurso indignado na ONU contra as 'escutas' de espionagem que a Agência de Segurança Nacional dos EUA instalara nos gabinetes de representantes do Brasil na ONU e, mesmo, no gabinete da presidência do Brasil!
Rousseff talvez lamente não ter colhido aquela oportunidade para agir, naquele momento e naquela tribuna, contra a tática de golpe para 'mudança de regime'. Agora já parece ser tarde demais – para ela e, mais provavelmente, para o Brasil.*****
18/5/2016, Dmitry Babich, Information Clearing House -
É mais que hora de a Rússia iniciar movimento diplomático para declarar ilegal a política patrocinada pelos EUA para 'mudança de regime', sobretudo agora, ante os recentes eventos na América Latina.
Esses desenvolvimentos já se vão tornando tão 'rotineiros', que se podem descrever como golpes de Estado 'institucionais', com presidente populares eleitos removidos do poder e substituídos por funcionários neoliberais, e que recebem apoio pode-se dizer declarado e ostensivo do governo dos EUA e da Grande Finança norte-americana.
"O que se vê hoje no mundo é uma tentativa, pelo chamado 'ocidente histórico', para preservar a sua dominação no campo dos assuntos internacionais" – disse o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Ryabkov, em conferência sobre desenvolvimento latino-americano em Moscou. "A América Latina não é exceção a essa tendência global. Veem-se esforços dos EUA para interferir diretamente em assuntos internos de alguns países daquela região. Argentina, Brasil, Venezuela são apenas os exemplos mais recentes."
Semana passada, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil, de inclinações esquerdistas, foi afastada do poder por um grupo extremamente impopular de senadores, apesar de ter sido legitimamente e legalmente eleita por mais de 54 milhões de votos, que foram às urnas há um ano e meio. Rousseff foi afastada por acusações de corrupção. Mas ninguém, em toda a mídia-empresa dominante nos EUA acreditam que haja fundamento para aquelas acusações.
O New York Times, à véspera do dia em que Rousseff foi afastada do poder, considerou "discutíveis" as acusações feitas contra ela; e acrescentou que "a Sra. Rousseff tem razão ao questionar os motivos e a autoridade moral dos políticos que tentam derrubá-la."
Em 2014-2015, campanha semelhante de ataques e 'assassinato de reputação' aconteceu na Argentina contra a presidenta Cristina Fernandez de Kirchner, também de tendência de esquerda.
Nos dois casos, os candidatos preferidos dos EUA deram 'jeito' de chegar ao poder, apresentando-se como se fossem a única alternativa viável às governantes derrubadas do poder.
No Brasil, o vice-presidente Michel Temer assumiu o poder, sem que tivessem havido novas eleições. O procedimento seria legal, se as acusações contra Dilma estivessem provadas; e não estão. Temer, cuja popularidade no Brasil não chega aos dois dígitos, já começou o que Juan Manuel Karg, especialista em assuntos da América Latina no jornal RT, chamou de "realinhamento" da política externa do Brasil.
O tal "realinhamento" deve "levar o Brasil para mais perto dos EUA e da União Europeia, com ou sem Mercosul" (bloco que reúne e integra os mercados e economias de países latino-americano).
"Deve-se observar que o programa de política exterior do partido de Temer, PMDB, redigido em 2015, sequer menciona o grupo dos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – importante bloco de países para cuja criação o Brasil teve papel importante, em 2009" – escreveu Juan Manuel Karg na edição em espanhol de RT.
O PMDB – Partido do Movimento da Democracia Brasileira – é uma associação frouxa de forças centristas e direitistas, que jamais alcançou mais votos que o Partido dos Trabalhadores de Rousseff. O próprio Temer alcança 58% de rejeição entre os brasileiros.
O novo presidente argentino Mauricio Macri tampouco dá qualquer sinal de querer seguir a política de Fernandez de Kirchner, de descobrir novos horizontes para a Argentina na China e Rússia. Durante o mandato dela, de 2007 a 2015, Cristina Fernandez de Kirchner reuniu-se várias vezes com os dois presidentes russos no período, Vladimir Putin e Dmitry Medvedev, liberou o canal RT em espanhol, para ser incluído no conjunto de canais de TV acessíveis à televisão pública, e ampliou laços com a Rússia. Até aqui, essas políticas não tiveram prosseguimento, no governo Macri.
Na Venezuela, a situação é ainda mais clara: os EUA não fazem qualquer segredo do apoio que dão à oposição "antichavista" que trabalha contra o presidente Nicolas Maduro, sucessor de Hugo Chávez, que dá nome ao "chavismo," uma ideologia que combina vender petróleo aos EUA, e aplicar os ganhos desse comércio no desenvolvimento social.
Todas as mídia-empresas norte-americanos dão total apoio à oposição anti-chavista, apesar do papel que essa oposição tem nos violentos protestos de rua, que já deixaram várias dezenas de mortos. "A política dos EUA, de apoiar protestos violentos é indesculpável, porque a Venezuela não é uma ditadura. O país mantém vários veículos que são militantemente anti-Maduro, os eleitores tiveram total liberdade para eleger ao Parlamento, a maioria dos críticos do presidente Maduro" – explica Andres Izarra, um dos ministros do presidente Maduro, no governo de 2014. "O governo da Venezuela sugeriu um diálogo com o governo dos EUA, queríamos construir um acordo. Mas Washington simplesmente não tem política alguma para a América Latina, exceto o golpe, que os EUA chamam de 'mudança de regime'."
Mas por que a Rússia deu sinais de preocupação com a pressão que os EUA estão fazendo contra países latino-americanos? À primeira vista, os interesses econômicos de Moscou não estão voltados para aquela direção. A fatia do comércio exterior russo que envolve países latino-americanos, com a importante exceção da Venezuela, permanece relativamente pequeno, em todos os casos muito menor que o comércio entre Rússia e União Europeia ou entre Rússia e China.
O ponto é que, em anos recentes, os diplomatas russos viram claramente que a política de 'mudança de regime' na América Latina, Síria, Ucrânia e – por último, mas nem por isso menos importante – na própria Rússia é sempre conduzida pelo mesmo grupo em Washington D.C. e em Bruxelas, e usam sempre a mesma 'tecnologia' de golpe. Assim sendo, os eventos no distante Brasil podem, sim, ter impacto direto na Rússia.
"Tentar 'deixar passar' as revoluções coloridas implantadas pelos EUA simplesmente não é ideia inteligente," diz Joshua Tartakovsky, analista de política externa que tem sede nos EUA, e que recentemente visitou a Venezuela e a Ucrânia. "Mais cedo ou mais tarde, os norte-americanos partidários de planos para 'mudar regimes' acabam sempre abrindo guerra contra todos os regimes que, mesmo que só remotamente, possam significar ou vir a significar qualquer ameaça contra a dominação pelos EUA. Primeiro, farão isso no hemisfério ocidental, mas não demorará muito para que cheguem à Rússia, China e também à Índia. O único modo de os BRICS sobreviverem como países independentes é se unirem e agirem juntos – antes de que seja tarde demais."
O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, diferente nisso dos representantes oficiais de Índia e China, diz abertamente que já vê sinais de esforços, pelo ocidente, para fazer uma 'mudança de regime' também na Rússia. Na América Latina, o único ministro de Relações Exteriores que tem coragem similar para olhar de frente os fatos é, até aqui, o ministro da Venezuela; os demais preferem a tática de, como Tartakovsky a descreve, "deixar passar" as tempestades dos golpes inspirados por Washington.
"Ouvi os líderes ocidentais que anunciaram sanções econômicas contra a Rússia," disse Lavrov em reunião com especialistas em política exterior, no outono de 2014. Falava do momento depois do golpe que os EUA patrocinaram na Ucrânia, em 2014, que derrubou o governo centrista do presidente Yanukovich na Ucrânia, ação que levou a uma guerra civil.
"Esses líderes ocidentais disseram abertamente que seriam aplicadas sanções contra a Rússia, de modo a incapacitar a economia russa, processo que eles esperam que leve a protestos populares. O ocidente está claramente enviando uma mensagem à Rússia: não queremos só mudar a política da Federação Russa; queremos mudar o regime da Federação Russa. Fato é que aqueles líderes ocidentais sequer negam esse desejo."
Até que ponto irá a Rússia no apoio que lhe interessa dar à independência de países latino-americanos? Quem e como conseguirá bloquear a Rússia para que resista contra a política dos golpes para 'mudança de regime' de seu poderoso vizinho do norte?
É óbvio que Lavrov não acalenta a ilusão de que a Rússia, só ela, poderia garantir a independência dos países latino-americanos que os EUA ataquem. Na 69ª Assembleia Geral da ONU, no outono de 2014, o ministro de Relações Exteriores da Rússia sugeriu que se aprovasse uma declaração que tornasse inadmissível a política de 'mudança de regime', e afirmasse o "não reconhecimento de táticas de golpe como método para mudar o poder nos estados."
Naquele momento, a presidenta Dilma Rousseff do Brasil não apoiou abertamente a sugestão de Lavrov – e estava presente àquela sessão da Assembleia Geral da ONU. E, isso, depois de, em 2013, ter feito discurso indignado na ONU contra as 'escutas' de espionagem que a Agência de Segurança Nacional dos EUA instalara nos gabinetes de representantes do Brasil na ONU e, mesmo, no gabinete da presidência do Brasil!
Rousseff talvez lamente não ter colhido aquela oportunidade para agir, naquele momento e naquela tribuna, contra a tática de golpe para 'mudança de regime'. Agora já parece ser tarde demais – para ela e, mais provavelmente, para o Brasil.*****
Nenhum comentário:
Postar um comentário